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A mídia e sua influência perante o tribunal do júri

3 MÍDIA E SUA INFLUÊNCIA NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO CONSELHO

3.2 A mídia e sua influência perante o tribunal do júri

Diante do que já foi exposto, é possível verificar que a mídia e sua influência se insere de duas maneiras diante do sistema do tribunal do júri: de modo indireto em um primeiro momento, através do chamado marketing do terror e, em segundo lugar, de modo direto, através da formação da opinião pública pré-concebida a respeito dos personagens do delito doloso perpetrado contra a vida.

Cabe, porém, primeiramente explicar que Marketing do Terror trata-se de uma expressão utilizada por Francisco Paulo de Melo Neto (2002, p 83-84) para sistematizar a divulgação pelos veículos de comunicação das barbáries terroristas após os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos da América, que em linhas gerais significa:

Em linhas gerais, sustenta o mencionado autor que terroristas se utilizam dos veículos de comunicação para introduzir no imaginário e consciência das pessoas, imagens de medo e pavor, produzindo, deste modo, ansiedade e insegurança. Relata ainda que tal processo se inicia com a revolta, passando pela surpresa, a consternação, pelo medo e por fim, pelo pânico e desejo de vingança.

Ainda para referido autor afirma ser a mídia a grande aliada do terrorismo:

O terror, com seus atos espetaculares, busca fascinar as pessoas com seus cenários fabricados de tragédia. Seus estrategistas conhecem muito bem o fascínio que exercem os episódios trágicos na mente das pessoas. Com isso, tem como certa a ampla cobertura dos atentados porque estes são a certeza de uma elevada audiência nos meios de comunicação. Ao assim procederem, os estrategistas de terror utilizam a mídia como seu principal aliado na difusão de suas ações. (MELO NETO, 2002, p. 107).

De forma análoga, dita expressão é perfeitamente cabível ao expressar a publicidade da violência em si, uma vez que o público diariamente é bombardeado por notícias de

programas pseudo informativos que se sustentam em retratar as mais variadas ações criminosas, vendendo a ideia de que todos e em qualquer lugar que se encontrem estão em perigo.

Semelhantemente, Victor Gomez Martin (2006, p. 23), ressalta que:

[...] a imprensa é responsável por elevar a dimensão das desgraças e da violência, haja vista que ao informar dramatizando notícias negativas, a todo tempo faz com que o destinatário tenha a impressão de que estas ocorrem com mais frequência que antes, visto que anteriormente somente tinha notícias este destinatário. O Marketing do Terror provoca a convivência com a iminência de riscos superiores à existência objetiva destes. Tudo isto causa a vulnerabilidade e se traduz uma pretensão social em se obter uma resposta através do Estado e do Direito Penal.

Não obstante o frenesi da mídia pela divulgação de um “furo” de imprensa, sem a possibilidade de qualquer controle de qualidade e veracidade da notícia, o caso toma maiores proporções quando o “furo” é relacionado a um crime bárbaro, que comove a sociedade e causa grande reprovação popular.

Neste ínterim, todos os jornais, canais televisivos e revistas somente trazem uma noticia, criam-se hipóteses, fazem reconstruções e mostram por inúmeras vezes, a possível causa da morte de diversos crimes, incluindo elementos, fotos e circunstancias nem sempre condizentes com a verdade. A notícia é anunciada para tudo e todos e, a imprensa por sua vez a informa, transforma e deforma como bem quer, em muitos casos, cometendo gravíssimas injustiças através de já elaboradas sentenças de condenação que pesam perante a opinião pública.

A cada novo caso policial ou judiciário, que tem em seu bojo os elementos básicos do sensacionalismo, a história se repete. Instala-se o que os autores americanos chamam de “frenesi da mídia”. Os órgãos de divulgação entram em histeria, em processo de concorrência feroz pelo “furo”, o que impossibilita qualquer controle de qualidade da veracidade das informações, em verdadeiro vale-tudo pela primazia da publicação de informação exclusiva, a qualquer preço. Passa-se a viver em clima de guerra, em que, como há tanto tempo já se sabe, a primeira vítima é a verdade. TUCCI (1999, p. 113).

Indubitável é que a pressão da mídia produz efeitos perante o juiz togado, o qual se sente pressionado pela ordem pública, por outro lado, de maior amplitude é este efeito sobre o júri popular que possui estreita relação com a opinião pública construída pela campanha midiática, é obvio, pois, que isto faz com que a independência do julgador se dissipe não podendo este realizar um julgamento livre por estar diante de uma verdadeira coação. “Levar um réu a julgamento no auge deu ma campanha de mídia é levá-lo a um linchamento, em que os ritos e fórmulas processuais são apenas a aparência da justiça, se encobrindo os mecanismos cruéis de uma execução sumária”. (TUCCI, 1999, p. 115).

Salutar descrever o caso em que utilizou-se o juiz ao sentenciar a ação penal que envolvia o desabamento do edifício Palace II, na qual o ora Réu Sérgio Naya teve um pré julgamento pela mídia. Na sentença proferida em primeira instância, o magistrado inseriu um trecho em que desmascarava o sensacionalismo de uma emissora televisiva, vejamos:

[...] quem folhear os diários e periódicos da época, ou pesquisar o noticiário transmitido pelo rádio e pela televisão, muitos deles anexados ao processo, perceberá que anteriormente, muito anteriormente, ao término do inquérito policial instaurou-se no País, principalmente no Rio de Janeiro, um autêntico trial by media. As supostas causas do desabamento eram francamente listadas e repetidas antes mesmo da conclusão dos exames periciais. Os culpados pela tragédia, antecipadamente mostrados e condenados pela mídia, eram submetidos à execração pública e expostos para linchamento pelos mais exaltados. Argamassa era exibida na televisão como se fosse concreto, reboco era esfarinhado entre os dedos em meio a gritos de que tinha sido utilizado como concreto, impurezas encontradas na massa eram apresentadas como causa da ruína do edifício.[...]

A divulgação do laudo foi falseada e distorcida. O Jornal Nacional, principal informativo da televisão, noticiou, de forma desleal – mais com seus espectadores do que com os envolvidos – as conclusões da prova técnica, fazendo crer que o laudo existia o que ali não se continha, que os peritos tinham concluído de uma forma quando na realidade suas conclusões eram outras. (sentença proferida nos autos da Ação Penal nº 98001.184167-8, da33ª Vara Criminal do Rio de Janeiro p. 61/62).

Verifica-se assim, que o Magistrado teve a capacidade de se desvencilhar da indução popular, não aceitando os argumentos produzidos pelos meios de comunicação, de modo a não se importar se poderia ser ou não considerado desonesto pela mídia. Ao contrário disto, não poderia esperar comportamento semelhante se tal caso fosse de competência do júri popular.

Fernando Luiz Ximenes Rocha (2003, p. 2-3) em sua obra “Mídia, processo penal e dignidade humana” enfatiza:

O poder da imprensa é arbitrário e seus danos irreparáveis. O desmentido nunca tem a força do mentido. Na Justiça, há pelo menos um código para dizer o que é crime; na imprensa não há norma nem para estabelecer o que é notícia, quanto mais ética. Mas a diferença é que no julgamento da imprensa as pessoas são culpadas até a prova em contrário.

Tem sido comum os meios de comunicação condenarem antecipadamente seres humanos, num verdadeiro linchamento, em total afronta aos princípios constitucionais da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, quando não lhes invadem, sem qualquer escrúpulo, a privacidade, ofendendo-lhes aos sagrados direitos à intimidade, à imagem e a honra, assegurados constitucionalmente. Aliás, essa prática odiosa tem ido muito além, pois é corriqueiro presenciarmos, ainda na fase da investigação criminal, quando sequer existe um processo penal instaurado, meros suspeitos a toda sorte de humilhação pelos órgãos de imprensa, notadamente nos programas sensacionalistas da televisão, violando escancaradamente, como registra Adauto Suannes, o constitucionalmente prometido respeito à dignidade da pessoa humana.

Não foram poucos os inocentes que se viram destruídos, vítimas desses atentados que provocam efeitos tão devastadores quanto irreversíveis sobrebens jurídicos pessoais atingidos.

Em outras palavras, cabe afirmar que a mídia tomou proporções de um quarto poder, comprometendo a independência funcional dos agentes públicos, prejudicando a busca pela verdade real, influenciando o veredicto do tribunal do júri e por fim, sacrificando a justiça.

E, se anteriormente havia uma imprensa buscando a influência dos operadores de direito em busca de justiça, hoje somente há, segundo Ana Elisa Liberatore (2008, p. 16-17), “meios de comunicação que pretendem substituir os próprios tribunais, esforçando-se para realizar, por seus próprios recursos, um julgamento virtual do caso concreto, de repercussão infinitamente superior à própria persecução penal”.

Com o objetivo de alcançar um maior grau de democracia, se atribui ao júri popular a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, todavia, o legislador constituinte faz com que o acusado acabe por se sujeitar ao veredicto de seus pares, que podem, em muitos casos, serem pessoas desprovidas de um conhecimento técnico-jurídico, ou seja, leigas no que se refere as matérias de direito, especificamente, direito penal.

Somado a isso, expõem-se um problema relativo a parcialidade dos jurados, que através de situações e experiências particulares vividas, e também por causa da forma que os veículos de comunicação vendem, por assim dizer, a violência, propagando na população, um verdadeiro caos, estes, quando membros do conselho de sentença, tendem a decidir favoráveis à condenação, pois motivados pela emoção e um sentimento de se fazer justiça a qualquer preço, ainda que as provas não sejam suficientes para embasar a decisão, ferindo o princípio do in dúbio pro réu, o princípio que assegura a decisão favorável ao acusado em caso da existência da dúvida.

Nesse sentido, Aury Lopes Junior (2004, p. 253) discorre:

Em se tratando de uma prática que atinge todas as pessoas, assim como o jurados, é muito possível que, de certa forma, um julgamento acabe atribuindo valor de prova a algo que sequer adentrou no processo,[...] não há dúvidas de que a exposição massiva dos fatos e atos processuais, os juízos paralelos e o filtro do cronista afetam o (in) consciente dos jurados, além de acarretarem intranquilidade e apreensão. Mesmo que se defenda o instituto do tribunal do júri, com o argumento que o mesmo privou-se de características políticas, é inegável que ao proferir-se um julgamento realizado pelo conselho de sentença, afasta-se um julgamento consubstanciado no texto legal, no conhecimento técnico e na razão, para dar-se lugar a um julgamento um tanto quanto, desvinculado com a prova.

Em mesma ótica, temos nos dizeres de José Frederico Marques (1997, p. 23):

Repele-se também o magistrado profissional, em favor do juiz leigo, sob a alegação de que aquele, afeito ao ofício de julgar, encara os casos criminais com maior rigidez e menos benignidade. Este argumento, porém, não está bem posto em suas premissas. O que em verdade se critica na justiça togada, não é a sua conduta inflexível, mas, em última análise, o seu repudio consciente à impunidade, que tão facilmente campeia nos tribunais populares.

Em razão do explicitado, é possível apontar como um dos principais problemas intrínsecos ao sistema, a soberania dos veredictos relacionando-a com a parcialidade do corpo de jurados.

Mergulhada na espiral da violência e manipulada pelos meios de comunicação social e pelos movimentos de lei e ordem, o ex ministro da justiça Márcio Thomaz Bastos (1999, p. 115) salienta que “a sociedade, atemorizada, em pânico, sem saber o que fazer, é induzida a não pensar nas raízes do problema, na possibilidade de enfrentá-lo em suas origens e simplesmente demandar mais repressão, novos tipos penais, mais prisão.

Ainda neste ínterim, o ex-ministro conclui sua opinião a respeito:

[...] se a pressão e a influência da mídia tendem a produzir efeitos sobre os juízes togados, muito maiores são esses efeitos sobre o júri popular, mais sintonizado com a opinião pública, de que deve ser a expressão. [...]. Com os jurados é pior: envolvidos pela opinião pública, construída massivamente por campanhas da mídia orquestradas e frenéticas, é difícil exigir deles conduta que não seguir a corrente. (BASTOS, 1999, p. 117).

Como estudado anteriormente, à época do império a constituição já preconizava que o poder judicial seria composto de juízes e jurados, dando a relevância do júri como um órgão do judiciário, e assim o consagrando como sendo garantia constitucional, ou seja, um direito de liberdade do indivíduo.

Com o fim de garantir dita liberdade, diversos foram os princípios que desenvolveram- se, dentre os quais: soberania dos veredictos e a competência do tribunal do júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida.

Tanto a Constituição Federal, quanto o Código Penal Brasileiro e Código de Processo Penal em vigor, tiveram o cuidado de garantir que a composição do corpo julgador formar-se de pessoas dotadas de grande credibilidade, ou seja, cidadãos maiores de dezoito anos, alfabetizados, em pleno discernimento mental e bem fisicamente além de estar em gozo com os seus direitos políticos e de notória idoneidade.

Dita proteção, se deu segundo Tucci (1999, p. 174):

[...] na tentativa de afastar a Parcialidade dos Jurados, presumindo-se que um cidadão maior de dezoito anos, alfabetizado, imputável, no gozo de seus direitos políticos, idôneo moralmente e sorteado através de uma lista, possui um perfil ideológico capaz de desconsiderar a influência que sofre no seu dia-a-dia por notícias trazidas pelos veículos de comunicação em que retratam a grande violência sofrida pela população; capaz de entender as normas técnicas jurídicas trazidas pelos profissionais de direito e, por fim, capaz de julgar o acusado de maneira imparcial. Percebe-se como grande último objetivo do tribunal do júri e por garantia constitucional do acusado, o direito deste, de ser julgado por seus pares de forma imparcial e benigna, porém, na maior parte das situações, embora o réu seja julgado pelos seus semelhantes, estes, não são iguais a ele e muito menos entendem o contexto socioeconômico em que vive e a situação que o levou a cometer o delito.

Neste sentido, Amarildo Alcino de Miranda (2007. P. 01) ensina:

Se for trazido para o campo prático da sessão do Tribunal do Júri, percebe-se que o corpo de jurados elimina da sua composição os excluídos socialmente, aquelas camadas de onde a maioria dos réus são provenientes, e nesta perspectiva cai por terra o princípio do julgamento pelos seus pares. Sabe-se que pares é sinônimo de

igualdade, e por consequência há a ideia falsa de igualdade social, pois a sociedade não é homogênea, existem diferenças sociais implícitas e explícitas. A sociedade é heterogênea, e, mesmo na composição social, os pertencentes às mesmas camadas possuem diferenças marcantes. Nesta óptica, opta-se pela sociedade que excluiu o réu, para a função, também, de decidir pela punição, demonstrando a duplicidade da sanção, exclusão e a penalização social.

Diante disto tem-se tão somente uma narração alegórica na qual o conjunto de elementos evoca outra realidade superior, pois que se torna quase impossível aferir se tais jurados foram capazes de “reconhecer suas limitações e perspectivas a cerca da realidade do réu, e que suas decisões na verdade seja o resultado de uma elaboração preestabelecida deste fato ocorrido.” (AMARILDO, 2007, p. 01).

Em derradeiro, interessante se faz, em última análise, enfatizar que a imprensa através da cobrança de ética da sociedade, legítima sua atuação, sob o argumento que é um espelho da realidade e esta é cruel, e em razão do frenesi pela notícia, divulga informações muitas vezes não verdadeiras, distorcidas e de forma abusiva,sem qualquer ética ou responsabilidade, influenciando de forma direta a opinião pública e o julgamento de delitos de competência do júri popular, nos quais o investigado sofre uma verdadeira execução sumária, sem qualquer chance de defesa.

Sendo assim, urge repensar o papel do tribunal do júri e da imprensa diante da globalização e da massificação das notícias, vez que é mister que não se esqueça, conforme alerta Márcio Thomaz Bastos, se referindo a Roger Pinto, que por sua vez foi citado por Evaristo de Moraes Filhos: “A liberdade criou a imprensa. E a imprensa não deve se transformar na madrasta da liberdade”.

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