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2.2 MEU DIÁLOGO COM PAUL RICOEUR: HERMENÊUTICA, NARRATIVA

2.2.2. HERMENÊUTICA DO RECONHECIMENTO

2.2.2.3 RECONHECIMENTO MÚTUO

2.2.2.3.1 A luta por reconhecimento

Honneth (2009) acredita ser importante forma de integração da vida social que perpassa pela via emotiva de direitos e orientação comum de valores. Ao fazer um entrecruzamento em Hegel e Mead o autor atribui três esferas de interação a padrões de diferentes de reconhecimento recíproco aos quais devem corresponder respectivamente. Do mesmo modo, possibilita considerar o desenvolvimento moral em formas distintas de autorrelação individual. Para essa proposta discursiva o autor entra concretamente nos temas: amor, direito e solidariedade.

Quanto à questão do amor não apenas no sentido restrito ao sentido romântico como sempre foi tratado, mas as relações amorosas entendidas desde as relações primárias constituintes das ligações emotivas entre poucas pessoas, seja na reação erótica entre dois parceiros, de amizade e de relações pai/filho, coincidindo aí o mesmo interesse que Hegel teve quando empregou em seus primeiros escritos o conceito de ‗amor mais do que o relacionamento sexual entre homem e mulher.

Com a contribuição da psicanálise o autor entra numa discussão voltada para o curso interativo da primeira infância, sendo a ligação afetiva com outras pessoas investida como um processo que depende da preservação recíproca, de uma tensão entre o autoabandono simbólico e a autoafirmação individual, cujo sentido nessa primeira relação subjaz ao padrão do ‗reconhecimento recíproco‘. O diálogo teórico do autor será estabelecido com os sucessores de Freud, mai especificamente com Winnicott por sua explicação em torno dos primeiros vínculos afetivos entre a criança e a mãe através da cooperação intersubjetiva identificada pelo psicanalista como ‗intersubjetividade primária‘. Portanto a questão crucial é perceber o processo de interação mãe-filho que alcança a separação do estado indiferenciado ser-um num processo gradativo que

culmina na conquista da autonomia de ambos ao aceitarem a separação e nessa ruptura inicial continuam a relação amorosa como pessoas independentes.

A próxima luta para o conhecimento apresentado por Honneth (2009) é na relação jurídica no que tange ao reconhecimento recíproco, que assim como o amor as esferas de interação só podem ser concebidas no processo de socialização. Para o direito sua discussão se estende aos escritos de Hegel e Mead percebendo uma semelhança no que pode ser considerado que:

(...)só podemos chegar a uma compreensão de nós mesmos com portadores de direito quando possuímos, inversamente, um saber sobre quais obrigações temos de observar em faze do respectivo outro: apenas da perspectiva normativa de um ‗outro generalizado‘, que já nos ensina a reconhecer os outros membros da coletividade como portadores de direitos, nós podemos nos entender também como pessoa de direito, nos sentido de que podemos estar seguros do cumprimento social de algumas de nossas pretensões. (HONNETH, 2009, p.179).

Entretanto o autor supracitado discorre sobre as duas linhas de pensamento considerando também suas diferenças17 compreendendo que a questão de direito recíproco trato pelas duas concepções, deixa questões em aberto quando é necessário responder à questão sobre o que pode significar aos sujeitos de modo que se reconheçam reciprocamente em sua imputabilidade moral. Para sua questão ser respondida, o autor parte para um estudo empírico, já que o direito moderno os direitos individuais se desligam das expectativas concretas dos papéis sociais, uma vez que os indivíduos entram em competição na esfera social em igual medida, como isso, já é dada indiretamente um novo caráter de reconhecimento jurídico. O autor conclui dizendo que:

17

A psicologia social de Mead mostra com seu conceito de outro generalizado, só se refere a uma ordem elementar de direitos e deveres cooperativos atribuindo ao reconhecimento jurídico somente um reduzido conteúdo normativo, pois o sujeito alcança aqui o reconhecimento individual de maneira intersubjetiva e sua qualidade de membro legítimo de uma organização social é definida pela divisão de trabalho. Desse modo o reconhecimento jurídico concede ao sujeito proteção social para sua dignidade humana. Por outro lado, Hegel determina a pessoa de direito quando ela se torna dependente historicamente das premissas dos princípios morais universalistas. O sistema jurídico precisa ser reconhecido como expressão dos interesses universalizáveis de todos os membros da sociedade, de modo que não admita mais exceções e privilégios. (HONNETH, 2009, p.181).

Um sujeito capaz de considerar, na experiência de reconhecimento jurídico, como pessoa que partilha com todos os outros membros de sua coletividade as propriedades que capacitam para a participação numa formação discursiva da vontade; e a possibilidade de se referir positivamente a si mesmo desse modo é o que podemos chamar de ‗autorrespeito‘ (HONNETH, 2009, p.197).

Para a terceira esfera de luta para o reconhecimento esse autor continua acompanhado de Hegel e Mead para distinguir a concepção de amor e relação jurídica com escritos diferenciados em torno do reconhecimento recíproco , mas coincidindo na definição de sua função:

Para poderem chegar a uma autorrelação infrangível, os sujeitos humanos precisam ainda, além da experiência de dedicação afetiva e o reconhecimento jurídico, de uma estima social que lhes permita referir-se positivamente a suas propriedades de capacidades concretas

(HONNETH, 2009, p.198).

Entra em pauta nessa questão o respeito social, nos quais os sujeitos encontram reconhecimento conforme o valor socialmente definido de suas propriedades concretas, ou seja, aquilo que são capazes de fazer e produzir. Nesse sentido o reconhecimento social entra para a esfera da estima social. Nesse sentido a estima social se aplica às características particulares dos sujeitos, o que são capazes de produzir enquanto propriedades particulares. Por outro lado, o direito moderno representa o médium de reconhecimento que expressa propriedades universais de sujeitos humanos de maneira diferenciadora, ou seja, as diferenças de propriedades entre sujeitos intersubjetivamente vinculantes (HONNETH, 2009).

Nesse aspecto as concepções dos objetivos éticos da sociedade são formuladas de forma articulada e de maneira hierárquica, de modo que se dá uma escala comportamentos de maior e menor valor e a reputação de uma pessoa é definida nos termos de honra social:

A eticidade convencional dessas coletividades permite estratificar verticalmente os campos das tarefas sociais de acordo com sua suposta contribuição para a realização dos valores centrais, de modo que lhes podem ser atribuídas formas específicas de conduta de vida, cuja observância faz com que o indivíduo alcance a ‗honra‘ apropriada a seu estamento (HONNETH, 2009, p. 201).

Nessa perspectiva a ‗honra esta ligada ao status social, cujas pessoas lutam para alcançar a honra articulada a reputação social capaz de cumprir socialmente expectativas coletivas de comportamento tipificado em um determinado grupo social. Portanto o seu ‗valor‘ é resultante da relação que tem quanto a sua contribuição coletiva para a realização da finalidade social. A estima se adquire pela medida de relação social atribuída pelo coletivo a seu estamento, em virtude da ordem de valores culturalmente dado. Com o passar das mudanças ocorridas no modo de conceber a esfera social o sentido de honra deixa de ser estabelecido antecipadamente pelas formas de propriedades coletivas, para dar lugar às capacidades biograficamente desenvolvidas do indivíduo ao que começa a se orientar a estima social direcionada para as realizações do indivíduo e com isso seu valor social. Desse modo o conceito de honra social vai alterando gradativamente até tornar-se o conceito de prestígio social. O que era antes ‗honroso‘ conferido ao modo coletivo ocupado socialmente é preenchido pouco a pouco pelas categorias de ‗reputação‘ ou ‗prestígio‘ que o indivíduo goza socialmente quanto as suas realizações e suas capacidades individuais (HONNETH, 2009).

Nesse novo modo de conceber o sentido de honra na esfera social, o valor do indivíduo pode ser reconhecido não só por sua realização individual, mas também ligado às propriedades coletivas de seu estamento, já que ele não pode sentir-se como sujeito individuado, pois carece de outros para garantir o destino de sua estima. Assim a autorrelação prática possibilita a experiência de reconhecimento dos indivíduos o alcance de um sentimento de orgulho de grupo ou de honra coletiva, cujo valor para a sociedade é reconhecido por todos os seus demais membros. Nesse entendimento de relação interativa entra o caráter de relações solidárias porque todo membro se sabe estimado por todos os outros na mesma media, como isso, o conceito de ‗solidariedade‘ se aplica às relações de grupo que se organizam na experiência em comum. Nesse sentido, sob essas novas condições, a experiência da estima social se une a uma confiança emotiva quanto às capacidades que são reconhecidas como ‗valiosas‘ pelos demais membros da sociedade. Não é por acaso que entram em moda alguns atributos linguísticos, tais como: ‗sentimento do próprio valor‘, de ‗autoestima‘, ‗autoconfiança‘ e ‗autorrespeito‘. Nesse sentido as condições da sociedade moderna atribuem à solidariedade ligada ao pressuposto de relações sociais de estima simétrica entre sujeitos individualizados (autônomos):

Estimar-se simetricamente nesse sentido significa considerar-se reciprocamente à luz de valores que fazem as capacidades e as propriedades do respectivo outro aparecer como significativas para a práxis comum. Relações dessa espécie podem se chamar ‗solidárias‘ porque elas não despertam somente a tolerância para com a particularidade individual da outra pessoa, mas também o interesse afetivo por essa particularidade: só na medida em que eu cuido ativamente de que suas propriedades, estranhas a mim, possam se desdobrar, os objetivos que nos são comuns passam a ser realisáveis (HONNETH, 2009, p. 210-211).

Com base nas reflexões de Honneth acerca das redes invisíveis em torno da luta pelo reconhecimento considerada como condição premente no jogo intersubjetivo nas relações humanas, foi fecundo para o estudo quando percebi fortemente presente nas discussões do Currículo de Pedagogia da UESB de Jequié, narrativa ancoradas no âmago das lutas por estabelecer fronteiras identitárias no sentido de serem reconhecidas pelo esforço empreendido dentro dos grupos, bem como, conflitos originados pelas incompatibilidades de interesses, levando com isso, distorções quanto ao real sentido das comissões para fazer o trabalho de mediação entre os interesses do grupo maior.