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4. A NACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO NO DIREITO ESTRANGEIRO

4.9 DA NATUREZA DAS REGRAS DE NACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO

4.9.2 Da função das regras de nacionalização do trabalho no

do trabalho é concretizar certos valores desejados pelo ordenamento jurídico- constitucional a partir de análises factuais, que se encontram encartados em princípios. 322

Essa relação entre valor e realidade, para fundamentar uma regra jurídica, já foi apontada por Helmut Coing323:

Pois a nossa concepção, um juízo de valor pressupõe primeiramente uma análise minuciosa das condições reais (de fato), que devem ser valoradas, bem como uma avaliação dos valores isolados a serem utilizados na valoração. Obviamente as fases isoladas deste processo se relacionam entre si: na análise das condições reais os valores eventualmente intervenientes devem já ser considerados. Da mesma forma valores diferentes devem ser ponderados e delimitados entre si.

Assim, o constituinte valorou determinadas condições factuais, segundo seu contexto histórico, e as inseriu dentro do ordenamento jurídico, qualificando-as como princípios.

É assente que a consagração da normatividade dos princípios, o fato de como eles constituem em normas chaves de todo o sistema jurídico, representou um salto qualitativo nos sistemas jurídicos, a fim de dar efetividade aos textos constitucionais324, de modo que a moderna dogmática constitucional tem se prendido a definir e diferenciar princípios das regras jurídicas.

Essa nova abordagem passa, necessariamente, pela construção de teorias que vislumbrem a juridicidade não apenas como elemento legitimador da ordem dominante, materializada nos grupos hegemônicos e, tampouco, como estrutura normativa isolada da historicidade social. O que se reclama é uma teoria do

322

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26ª ed. São Paulo: Malheiros editores. 2011. P.283.

323

COING, Helmut. Elementos fundamentais da filosofia do direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris editor. 2002, p.280-1.

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direito, e de consequência uma prática hermenêutica que valorize uma dialética do fenômeno jurídico: a aposta na possibilidade de que a transformação social, no sentido de melhoria democrática, passa também pela dimensão jurídica das sociedades.325

As regras vigem, os princípios valem; o valor que neles se insere se exprime em graus distintos326. Os princípios têm alcance de norma e se traduzem por uma dimensão valorativa de caráter finalístico-prospectivo, ao passo que as regras, têm feições retrospectivas-decisivas, tudo como os definiu Humberto Ávila327:

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhe são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta como necessária à sua promoção.

De todo modo, as correntes (que já se tornaram clássicas) debatem acentuadamente sobre a diferença entre princípios e regras.

A corrente que tem Dworkin como seu expoente máximo, sustenta que regras têm hipóteses de aplicação definidas, o que não ocorreriam com os princípios.

Dworkin sustenta que as regras são aplicáveis à maneira tudo ou nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a

325

SCHIER, Paulo Ricardo. A hermenêutica constitucional: instrumento para implementação de uma nova dogmática jurídica. In: Revista dos Tribunais, nº 741 – julho de 1997 – 86. P. 50. 326

BONAVIDES, PAULO. Curso de direito constitucional. 26ª ed. São Paulo: Malheiros editores. 2011. P.288.

327

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10ª ed. São Paulo: Malheiros editores. 2009, p.78.

resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão.328

Já os princípios, nessa perspectiva, têm uma dimensão de peso329, no sentido de que na sua aplicação deve-se levar em conta a importância de cada um, porquanto não apresentam consequências jurídicas que se seguem automaticamente quando as condições são dadas330. Ademais, um princípio não pretenderia criar condições para sua própria aplicação, limitando-se a enunciar uma justificativa para sua aplicação.

A corrente que tem Alexy como seu expoente máximo, sustenta que regras ou são satisfeitas ou não são, ligando-se elas à sua validade. As regras, portanto, determinam algo dentro do que é jurídica a factualmente possível de realizar.331

Em contrapartida, os princípios seriam mandados de otimização, no sentido de que ordenam que algo seja feito na maior medida possível,332 dentro da ambiência factual e jurídica existente. São determinações corretas prima facie, pois a decisão definitiva é obtida somente após uma valoração global, na qual todos os critérios válidos sejam levados em consideração.333

Para as eventuais colisões entre regras, Alexy propõe cláusulas de exceção (à aplicação de uma das regras), ou que uma delas seja declarada inválida.334 Ao passo que na colisão de princípios, um deles teria que ceder, sem, contudo, significar que o princípio cedente deverá ser declarado inválido ou ser objeto de uma cláusula de exclusão, aplicando-se aqui um sopesamento335 entre eles.

328

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. São Paulo: Martins Fontes. 2011, p. 39. 329

DWORKIN, Ronald. Op. Cit p. 42. 330

DWORKIN, Ronald. Op. Cit p. 41. 331

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros editores. 2011, p.91.

332

ALEXY, Robert. Op. Cit, p.90 333

ALEXY, Robert. Op. Cit p.152. 334

ALEXY, Robert. Op. Cit., p.92. 335

Essas construções teóricas não passam ilesas às críticas. Marcelo Neves, por exemplo, apresenta insuficiências nas noções apresentadas por Dworkin, porquanto a seu sentir é perfeitamente possível a ponderação de regras. Ademais, sustenta que, aparentemente, as teses apresentadas implicariam em um renascimento do jusnaturalismo, pois os princípios jurídicos (na visão dworkiana) seriam extraídos de uma moral universal336.

Quanto à tese dos mandados de otimização, as críticas mais acentuadas, indicam que se tratam de uma forma transversa de solipsismo jurídico, pois seria impossível uma ponderação resolver diretamente um caso337, sendo que todo esse procedimento visa a obtenção de uma regra, à qual se fará uma subsunção ao caso concreto, que pode gerar uma discricionariedade. Lênio Streck338 é enfático neste ponto:

Ao fim e ao cabo, na teoria da argumentação jurídica tudo acaba em subsunção. Aliás, quando no Brasil se usa ponderação, na realidade, se faz a partir da aplicação direta da proporcionalidade. Quando isso acontece – e não é difícil perceber isso – a proporcionalidade que deveria ser um princípio, acaba sendo aplicada como se fosse uma regra.

[...]

É por isso que venho sustentando [...] que a proporcionalidade somente tem sentido se entendida como garantia de equanimidade. Ou seja, proporcionalidade – admitindo-se-a ad argumentandum tantum – não é (e não pode ser) sinônimo de equidade. Fora disso o princípio da proporcionalidade se torna irmão siamês do livre convencimento, ambos frutos do casamento do positivismo jurídico com a filosofia da consciência, com o que voltamos ao âmago do tema tratado nesta obra: pode o sujeito solipsista se manter em pleno giro ontológico-linguístico?

Nos parece que o acerto está com Dworkin, pois suas teses têm o efeito prático de tentar eliminar os decisionismos de toda ordem, pois busca, em última análise, chegar a uma única resposta correta ou, no mínimo, ao melhor julgamento de um caso.339

336

NEVES, Marcelo. Entre hidra e hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: Martins Fontes. 2013. P. 54.

337

STRECK, Lênio Luiz. O que é isto decido conforme minha consciência? 2ª ed. Porto Alegre. Livraria do advogado. 2010. P.52.

338

STRECK, Lênio Luiz. Op cit. P.53. 339

Todas essas observações nos levam à conclusão de que os princípios (inclusive os da ordem econômica) veiculam valores e, portanto, eventuais controvérsias interpretativas em torno deles, especificamente a compatibilidade de regras em face deles (semântico), deve levar em consideração o contexto da controvérsia (do discurso) para se buscar a solução (pragmática)340 correta para o caso.

Assim, as regras de nacionalização do trabalho podem concretizar algumas das pautas valorativas encartadas na ordem econômica conforme disciplinado pela Constituição Federal, extraindo delas seu fundamento de validade. À toda evidência, algumas dessas regras não foram recepcionadas pela Constituição (nº 3.3.2.4), mas isso não abala o fundamento das que permanecem validamente no ordenamento jurídico, pois cada regra tem um objeto distinto, que também deve ser compatível com a constituição.

4.9.3 Princípios informadores da interpretação-aplicação das regras de