• Nenhum resultado encontrado

A luta pela integração: a voz dos funcionários

4. As vozes da UnB (re)tratadas pelos Boletins, informativos e entrevistas

4.2 A luta pela integração: a voz dos funcionários

Numa observação pertinente, Hélène Barros, Diretora da Faculdade de Educação (Boletim da UnB, 1986, ano III, nº 48, p. 3), mostrou que, embora se tenha dado muita ênfase à solicitação de aumento do número de professores, até pela obviedade de suas conseqüências, não se dava a devida importância ao reduzido número de pessoal técnico- administrativo no desenvolvimento do plano geral de trabalho da Instituição.

O contexto histórico posto naquele momento indicava, portanto, a importância dos servidores, inclusive no processo eleitoral. Já no Boletim nº 27 (1986, ano I), os funcionários Edeijavá Rodrigues Lira, Guilherme Winther Seabra e Pedro Tomaz de Oliveira Neto cobravam do reitor o cumprimento das promessas de campanha, tais como cursos noturnos e extensivos aos funcionários, oferecer bolsas de estudos, fazer convênios com as faculdades particulares, com a finalidade de amenizar as mensalidades, cursos supletivos, pré-vestibular etc. O mesmo Boletim (p. 6) anunciava: Projeto de escolarização está pronto e inicia primeira fase. A notícia, em questão, referia-se ao Projeto de Escolarização dos Servidores da UnB.

Rosalvo Pereira, líder dos servidores da UnB nesse período de transição, ao tratar do estudo dos funcionários, nos disse:

o que mais me preocupou quando aqui cheguei, [...] é que os funcionários viviam à margem de todo o processo. Eles não tinham, por exemplo, o direito nem de falar. Escolher o reitor? Deus me livre disso! [...] mas o que mais me assustava de funcionário não poder estudar aqui na universidade. [...] ao assinar o contrato, foi me dito que era proibido estudar na UnB11.

11 Rosalvo Bezerra P. Filho. Entrevista a Admário Luiz de Almeida. Brasília: Sala da Vice-reitoria da

Convém lembrar que o Boletim nº 27 teve duas edições. A primeira trouxe as notícias postas acima e estava datada de 16 a 22 de abril de 1986; a segunda era de 23 a 29 de abril de 1986. Ambas encerram as publicações do ano I. Nessa segunda edição, duas notícias (p. 15) de importância: na primeira, comparava-se o quadro de funcionários e de professores da UnB com o de outras universidades; na segunda, registravam-se, através de um documento entregue ao vice-reitor, João Cláudio Todorov, críticas ao Plano de Cargos e Salários do MEC, opondo-se a esse a proposta da Federação das Associações de Servidores das Universidades Brasileira - FASUBRA. Além disso, os funcionários exigem, no documento, mais verbas para as universidades, produtividade de 8,3% sobre o reajuste do mês de março de 86 e reajuste salarial de 105%.

O nº 48 do Boletim (1986, ano II, p. 1, 4-8) foi, quase todo ele, dedicado à greve dos funcionários, com a participação ativa dos estudantes. A propósito dessa greve, Cristovam Buarque escreve nessa edição do Boletim, para reafirmar o fato de que a administração manteve compromisso democrático. Neste sentido, fez ver que,

vista como fenômeno isolado, a greve dos funcionários foi apenas mais uma demonstração das muitas mudanças ocorridas na UnB nos últimos dois anos. [...] Demonstrou também que os funcionários administrativos entenderam e comprovaram que a UnB mudou e que o medo está abolido. Isto não significa, porém, que a greve seja o caminho da construção.[...] A esperança é de que a greve, que não produziu uma ruptura, sirva para aproximar ainda mais os segmentos e a administração, na procura de construir a nova universidade (Boletim nº 48, 1986, ano II, p. 5).

Ao comentar essas greves e as reações de Cristovam Buarque, Rosalvo Pereira chama a atenção para um fato significativo:

ele ficava fora de si, quando a gente entrava em greve, porque achava que deveria haver uma comissão de notáveis. Antes de deflagrar o processo grevista, essa comissão, que teria representante da sociedade, agiria de forma que não acontecesse a greve. Isso não existe, na prática. [...] Não tem como você, externamente, deliberar sobre uma questão interna, não há como (Entrevista, 27.12.04).

Rosalvo não traduz isso como intransigência, falta de diálogo ou autoritarismo. Essa observação é corroborada pelo prof. Pedro Murrieta, na época membro da diretoria da entidade representativa do corpo docente da UnB, ADUnB, e hoje, professor do

Programa de Pós-graduação em Geotécnica da Universidade de Brasília. Para Murrieta12, a relação sindicato e universidade, [...] o Cristovam não consegue processar muito bem. Quando havia greve, [...] Cristovam encarava, quase, como pessoal. As greves, segundo o próprio Cristovam Buarque, o incomodavam muito. Na sua visão,

greve de professor é uma coisa que incomoda existencialmente porque pára uma coisa sagrada que é a universidade [...] às vezes, ela é necessária, mas, às vezes, ela joga contra a instituição. Além disso, a unificação do movimento docente, a meu ver, quebrou a autonomia e pôs a universidade, cujo problema você tentava resolver, ate por dentro dos problemas das outras (Entrevista, 02.09.04).

Comparando com a gestão de José Carlos Azevedo, Rosalvo lembra que, ao convocar uma assembléia, em 1984, só vieram 10 funcionários, uma vez que eles tinham muito mais medo de perder o emprego do que os professores. Naquela oportunidade, diz ele, conseguimos fazer essa assembléia, logo depois fizemos uma outra em que nós soltamos no campus folhetos, dizendo: ‘ou vai à assembléia ou o seu salário vai ser rebaixado’. Observando a gravidade da situação criada pelo governo federal, Rosalvo ressalta a ameaça da ministra Ester Ferraz, em diminuir os salários das fundações, alegando serem maiores do que o das autarquias. Conseguiu realizar a assembléia, mas a mesma transformou-se num debate político porque os que apoiavam o Azevedo, durante vinte anos

no cargo, foram todos [...]. Recorda uma idéia muito comum à época: os servidores tinham mesmo é que trabalhar, não tinham que se meter em política, estavam querendo acompanhar os professores, que eram uns comunistas. [...] O medo era muito grande dentro da universidade (Entrevista, 27.12.04).

Na gestão de Cristovam o problema era outro. Para Rosalvo, ele é uma pessoa muito polêmica [...] fala o que pensa e aí cria muita polêmica. Constrói muitos pensamentos contrários também, entendeu? (Entrevista, 27.12.04)

Embora seu embrião esteja na fase anterior, foi no período Cristovam que a Associação dos Técnicos administrativos da Fundação Universidade de Brasília, ATA/FUB, foi criada. O momento era delicado e muitas eram as reivindicações. Não é fácil você pegar uma história de vinte cinco, trinta anos e transformar em quatro,

rememora o líder. Para ele, uma das características de Cristovam era chamar ao debate, provocar. Ele inovou. O que as pessoas abafavam, ele fez fluir, certo? [...] Era um cara feito para o debate. Rosalvo, hoje dando razão ao reitor, lembra que numa determinada oportunidade, quando da greve pela isonomia, Buarque o chamou:

‘não faz greve pela isonomia. Daqui a dez anos vocês vão fazer greve contra a isonomia, porque existem diferenças regionais, existem até diferença de produção científica. O custo de vida aqui é um e lá é outro. Por que vocês não defendem isonomia de piso de salário?’ (Entrevista, 27.12.04).

Ao buscar nas suas reminiscências os fatos que marcaram os quatro anos de gestão de Cristovam Buarque, Rosalvo recorda o que ele chama de pecados do ex-reitor:

quando o Cristovam era reitor, vi uma matéria na Folha de São Paulo [...] que dizia assim: ‘Cristovam Buarque, o reitor que caiu das nuvens’, entendeu? Era bem a cara dele, ‘viajava’ muito. Tinha a impressão de que ele não estava no Brasil. Saiu mundo a fora, falando, jogando idéias de universidade, pra cima e pra baixo, provocando todo mundo, enfim esse papel ele cumpria (Entrevista, 27.12.04).

Esse aspecto da vida de Cristovam é ressaltado por Marcel Bursztyn (1998) quando o chama de semeador de utopias. O prof. Pedro Murrieta, também lembra isso, mas faz uma ressalva:

ele é um agitador de idéias. Produtor. [...] embora o Cristovam ouça, receba qualquer pessoa, ele tem a fantástica capacidade de ouvir e não processar nada. [...] Olha, a impressão que me dá, é que ele apaga aquilo, sabe? [...] é incrível como ele não ouve. O Cristovam, sem exagero, parece um autista. Ele tem as idéias dele, algumas boas, algumas ruins e dificilmente... eu diria até, que ele ouve você até você dizer o que ele quer ouvir (Entrevista, 11.01.2005).

Rosalvo Pereira, em seu depoimento, enfatiza: Cristovam tinha uma visão de que a universidade era só professor e aluno. Entretanto isso não era um problema exclusivo do reitor, observa o líder. Evocando sua história dentro do movimento sindical, como diretor da CUT estadual, diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Escolas Particulares, passando pelo Sindicato dos Auxiliares de Ensino do Distrito Federal, Rosalvo mostra que a academia, por si só, tem uma característica que lhe é muito própria de isolar as pessoas que não são acadêmicas. O acadêmico pode não ter dinheiro, masramtem uma barriga cheia de vaidade. Ao concluir, Rosalvo ressalta que o movimento, de um modo geral, teve essa dificuldade de integração com os segmentos tidos como predominantes. Isso aconteceu aqui (Entrevista, 27.12.04).

Geotecnia, sala do professor, campus da UnB, 11.01.05.