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A situação do Brasil, nos anos 1950, sobretudo na segunda metade, foi marcada pela efervescência política, econômica, social, cultural e educacional. Esse processo de grandes mudanças encontrou ressonância a partir dos movimentos que geraram a Revolução de 1930, sob a liderança de Getúlio Vargas, como focalizamos no capítulo anterior. Como vimos, o país passara por transformações que se converteram nos alicerces sobre os quais se edificaria um “novo” país. Do ponto de vista da educação, as discussões em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as lutas em defesa da escola pública, os projetos de educação popular, o trabalho de Paulo Freire e, especificamente, no governo de Juscelino Kubitschek, o planejamento educacional de Brasília e a criação de uma universidade na nova capital tiveram um grande destaque. Para adentrar no contexto político dos anos JK e nas articulações que tornaram possível a criação da UnB, a retomada de alguns fatos históricos é necessária para compreendermos os rumos que o país estava tomando.

4 Cristovam Buarque, então reitor da Universidade de Brasília, proferiu estas palavras, em 1982, na

apresentação de Darcy Ribeiro, numa conferência realizada naquela universidade, por ocasião do Ciclo de Conferências, alusivo às comemorações do 10° aniversário de morte de Juscelino Kubitschek de Oliveira. O texto é parte do livro JK o estadista do desenvolvimento, de OLIVEIRA, José Aparecido et al. Brasília: Memorial JK; Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1991, p. 315.

No plano externo, o grande referencial era a Guerra Fria, conseqüência da Segunda Guerra Mundial e das disputas entre os Estados Unidos e a União Soviética. Esse conflito ideológico transformou-se no grande divisor de águas que marcava as relações internacionais entre as nações do ocidente e grande parte do mundo oriental.

Com o término da Segunda Guerra Mundial, internamente, o Estado Novo se extinguia com a deposição de Getúlio Vargas em 1945. Cinco anos depois, através do voto popular, o mesmo Vargas voltaria à chefia do governo, suicidando-se em 1954, diante de uma crise institucional e produzindo uma outra maior. Sobre essa questão, Skidmore argumenta que Vargas se encontrava numa posição extremamente vulnerável, sobretudo porque a oposição começou a tomar corpo no início de 1954. Aliás, vários dos amigos íntimos e adeptos de Getúlio observavam com angústia a deterioração da posição política do presidente. Essa situação atingiu o auge no dia 24 de agosto, após uma reunião do Ministro da Guerra com generais oposicionistas. O poder de Vargas chegara ao final. Entretanto, ainda segundo Skidmore, a reação do povo, ao ser noticiado o suicídio do Presidente, surpreendeu seus oponentes. Na morte como na vida, os atos de Getúlio foram cuidadosamente calculados para produzir o máximo de efeito político (Skidmore, 1976, p. 173)

Com a morte de Vargas, criou-se um vácuo na vida brasileira, fazendo-se urgente a existência de uma nova liderança. As disputas e conflitos entre os principais partidos políticos (PSD, Partido Social Democrático; PTB, Partido Trabalhista Brasileiro; UDN, União Democrática Nacional; PSP, Partido Social Progressista), entretanto, punham mais lenha na fogueira, dificultando uma reconciliação nacional. Na visão de Fávero (1991, p. 13), desde o início dos anos 50, o nacional-populismo havia sofrido grande derrota, consubstanciada na crise cuja culminância foi o suicídio de Vargas.

Entre as poucas lideranças emergentes, encontrava-se a de Juscelino Kubitschek de Oliveira (doravante JK), naquele instante, governador do Estado de Minas Gerais e filiado ao PSD, partido conservador com estreitas ligações com as oligarquias rurais. JK, porém, era um liberal que propunha uma política desenvolvimentista ao país. Tido como seguidor de Getúlio, viu surgir uma forte oposição às suas propostas. O próprio PSD dividiu-se quanto à sua indicação como candidato à presidência.

Quando venceu a convenção do partido, JK propôs uma política capaz de

econômico baseado na industrialização do país. Seu planejamento governamental partia de um Plano de Metas, fundamentado em cinco pilares: energia, transportes, alimentação, indústria de base e educação, tal como foi mencionado no capítulo anterior. Para Trevisan (1986, p. 66), JK elaborou um projeto de desenvolvimento a partir de estudos e pareceres das maiores autoridades, especializadas em cada assunto, objetivando expandir ou implantar indústrias e serviços indispensáveis ao equilibrado desenvolvimento econômico do País. No entendimento de Trevisan, a vitória nas urnas foi a aprovação dada pelos diversos segmentos, ansiosos por mudanças e prosperidade, pesando muito naquela conjuntura as ambições da classe média urbana.

Na leitura de Maria Victoria Benevides (1979, p. 20), o governo JK procurou conciliar desenvolvimento econômico e estabilidade política. Estabilidade não significa necessariamente ausência de crises, pois, apesar de tudo, as contradições inerentes ao próprio sistema político não foram eliminadas (Benevides, 1979, p. 40). Nesse sentido, ao observarmos o governo JK, vamos verificar, ainda segundo Benevides (1979, p. 47), que a ‘aparência’ de estabilidade existia, patrocinada pelo desenvolvimento continuado, pelo otimismo generalizado com o Programa de Metas e a euforia de Brasília, mas, sobretudo, pela manutenção do regime democrático.

De qualquer modo, vale lembrar que a estabilidade do Governo Kubitschek só foi possível graças ao esquema político-militar que o sustentou. Um outro dado estratégico interessante refere-se ao fato de que Juscelino preferia ‘cooptar’ os chefes militares para os postos importantes ligados ao desenvolvimento econômico e manter o General Lott, seu aliado maior, no Ministério da Guerra (Benevides, 1979, p. 147-159).

Ainda, segundo os estudos de Benevides (1979, p. 234-237), em se tratando de economia, duas críticas são feitas ao governo JK. A primeira delas está na abertura do mercado ao capital estrangeiro; a Segunda, concentra-se no aumento da inflação. Entretanto, o recurso à inflação e ao capital estrangeiro foram alternativas ‘eficazes’ para a promoção do desenvolvimento com estabilidade política. Para a mesma autora, a inflação [...] foi a alternativa mais viável para financiar o Programa de Metas e a construção de Brasília, porquanto a tentativa de reforma tributária se constituía numa proeza, pois era politicamente impossível, dada a necessidade do governo de conciliar demandas e apoio dentro do sistema político vigente.

Quanto à participação do capital estrangeiro, Benevides (1979, p. 236) mostra que a participação, a princípio, não veio dos norte-americanos, aliás, irrisória inicialmente, mas dos holandeses, japoneses, franceses e alemães.

Essas informações evidenciam que não houve uma “dependência” explícita, pois o Programa de Metas não ‘dependeu’ de uma estratégia especificamente favorável ao país hegemônico no sistema capitalista internacional (Benevides, 1979, p. 238). As análises de Benevides (1979, p. 239) prosseguem com a discussão do modelo de desenvolvimento nacionalista proposto no governo Kubitschek. Para ela, é extremamente discutível que esse aspecto possa ser comparado ao nacionalismo ‘getulista’. Na sua visão, esses investimentos externos tinham duas vertentes. De um lado, contribuíram para a superação do subdesenvolvimento; de outro, concorreram para o aumento das disparidades regionais e para o enfraquecimento da ‘burguesia nacional’ (Benevides, 1979, p. 240).

O conceito de desenvolvimento, sustentado pelos setores mais próximos do Presidente da República, é fundamental para a compreensão do governo JK. Segundo Miriam Cardoso (1978, p. 276), o discurso de Kubitschek reflete a orientação política e ideológica assumida por ele. Nesse sentido, JK foi habilidoso e contou com o Instituto Superior de Estudos Brasileiros, ISEB, importante instrumento para a propaganda do desenvolvimento e, principalmente, para fortalecer o Estado. O ISEB fora criação do governo de Café Filho, em 1955, mas JK o encampou com a intenção de transformá-lo em órgão de assessoria, apoio e sustentação à política econômica desenvolvimentista definida no Programa de Metas (Benevides, 1979, p. 241).

O estatuto do ISEB trazia uma advertência significativa. Suas atividades não se limitariam a um pragmatismo puro e simples, onde apenas se estipulam os objetivos práticos e imediatos a serem cumpridos (Toledo, 1982, p. 32). Subordinado ao Ministério da Educação e Cultura, o ISEB se propunha a ser um laboratório onde a pesquisa sobre a realidade brasileira se converteria em prioridade. Assim, para Toledo (1982, p. 129), no interior do ISEB, o nacionalismo era a ideologia hegemônica, embora houvesse divergências quanto à sua conceituação. Nelson Werneck Sodré, por exemplo, ainda segundo Toledo (1982, p. 129), não o entendia como prática ideológica, ou seja, não era‘xenófobo’, o que não era compartilhado por outros isebianos que viam o nacionalismo como ‘política ideológica’ por excelência.

É oportuno salientar que, embora o ISEB tenha sido um instrumento fundamental para o governo JK, guardava uma certa autonomia em relação à chamada ideologia oficial. Convém dizer, ainda segundo Toledo (p. 147-50), que o interesse do governo pelo ISEB foi sendo atenuado, em razão de uma certa discrepância quanto à compreensão que se passa a ter do desenvolvimento nacional (suas contradições, limites, dificuldades etc.).

No seu livro ISEB: fábrica de ideologia, Toledo (1982, p. 174-175) diz que o ISEB tinha uma ideologia de inspiração intelectualista e de classe média, o que explicaria as suas dificuldades e ambigüidades quando se tematizam as relações da ideologia nacional-desenvolvimentista com as massas proletárias. Na ótica de Toledo, ilusório seria que aparelhos e instituições ligados ao Estado pudessem organizar e promover a luta ideológica de classe no seio das camadas populares e proletárias. De qualquer modo, como assevera Benevides (1979, p. 242), embora o ISEB não tenha patrocinado integralmente a ideologia desenvolvimentista, nunca deixou de dar ampla cobertura ao desenvolvimento capitalista, até porque via nesse modelo a única alternativa viável capaz de fazer com que o país superasse sua condição de subdesenvolvido. O próprio JK, em 1956, conforme Miriam Cardoso (1978, p. 159), demonstrava inquietação diante da necessidade de se buscar uma saída para vencer aquele estágio econômico, social, político e cultural da sociedade brasileira.

Essa preocupação em ultrapassar as barreiras do subdesenvolvimento ou, na visão de Miriam Cardoso (1978, p. 135), essa condição eminentemente passiva em que se encontravam as nações latino-americanas levou o Governo JK a procurar assumir a linha de frente dos países subdesenvolvidos vinculados ao bloco ocidental (1978, p. 135). Assim, fazendo frente à Aliança para o Progresso, de inspiração norte-americana, JK propôs para a América Latina a Operação Pan-Americana, OPA, tomando como fundamento, entre outros, o fato de termos que responder à guerra fria, [...] com o desenvolvimento harmônico de nossas economias, de que resultará alívio aos sofrimentos até agora pacientemente suportados por milhões de seres humanos deste continente (Kubitschek, 1968, p. 13). Sob esse prisma, podemos compreender o conceito de desenvolvimento assumido pelo governo. O discurso pronunciado pelo Embaixador Francisco Negrão de Lima, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, na primeira

reunião informal dos chanceleres americanos confirma isso. Naquela oportunidade o ministro disse, entre outras coisas, que o combate ao subdesenvolvimento em nosso continente deve ser encarado como uma providência de significado estratégico para a nossa segurança coletiva (Brasil, Presidência da República, 1958, p. 55-61). Encarada como dinamizadora das relações interamericanas, a proposta de criação da OPA, de certa forma, surpreendeu os Estados Unidos (Caldas, 1996, p. 40).

A construção de Brasília também fazia parte do sonho de salvaguardar a liberdade da nação, através da interiorização do desenvolvimento nacional. Com esse propósito, JK deu início à redescoberta do sertão brasileiro. Dos primeiros anos do século XIX até os anos 50 do século XX, sugestões, planos e estudos de viabilização da nova capital aconteceram. A campanha presidencial de 1955 fez renascer a idéia de construção de Brasília num comício em Jataí, Estado de Goiás.

Em 2 de outubro de 1956, Juscelino visitou, pela primeira vez, o local onde seria construída a nova capital. Encontrou um lugar ermo e desabitado. Em discurso de 20 de abril de 1961, JK afirmou com segurança:

Brasília não foi uma improvisação, mas o resultado de um amadurecimento. Não foi somente uma mudança de capital, mas o anúncio de uma reforma. Não se visava apenas a construção de uma cidade nem se batalhava unicamente pela emancipação de uma região. A implantação da capital no interior do País constituiu um decisivo impacto de progresso, um detonador de novos empreendimentos que vão surgindo, proporcional e progressivamente, em torno da cidade, como se forma na superfície da água, círculos concêntricos do ponto em que o corpo se choca com o líquido (Silva, 1991, p. 360-361).

E um desses empreendimentos propostos como detonadores de novos tempos foi a Universidade de Brasília. A criação dessa universidade foi, segundo Cunha (1989, p. 168-169), o momento mais forte de um movimento iniciado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, de indução da modernização do ensino superior no Brasil. Ressalte-se que, assim como o plano urbanístico da nova capital negava a segregação urbana encontrada em todas as cidades brasileiras, o projeto da Universidade de Brasília, também, negava a estrutura e o funcionamento do ensino superior existente, almejando realizar uma utopia universitária.