• Nenhum resultado encontrado

Após 24 anos da criação da UnB, Cristovam Buarque produziu um documento que tinha um objetivo central: sistematizar as idéias e o debate acerca do presente e do futuro da UnB, bem como provocar a mobilização em torno da construção de uma nova UnB (Buarque, 1986, p. 5). Nesse trabalho, Buarque, ao analisar o que ele chama de linhas de ação para reconstruir a UnB, fala em reorientar a resistência ao autoritarismo, assumindo, de forma democrática, o controle administrativo para resgatar a imagem da instituição no contexto acadêmico.

Assim, pressupunha que algumas posições podiam incomodar grupos, segmentos e indivíduos, não via, porém, outra maneira de administrar democraticamente, em momentos de mudanças, senão incomodando, até porque, na sua ótica, o principal papel de um reitor, hoje, é o mesmo de um professor: ser um provocador do debate em torno das quatro questões centrais da Universidade – quem somos ‘nós-UnB’, o que queremos, para que estamos, como devemos ser. Nesse sentido, ele torna claro que um reitor não pode se restringir à função executiva, nem ser pura e simplesmente um ideólogo, mas motivar com os pés na realidade, sem omissão e sem precipitação (Buarque, 1986, p. 5- 7).

No posfácio do seu livro A cortina de ouro (1995, p. 117), Cristovam Buarque diz que cada pessoa é a soma das respostas que deu, ao longo da vida, às perguntas que lhe foram formuladas. Buarque acrescenta, ainda, que os homens que mudam o próprio destino são aqueles que não se limitam a acertar respostas, mas também criam as próprias perguntas certas para o momento.

Em 1985, o povo brasileiro se encontrava, mais uma vez, diante de um processo de redemocratização. Esse momento exigia equilíbrio, mas também perguntas certas, respostas ousadas para velhos problemas. Após os anos difíceis impostos pela ditadura, a UnB retomava seu caminho de volta às origens e precisava fazê-lo sem grandes avarias ou traumas.

Para Cristovam Buarque (1986, p. 4), o fim do autoritarismo traz, além do direito a enfrentar e acusar os opressores, a liberdade e a perda da timidez para criticar todas as idéias, inclusive aquelas dos que lutaram contra a opressão. Ao constatar esses novos desafios, Buarque chama a atenção para o fato de que o novo contexto gera, porém, dramáticos problemas àqueles que se propõem a pensar. Na verdade, analisava a sua

própria realidade e os problemas que enfrentaria no trabalho pela redemocratização da UnB.

Tornava-se, portanto, necessário que a vida universitária fluísse sem os medos que a ditadura havia imposto, sobretudo o medo do novo, mesmo porque é imperdoável que esse medo impere no meio universitário, porque a instituição que busca o avanço das idéias só deve existir com o propósito de inovar as idéias (Buarque, 1989, p. 23). Nesse sentido, as velhas perguntas apenas levam a civilização a continuar o rumo anterior; as novas provocam rupturas e forçam a humanidade a dobrar esquinas civilizatórias (Buarque, 1995, p. 117). Assim, a universidade, para Buarque, é um centro de debates e, como tal, é inevitável o confronto de perguntas e de respostas novas. Volnei Garrafa, naquela oportunidade, decano de extensão da UnB, testemunhando essa disposição para o debate, mostra que

durante boa parte de 1985 e no transcurso de todo o ano de 1986, a Câmara de Extensão da Universidade de Brasília protagonizou embates acadêmicos de intenso colorido. Foram, seguramente, centenas e centenas de horas de fértil discussão, reflexão, posicionamentos e, também, de conclusões, com respeito aos rumos que a extensão deveria seguir na UnB dos novos tempos. [...] E começavam a nascer, da semente do debate participativo, novas bandeiras: realidade, compromisso, permanência, efetividade. [...] O processo histórico-social brasileiro exige hoje, mais do que nunca, que instituições universitárias, como a Universidade de Brasília, se posicionem frente às distintas problemáticas da sociedade (1987, p. 88-89). Ao escrever para a revista Humanidades, Cristovam Buarque retrata os problemas que envolvem a universidade e a questão dos inimigos do ensino público. Para ele, nesse universo, constata-se a existência da universidade para os ricos, da universidade para o país e, entre as duas, dos inimigos da universidade. Buarque mostra, ainda, que diante de uma sociedade como a nossa, desejosa de transformação, sem, entretanto, ter bem claro a mudança que lhe convém, uma universidade do tipo corporativa ou financiada por empresas não satisfaz às premências do país. Nesse sentido, o final dos anos 1980 exigia uma universidade capaz de formular grandes e novas perguntas e não uma universidade limitada a pequenas respostas. Assim, o momento exigia liberdade de pensamento e, sobretudo, compromisso com os destinos do país, o que tornava imprescindível um ensino superior público e gratuito. Desse modo, Buarque enfatiza:

o grande desafio da universidade brasileira para os próximos anos não está em privatizar o ensino que é estatal, [...] está em tornar pública a universidade que hoje é apenas estatal, fazendo com que ela passe de sua condição de estatal-a-serviço- privado para estatal-a-serviço-do-público. [...] a universidade deve desenvolver

mecanismos para levar seu potencial educativo a toda a população [...]. Isto não quer dizer, porém, que a publicização da universidade estatal passa por um relaxamento nos critérios de ingresso. Ao lado de servir o público, o maior compromisso da universidade publica é servir com o máximo de qualidade. A universidade deve formar uma elite intelectual, que sirva não apenas à elite econômica (1987, p. 117).

Ao defender uma universidade que forme uma elite intelectual e não econômica, Cristovam Buarque, em editorial da revista Humanidades, nº 16, mostra que a universidade ainda é capaz de emergir das perplexidades do nosso tempo, oferecendo à sociedade o que ele denomina de massa crítica competente, com vontade de pensar e propor alternativas de identidade para o nosso país e para o Terceiro Mundo. Nesse mesmo trabalho, Buarque diz que a universidade precisa reinventar-se, libertar-se da ilusão de suas certezas e de seus dogmas, sem temer crises e nem lamentar a falta de apoio do governo. Assim,

em vez de reclamarmos contra os que criticam o ensino público, devemos compreender que ainda não conseguimos oferecer servir bem ao público. Em vez de reclamarmos da velha estrutura, devemos construir uma nova. [..] A universidade deve dizer não, enfim, a tudo que amplie interna e externamente um ambiente propício à radicalização e à desorientação da crise, do pessimismo e da autocomiseração(1988, p. 4).

Essa intenção levou Cristovam Buarque a pedir ao Ministro da Educação, Marco Maciel, o fim da vigência do Decreto 91.404, de 05/07/85, o qual disciplinava a contratação de novos professores para as universidades brasileiras (Ofs. FUB nº 529, de 07 de novembro de 1985, nº 031, de 20 de janeiro de 1986 e nº 100, de 20 de fevereiro de 1986). Buarque reforça a solicitação (OF. FUB nº 115-B, de 25 de fevereiro de 1986), junto ao Secretário-Geral Adjunto do Ministério da Educação, pedindo a contratação de 300 professores. No documento, Buarque diz que a UnB não pleiteia qualquer situação privilegiada, mesmo porque a universidade precisaria de 1.018 professores, para atender a 9.330 alunos da graduação e 679 da pós-graduação. Ao argumentar, Buarque observava que pretendia retirar a universidade da condição de ‘auleira’, para construir uma universidade onde pesquisa, leitura, debate e criação são elementos integrantes e indissociáveis do labor universitário.

O propósito de Cristovam Buarque era, desse modo, estimular debates e propostas que conduzissem a Universidade à redemocratização, apesar do peso dos anos de arbítrio.

Para isso, criou, como um dos instrumentos, o Boletim da UnB, uma espécie de diário informativo e opinativo, onde a comunidade acadêmica pudesse discutir a vida real da Universidade de Brasília.