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4. A NACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO NO DIREITO ESTRANGEIRO

4.7 UNIÃO EUROPEIA E O TRABALHO

4.7.2 A livre circulação de trabalhadores e suas restrições

O contexto europeu é bem diverso do panorama latino americano, pois lá está em pleno vigor o tratado que criou a União Europeia que tem entre suas diretivas a livre circulação de trabalhadores e a vedação a qualquer forma discriminatória.

A União Europeia trata-se de uma união de Estados que instituíram um forte direito comunitário, como informa Amauri Mascaro Nascimento265:

É muito forte a influência do direito comparado sobre as suas disposições específicas, embora cada país membro tenha preservado o seu direito do trabalho interno. Exemplifique-se com as orientações comunitárias sobre a promoção da igualdade de oportunidade de tratamento, visando afastar a discriminação contra o trabalho da mulher e proteger a maternidade, seguidas pelo direito do trabalho da França e da Itália e que marcaram, decisivamente, uma total reformulação dessa matéria, passando de um direito protetor da mulher para um direito nitidamente promocional de acesso à produção. Foram constituídas, também, comissões encarregadas de apreciar aspectos trabalhistas de seguridade social.

Demais disso, a União Europeia se auto impôs criar uma comunidade de grande proteção social, através de união econômica, como acentua Alice Monteiro de Barros266:

A comunidade tem hoje por objetivo, por meio da criação de um mercado comum e de uma união econômica e monetária a da aplicação de políticas ou ações comuns, promover o desenvolvimento harmonioso e equilibrado das atividades econômicas, um crescimento sustentável e não inflacionista, que respeite o ambiente, um alto grau de convergência dos comportamentos das economias, um elevado nível de emprego e de proteção social, o aumento do nível de qualidade da vida, a coesão econômica e social e a solidariedade entre os Estados Membros.

Essas disposições demonstram não só a necessidade de se harmonizarem os custos de mão-de-obra, para evitar que a integração

265

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 23ª ed. São Paulo: Saraiva. 2008, p.109-10.

266

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 2ª ed. São Paulo: Editora LTr. 2006, p.1.276.

constitua uma concorrência em detrimento dos países onde a legislação social é mais avançada, como também revelam uma Europa de cidadãos atenta às exigências sociais.

O programa da União Europeia é interessante, e nele se vislumbra grandes avanços. Porém, tais avanços foram fruto de um processo longo, onde se teve de conviver com as diferenças estruturais e econômicas entre os membros da comunidade.

Em matéria de nacionalização do trabalho, como a União Europeia construiu para si, no plano jurídico, uma nacionalidade (cidadão europeu), não deveria haver razão para a instituição de regras de proteção aos trabalhadores locais, tanto que vários países membros adotaram a Diretiva 2000/43/CE267, do Conselho Europeu, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica.

Esse é o caso de Portugal, cujo código do trabalho268 incorporou ao seu ordenamento jurídico mencionada diretiva. Deve ser registrado apenas, que durante muito tempo vigou em terras lusitanas o Decreto-Lei 97/77269 que determinava que as empresas, nacionais ou estrangeiras, que exercessem a sua atividade em qualquer parte do território português, só poderiam ter a seu serviço, ainda que não remunerado, indivíduos de nacionalidade estrangeira, no caso de o quadro do seu pessoal, quando composto por mais de cinco trabalhadores, estar preenchido pelo menos por 90% de trabalhadores portugueses. Tal legislação foi revogada mais de 20 (vinte) anos depois de sua vigência pela lei nº 20/98270.

Contudo, a livre circulação de trabalhadores está restrita aos que detiverem a cidadania europeia, logo, um trabalhador, nacional de um Estado-terceiro,

267 Disponível em http://eur- lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:32000L0043:pt:HTML. Acesso em 01.05.2013. 268

Disponível em http://www.cite.gov.pt/pt/legis/Lei007_2009.html . Acesso em 12.01.2013. 269

http://www.igf.min-financas.pt/inflegal/bd_igf/bd_legis_geral/leg_geral_docs/DL_097_77.htm. Disponível neste sítio. Acesso em 01.05.2013.

270

http://www.igf.min-financas.pt/inflegal/bd_igf/bd_legis_geral/leg_geral_docs/LEI_020_98.htm. Disponível neste sítio. Acesso em 01.05.2013.

embora radicado num Estado da Comunidade, não beneficia da livre circulação para exercício da sua atividade profissional271.

A liberdade de circulação de trabalhadores e a igualdade entre eles (repita- se entre os que têm cidadania europeia), implica que os trabalhadores têm direito a responder ofertas de emprego, deslocar-se livremente no território para exercer suas profissões, residir no território para trabalhar e permanecer no território depois de ter exercido uma atividade.272

De toda sorte, existem reservas à livre circulação de trabalhadores, pois o acesso aos empregos na administração pública nos Estados membros é restrita aos nacionais de origem, sendo que a noção de administração pública abrange tanto funções públicas, quanto serviços organizados em bases empresariais,273 sendo relevante, apenas, a natureza das atividades exercidas, o que leva João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos a concluírem que, no contexto europeu:

- podem ser reservados para nacionais os empregos nos serviços de justiça, das polícias, das forças armadas e da diplomacia;

- e bem assim nos serviços de fiscalização – de obras, de atividades económicas e outras (atividades nos setores do ensino e investigação, da saúde, dos transportes terrestres, marítimos aéreos e por caminhos de ferro, dos correios, telecomunicações e radiodifusão, do gás e eletricidade);

- igualmente podem ser reservados aos nacionais, as funções de direção e consultoria do Estado relativas a questões científicas e técnicas;

- não há restrições ao emprego em serviços do sector público de médicos, dentistas, veterinários, farmacêuticos, enfermeiros e parteiras, profissionais afins, arquitetos, engenheiros, etc.;

Ademais, deve ser registrado que as leis de imigração e controles de fronteira são usadas como barreiras para o livre acesso de trabalhadores das diversas nacionalidades, aos mercados de trabalho, tudo com o objetivo evidente

271

CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de; Manual de direito comunitário. 4ª ed. Lisboa: Caloute Gulbenkian. 2004. P 558.

272

CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de; Op. cit. P 559. 273

CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Manual de direito comunitário. 4ª ed. Lisboa: Caloute Gulbenkiam. 2004. P 562.

de criar uma forma de proteção à mão de obra local, como já apontaram, Rainer Munz e, Thomas Straubhaar274:

Em muitos estados-membros da UE, a imigração económica tem consistido tradicionalmente na implementação de esquemas de “trabalhadores convidados” durante os períodos de expansão económica ou em resposta a carências sectoriais de mão-de-obra. Este posicionamento deve-se em parte ao receio de que a imigração possa constituir um fardo para o erário público e de que os imigrantes possam exercer um efeito depressor sobre os níveis salariais e de emprego da população autóctone.

[...]

No entanto, o potencial económico dos trabalhadores imigrantes não tem sido devidamente aproveitado na Europa. Por exemplo, existem indicações claras de que os imigrantes são mais móveis e flexíveis no aproveitamento das oportunidades de emprego do que os trabalhadores autóctones e que, consequentemente, possuem uma maior capacidade potencial de mitigação das ineficiências associadas às disparidades regionais no seio da UE-27. Apesar disso, não lhes é permitido deslocarem-se livremente entre os diversos mercados de trabalho nacionais dos estados-membros. Permitir o acesso dos nacionais de países terceiros residentes nos estados-membros da UE aos mercados de trabalho nacionais e conceder-lhes subsequentemente plena liberdade de movimentos poderia contribuir para a criação de um mercado de trabalho europeu mais integrado e flexível, promovendo assim a competitividade da economia da UE.

Em muitos países da UE, os imigrantes enfrentam diversas limitações no que diz respeito ao acesso ao mercado de trabalho. As mais importantes têm a ver com a rigidez dos mercados de trabalho, com os problemas ao nível do reconhecimento das qualificações e competências por parte das sociedades de acolhimento e, por último mas não menos importante, com a discriminação. O que isto sugere é que as políticas de admissão e de integração são claramente inseparáveis. Desde que a UE passou a ter competências na área das migrações, têm sido dados alguns passos muito importantes no sentido da definição de um quadro legislativo de referência e da implementação de programas ambiciosos com vista à integração eficaz dos nacionais de países terceiros. Os esforços envidados às escalas local, regional, nacional e europeia para traduzir os compromissos efectuados em acções concretas terão um impacto decisivo sobre o papel a desempenhar pelos imigrantes no futuro desenvolvimento económico e social da União Europeia.

Assim, a depender do contexto econômico europeu, as legislações que proíbem a discriminação sequer precisam ser manejadas judicialmente, pois os

274

MÜNZ, Rainer e STRAUBHAAR, Thomas. Os emigrantes e o mercado de trabalho europeu. In: A Europa e os seus imigrantes no século XXI. Lisboa. Edição: Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Janeiro 2008, p. 167.

trabalhadores são impedidos de circular livremente, tornando-as meramente simbólica275.

Pelo que se pode ver, mesmo com os esforços de união, ainda existem na União Europeia cargos e funções cuja cidadania de nascimento é critério usado para definir quem deve assumi-los, de maneira idêntica ao que ocorre no Brasil e em muitos países na América do Sul, de modo que regras de nacionalização do trabalho não são desconhecidas no velho mundo.