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2. CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM, TEXTO E ENSINO DA ESCRITA

2.4 Ponto de partida e de chegada: o texto

2.4.2 A produção de textos no ensino fundamental

Consideramos a produção de textos o que embasa o trabalho linguístico, uma vez que é no texto que o discurso é produzido; é no texto que a língua se faz em uso. Percebemos que, por sua importância nas aulas de LP, a discussão sobre o ensino da produção escrita ganhou

espaço e há diversos estudos que focalizam o tema e apontam para a necessidade de mudanças. Mesmo que discretamente mudanças têm acontecido, tanto no discurso dos professores, quanto nos livros didáticos, o que nos faz perceber a diferença entre a antiga redação e a produção de textos. Naquela, se produziam textos para a escola; nesta, se produzem textos na escola. (GERALDI, 2013, p.136)

Na produção textual a interlocução dá sentido à língua, sendo assim, no ato de escrever textos, é mais do que necessário para o aluno ter em mente quem é seu interlocutor, visto que esse papel não é neutro, é ativo, interfere no modo como o locutor produz seu discurso.

O professor deve ter consciência dessa interlocução, visto que é um dos pontos cruciais no ato de produzir um texto. O interlocutor deve ser explicitado ao aluno em uma produção textual. Ele pode apresentar-se individual ou coletivamente, ser real ou não, estar próximo, como na fala, ou distante como no texto escrito. No entanto, quando esse aluno não tem definido para quem escrever, na maioria das vezes, o faz somente para o professor com o objetivo de ter uma nota. Segundo Brito (2011, p.120):

o aluno é obrigado a escrever dentro de padrões previamente estipulados e, além disso, o seu texto será julgado, avaliado. O professor, a quem o texto é remetido, será o principal - talvez o único - leitor da redação. Consciente disso, o estudante procurará escrever a partir do que acredita que o professor gostará (e, consequentemente, dará uma boa nota).

Esse jogo de interlocução, na redação tradicional, é artificial e descaracteriza o aluno como sujeito que produz sentido e descaracteriza o professor como interlocutor, visto que este é apenas considerado corretor do texto daquele. É necessário mudarmos esse papel e, como professores, também nos tornarmos interlocutores do texto do aluno, no sentido de concordarmos com ou discordarmos do que ele escreve, questionarmos, acrescentarmos comentários, perguntar, etc.

Outro aspecto importante que salientamos é que, dependendo do modo como propusermos a produção, esse caráter artificial do texto escolar pode ser acentuado ou atenuado. É necessário definirmos bem para o aluno sobre o que escrever, com quais objetivos e com qual estrutura.

Caberia então a nós professores analisarmos as propostas tendo em vista algumas condições necessárias que explicitamos ao aluno, para que na produção:

a) se tenha o que dizer;

c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer;

d) o locutor se constitui como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz (o que implica responsabilizar-se, no processo, por suas falas);

e) se escolhem as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d). (GERALDI, 2013, p.137.)

Respondendo ao item a, podemos trazer para a sala de aula as experiências do próprio aluno e de sua família, não somente como relatos, mas como reflexão sobre o vivido. Isso justifica a atividade didática proposta ter como base a memória literária, visto que o gênero possibilita que o aluno recrie suas experiências ao compartilhá-las com os colegas e possam refletir sobre elas.

Quando analisamos os itens a e b, é importante diferenciarmos produção de reprodução. Como o exemplo de propostas nas quais pedem que o aluno faça um texto por meio da observação de uma gravura. Podemos refletir: será que essa gravura desperta o interesse do aluno em contar algo relevante, ou só desperta a necessidade de reproduzir o que acredita que o professor quer ouvir? Tais práticas ficam apenas no âmbito do letramento escolar e configuram o tipo de texto escrito apenas para a escola.

Já o ato de escrever sobre experiências vividas ou sobre temas que sejam do interesse do aluno apresenta-se como um caminho para dar significado ao seu dizer, visto que teria a motivação de compartilhar suas experiências e expor seus pontos de vista. Entretanto,

A experiência do vivido passa a ser o objeto de reflexão; mas não se pode ficar no vivido sob pena de esta reflexão não se dar. O vivido é ponto de partida para a reflexão. Aqui a ação educativa é fundamental, não só pelas comparações que professor e alunos podem ir estabelecendo entre as diferentes histórias, mas sobretudo pelas ampliações de perspectivas que cada história, individual, permite. (GERALDI, 2013, p.163)

A partir do texto que o aluno produziu, a partir das experiências partilhadas, é possível ampliarmos o tema com outros textos, solicitarmos palestras de profissionais da área abordada, fazermos uma campanha de conscientização, etc.

Por isso, é importante apresentarmos para o aluno um projeto de produção de texto que tenha interlocutores reais ou possíveis, tais como a criação de jornais murais, exposição dos textos, debates, publicações em jornais locais, exposição de livros produzidos pela turma, enfim, propiciarmos que o aluno tenha um interlocutor e que seu texto não caia no vazio sem resposta das correções do professor. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), inclusive, há a proposta de projetos de escrita, visto que esses têm “um objetivo compartilhado por todos os envolvidos, que se expressa num produto final em função do qual todos trabalham e que

terá, necessariamente, destinação, divulgação e circulação social internamente na escola ou fora dela." (BRASIL, 1998, p.87)

No item d, tendo suprido as artificialidades iniciais, o autor-aluno estará comprometido com o discurso que produz e passa a ser sujeito de seu discurso. Seu dizer não será apenas reprodução de dizeres que pensa que o professor queira ler, mas terá todo um propósito, com intenções definidas, carregado de crenças, opiniões.

Sobre as estratégias que o aluno deve escolher para realizar seu texto, item e, elas não são aleatórias, escolhidas ao acaso. O aluno deve saber escolher como escrever seu texto, oral ou escrito, tendo em vista seu interlocutor, a situação de comunicação, o tipo de texto a ser produzido, se um poema, uma carta comercial ou pessoal, uma narrativa ou um texto argumentativo. Tudo isso e mais diversos aspectos de tais produções devem ser considerados ao selecionar as estratégias. O papel de conduzir esse momento é também do professor, que como interlocutores do aluno, apontaremos caminhos para que ele possa dizer o que tem a dizer utilizando-se de estratégias mais adequadas.

A presença dessas estratégias de escrita aponta-nos caminhos para o progresso das habilidades de escrita, tão criticadas como fracasso da escola atual. Isso porque tomam a produção textual não como uma atividade escolar apenas, mas devolvem ao aluno seu direito ao dizer, dá sentido ao uso da língua escrita.