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2.4. D O DIÁLOGO ENTRE C IÊNCIA E A RTE

2.5.2. E XEMPLOS MARCANTES

2.5.2.3. A Matemática e a Arte

A Matemática, enquanto Ciência que lida nomeadamente com padrões de quantidade e espaço, tendo por objecto de estudo as relações entre os números, as formas, as grandezas e as operações procura na Arte uma forma de representação, nomeadamente visual, para os conteúdos que pesquisa. Assume-se a proposta de definição apresentada na obra de referência “Lexicoteca Moderna Enciclopédia Universal”, que a apresenta como “a ciência que trata das grandezas e formas em geral,

por exemplo números, relações entre quantidades, conjuntos, operações, funções, etc. É a ciência que menos delimitado tem o seu campo de aplicação, até ao ponto que, entre os próprios matemáticos, não existe uma opinião unificada da definição de matemática” (Volume XII, p.267).

Uma das principais vias de representação que une a Matemática à imagem é a perspectiva e a geometria. Um dos aspectos peculiares que a perspectiva nos sugere é que quanto mais rigoroso for o respeito pelas regras matemáticas de projecção para criar uma forma ilusória convincente, mais nos apercebemos da estranheza desta perspectiva numa superfície bidimensional.

Um dos artistas mais representativos desta ligação da geometria com a arte foi Pieter Saenredam (1597-1655), pintor holandês do século XVII, cuja obra se focou sobretudo na representação de interiores de igrejas. Através das suas obras e estudos, transformou um tema aparentemente limitado, de representação de interiores, numa arte geométrica de contemplação. Através dos seus desenhos de estudo e notas relacionadas, que tomava nos esboços que realizava, in situ, verificamos os seus cálculos cuidados, projectando as distâncias para linhas que convergem para um ponto

de fuga10. Saenredam, enquanto pintor, estudou directamente os tratados matemáticos,

em colaboração com arquitectos, apresentando, pelas suas representações, conceitos matemáticos abstractos de perspectiva geométrica, estabelecendo uma importante via de diálogo entre Ciência e Arte. “Para Saenredam, era a geometria sensorial da luz que atravessava um espaço concebido matematicamente que permitia o início e fim da sua indagação para tentar revelar as maravilhas visuais de arquitectura criada para adoração religiosa.” (Kemp, 2000, p.35). A sua geometria calculada, em conjunto com os estudos de projecção de luz realizados matematicamente, antecipara as teorias de abstracção geométrica do século XX, nomeadamente as apresentadas pelo Neoplasticismo de Piet Mondrian e o Suprematismo Soviético, liderado por Kazimir Malevich.

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Ponto de fuga é “a perspectiva do ponto do infinito para onde convergem visualmente todas as rectas de uma dada direcção. Imagine-se, por exemplo, uma linha de caminhos-de-ferro múltipla: todos os carris, porque paralelos entre si, convergem num ponto do infinito cuja representação é o ponto de fuga” (Santa-Rita et al., 1995, p.22).

Figura 9 Pieter Saenredam, “Interior de S. Bavo”, 1648.

Outro importante registo é do artista holandês, Pieter Mondrian (1872-1944), que

desenvolve o seu trabalho baseado na arte abstracta. Fundador do Neoplasticismo11,

construiu um estilo e princípios artísticos próprios onde a pintura era levada aos limites de redução e minimalismo. “Uma nova estética baseada em puras relações de linhas e tons puros porque só as relações puras entre elementos construtivos puros podem conduzir à verdadeira beleza.” (Elgar, 1973, p.86). Nas suas composições, rejeita qualquer representação do mundo material, apresentando uma simplificação onde cada elemento se transforma numa complexa série de planos entrecruzados. O artista empregava um reduzido número de elementos básicos, quadrados e rectângulos encerrados em linhas horizontais e verticais pretas, limitando-se ao uso das cores preta e branca e às três cores primárias, criando contrastes pela justaposição desta ausência de cores. Foi através deste estudo de combinação que pintou as suas obras mais destacadas, entre elas as “Composição com Vermelho, Amarelo e Azul” (1921) e as composições numeradas (“Composição nº 10, 1942). Gradualmente, as linhas foram-se prolongando até ao limite do quadro, o número de rectângulos diminuiu e as cores primárias foram reduzidas a duas ou a uma. “A fim de a aprofundar ainda mais, de a condensar e reduzir à essência pura até ser finalmente capaz de descobrir essas proporções matemáticas

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Neoplasticismo refere-se ao movimento artístico de vanguarda liderado por Piet Mondrian, que defende uma total limpeza espacial para a pintura, reduzindo-a aos seus elementos mais básicos. A revista holandesa De Stijl (O Estilo) foi o veículo de divulgação destes conceitos na Arte, daí que o estilo seja também denominado por De Stijl.

ideais e o supremo equilíbrio (…) não hesitou em eliminar a cor e em não desenhar mais do que duas ou três linhas num fundo claro” (Elgar, 1973, p.210).

A criação de um universo geométrico sugere uma preocupação pela harmonia das formas e uma concepção matematicamente projectada. Assim, partilha a ideia, como Leonardo, de que a arte deveria ser sinónimo de beleza e movimento contínuo e infinito,

regendo-se para o efeito pelas regras do Rectângulo de Ouro12 constante nas suas

pinturas. Este exemplo comprova a estreita ligação entre Matemática e Arte, através da exploração e utilização de conceitos como proporção, perspectiva, simetria ou geometria.

Figura 10 Piet Mondrian, “Composição com Vermelho, Amarelo, Azul e Preto”, 1921.

Figura 11 Kasimir Malevich, “Branco sobre Branco”, 1918.

Da mesma forma, podemos observar esta estreita ligação no Suprematismo13

Soviético de Kasimir Malevich (1878-1935). Artista russo, desenvolve o seu trabalho acreditando numa redução dos elementos pictóricos levado ao extremo. A maioria dos seus quadros limita-se a formas geométricas de uma estreita gama de cores, onde o

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O “Rectângulo de Ouro” é um conceito matemático que marca forte presença no domínio das artes, nomeadamente na arquitectura e na pintura, e a relação entre o comprimento e a largura deste rectângulo é denominada por Razão de Ouro ou Proporção Áurea. Na arte renascentista a procura da perfeição da beleza foi bastante explorada com base nesta constante.

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Suprematismo refere-se ao movimento artístico surgido na Rússia, no início do Séc. XX, e que teve Kazimir Malevich como seu principal representante. Foi o primeiro movimento nas artes a reduzir a pintura à pura abstracção geométrica, defendendo a ideia de “uma arte autónoma, ou seja, que não tenha qualquer intenção de imitar o real e se concentra nas suas potencialidades, afirmando assim a supremacia da sensibilidade pura nas artes figurativas” (Ferrari, 2001, p.45).

objecto em si era insignificante. O artista pretendia uma representação não objectiva no qual os padrões são puramente abstractos e sem qualquer relação com a realidade. O auge do Suprematismo de Malevich foi a série “Branco sobre Branco” (1918).

Inicialmente influenciado pelo Cubismo14, que se baseava na natureza, o

movimento Suprematista que liderou construiu imagens que não tinham qualquer relação com a realidade, pois acreditava que o mundo exterior não tinha nenhuma utilidade para o artista, usando apenas o quadrado, o rectângulo, o círculo e o triangulo, sendo o quadrado o elemento artístico mais elementar, fundamental e puro de todos. Assistimos, neste exemplo, a uma complementaridade e influência recíproca entre a Matemática e a Arte, traçando uma proximidade entre estes dois campos de conhecimento.