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A linguagem algébrica como forma semiótica de comunicação do pensamento

2.1 Pensando a Matemática pelos caminhos da álgebra

2.1.1 A linguagem algébrica como forma semiótica de comunicação do pensamento

A Matemática lida com o abstrato, com signos linguísticos e objetos simbólicos que remetem a algo concreto, ostensivo, visível e manipulável. E essa peculiaridade pode lhe ter dado, ao longo da sua existência enquanto disciplina do currículo escolar, o título de inacessível, abstrata demais, difícil e sem ligação com o mundo cotidiano, concreto. E, como consequência, surgiram as dificuldades de aprendizagens, os desafios com o seu ensino. As pesquisas em Educação Matemática vêm estudando tais fatos em busca de explicações e meios de desmistificá-los, visando a aprendizagem matemática, ou seja, a produção do conhecimento matemático. E nessa produção de conhecimento matemático há de se observar também o contexto de aprendizagem onde o aluno está inserido, suas experiências e necessidades, para que os conceitos14 (algébricos, no caso) lhes sejam

significativos e úteis.

Lins e Gimenes (1997) assumem o termo significado como um conjunto de coisas que se diz respeito a um objeto. Segundo os autores, essa produção de significados também ocorre com a álgebra, no que definem como atividade algébrica:

A atividade algébrica consiste no processo de produção de significados para a Álgebra [...] A Álgebra consiste em um conjunto de afirmações para as quais é possível produzir significado em termos de números e operações aritméticas, possivelmente envolvendo igualdade ou desigualdade (LINS; GIMENEZ, 1997, p. 137).

14 Utilizamos o termo conceito no que se refere à percepção, à ideia formada mentalmente, isto é, pelo

entendimento do que é o objeto tratado. Trata-se de um pensamento que pode ser expresso por meio de palavras, gestos, como uma unidade cognitiva de significado.

Pela concepção de atividade algébrica apresentada pelos autores torna-se necessário investigar os significados que estão sendo produzidos nas atividades algébricas, e se estão sendo produzidos, pois a sua caracterização depende dessa significação15. E é nessa perspectiva que entendemos o estudo algébrico com efetiva

construção de conhecimento e capacidade de produzir significado. No entanto, não podemos conceber a ideia da álgebra como uma atividade simplesmente, ou como uma ferramenta a serviço das outras áreas, mas como um domínio do conhecimento, dada a sua importância e solidez na aprendizagem matemática.

Assumimos que apropriar-se dos conceitos, contextualizá-los, identificá-los em outras situações e ser capaz de aplicá-los na construção de conhecimentos posteriores, dentro e fora da escola, é produzir significados. E é o que almejamos para os nossos alunos, a produção de significados para os conteúdos algébricos. Nessa significação a linguagem é essencial, seja na interpretação dos problemas matemáticos algébricos, como também para a comunicação dos resultados e do pensamento matemático desenvolvido para resolvê-los.

Radford (2006) trata o pensamento algébrico como uma “forma particular de refletir matematicamente” (p. 2), que envolve a capacidade de abstração e de generalização, numa unicidade entre a linguagem e o pensamento, e destaca ainda que o esforço para compreender a realidade conceitual e a produção de conhecimento inclui também, as práticas sociais subjacentes (RADFORD, 2009).

No processo de ensino e aprendizagem, e assim na atividade matemática, as conexões entre as ideias e os saberes que são apresentados aos alunos figuram como uma característica fundamental e estruturante do processo de fazer matemática e então produzir conhecimento. Concordamos com Ponte et. al. (2012) que é no estabelecimento de conexões, entendida como relação, nexo, analogia ou afinidade entre coisas diversas, que se desenvolve o pensamento matemático e a compreensão em matemática.

Vygotsky (2001), numa perspectiva socioculturalista, defende que o pensamento se forma a partir do aporte simbólico que é oferecido à criança no seu contexto sociocultural, onde se inclui a escola enquanto instituição social, e não por padrões de

15 Adotamos o termo significação como semanticamente é definido no dicionário e que se ajusta à nossa

pesquisa. Trata-se de uma representação mental relacionada a uma forma linguística, um sinal, aquilo que

um signo quer dizer; acepção, sentido, significado. Disponível em

estruturas biológicas como uma atividade exclusivamente autônoma e individual. Para o autor, trata-se de uma função psicológica superior que envolve análise, síntese, abstração e generalização e promove o desenvolvimento dos sujeitos.

Generalização e significado da palavra são sinônimos. Toda generalização, toda formação de conceitos é o ato mais específico, mais autêntico e mais indiscutível do pensamento. Consequentemente estamos autorizados a considerar o significado da palavra como um fenômeno do pensamento (VYGOTSKY, 2001, p. 398).

Considerando pensamento e linguagem como funções psicológicas superiores na atividade humana (VYGOTSKY, 2001) e as diferentes conexões e inter-relações entre os saberes, transparece-nos que as experiências que o aluno vivencia em sala de aula, e fora dela, contribuem para a constituição do pensamento algébrico. É através da significação das palavras, termos e conceitos da álgebra que se constitui a aprendizagem algébrica (DA ROCHA FALCÃO, 1993), e, acrescentamos, pela capacidade de generalização que lhe é sinônimo, constitui a própria aprendizagem matemática.

Lins Lessa e Da Rocha Falcão (2005) trouxeram à discussão a formação do pensamento matemático, especificamente do conhecimento matemático-algébrico à luz da Psicologia da Educação Matemática, através de uma reflexão epistemológica da origem psicológica do conhecimento matemático. Discutiam, à época, o pensamento formado pela natureza biológica de acordo com Piaget (1973), em que a linguagem, enquanto “um recurso à função semiótica, recobrindo desde a utilização de signos16

linguísticos orais ou escritos até o apelo a suportes simbólicos de forma geral” (p. 315), tem papel preponderante como uma subesfera do pensamento.

Ainda segundo Piaget (1973, apud DA ROCHA FALCÃO, 1993), o pensamento precede a linguagem, e esta é uma das formas de expressão do pensamento, e, portanto, lhe é subordinada. E a formação do pensamento depende de habilidades mentais capazes de evocar um objeto ou acontecimento ausente. Já para Vygotsky (2001), pensamento e linguagem tem raízes genéticas diferentes e são processos interdependentes desde o início da vida, mas, no entanto, a linguagem não pode ser “descoberta” sem o pensamento.

16 Charles Sanders Peirce (1839-1914) matemático e filósofo americano, precursor da Semiótica definiu

“signo, ou representâmen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém”. (PIERCE, 2005, p. 46).

A pesquisa de Lins Lessa e Da Rocha Falcão (2005) apontou “a possível construção do conhecimento sem ser necessariamente em primeira instância, mediado pela linguagem” (p. 321) e veio contestar a ideia de que a linguagem tem papel central no processo de construção do conhecimento matemático. E assim o pensamento matemático ocupa uma posição de destaque nesse processo, onde linguagem e sistema simbólico algébrico funcionam, juntos, como instrumentos psicológicos capazes de influenciar o desenvolvimento das funções psíquicas necessárias à aquisição do conhecimento.

O objetivo do ensino da Matemática é desenvolver a capacidade de raciocínio dos alunos (PONTE et al., 2012), ou seja, promover meios de torná-los verdadeiramente seres pensantes, capazes de construir conhecimento. Pensando no dinamismo do mundo atual onde vivem os indivíduos, não cabe à escola apenas fornecer informações aos alunos pensando nas suas necessidades futuras, pois esse futuro é uma incógnita.

É uma das funções da escola orientar e fornecer estratégias aos alunos que os capacitem a transformarem informações em conhecimento. Ao professor cabe então propor uma variedade de situações, semanticamente ricas e compostas por diferentes relações. Nessas situações, os conceitos devem ser desenvolvidos com os alunos, na formação do conhecimento, como uma relação entre saberes que já trazem consigo, ou os que lhes são apresentados. Cabe também ao professor analisar as conexões possíveis e úteis e os fatores que interferem ou contribuem para essa aprendizagem.

Diante dessas discussões nos posicionamos que o pensamento matemático implica estabelecer conexões (PONTE et al., 2012) entre os saberes já existentes e os novos, onde a linguagem é essencial (RADFORD, 2009), como é essencial a qualquer atividade humana (VYGOTSKY, 2001). E a linguagem, enquanto recurso semiótico de expressão do pensamento, tanto como o pensamento matemático, coexistem na atividade matemática, e juntos ocupam papel fundamental no processo de produção de conhecimento (DA ROCHA FALCÃO, 2005).

E o estabelecimento de conexões entre o pensar e os saberes novos e existentes é uma das características da atividade algébrica. Sendo assim discutiremos a seguir a álgebra, enquanto objeto de estudo e investigação, dentro do campo maior de pesquisas, a Educação Matemática, onde nos inserimos.