• Nenhum resultado encontrado

No início do século XX, as ideias positivistas começam a ser postas em causa, levando à perspectiva de uma nova visão da Ciência que procura outros percursos para alcançar o conhecimento. Inicia-se uma reflexão sobre a superioridade disciplinar da Ciência e do papel que desempenha na educação. A verdade absoluta e universal da Ciência é criticada e posta em causa, originando uma revisão de princípios no seu interior, sendo de destacar o papel de eminentes filósofos como Popper, Bachelard ou Kuhn, ainda que com diferentes registos epistemológicos, em particular na dimensão internalista/externalista.

Face à situação contemporânea dos saberes, em que se observa uma crescente complexidade e autonomia das várias disciplinas, torna-se difícil manter distinções inflexíveis entre áreas de saber. Neste contexto, é inevitável uma transformação de ordem paradigmática, destacando “a emergência de (novos) elementos transversais às disciplinas e às práticas” (Caraça e Carrilho, 1984, p.89). Deve assim ser abandonada a organização segmentada e convencional dos saberes, definida pelo Positivismo através de uma classificação hierarquizada do conhecimento. A utopia do Positivismo, segundo o qual todos os saberes se desenvolvem em estrutura crescente de importância, é posta em causa face às dificuldades epistemológicas decorrentes da rigidez do modelo. Partindo da mudança paradigmática, defende-se agora uma articulação e abertura disciplinar dos saberes que vai permitir novas formas de conhecimento. “É este um dos efeitos mais decisivos da emergência do novo paradigma baseado na comunicação: a perda de importância senão mesmo de objecto, das concepções centralizadas arborescentes ou piramidais do conhecimento” (Caraça, 2001, p.129). É neste contexto que se insere e frutifica o diálogo entre Ciência e Arte.

Podemos considerar o Homem como um ser multidimensional, que é ao mesmo tempo um ser biológico, psíquico, social, racional. O conhecimento deve comportar esta realidade confrontando-se com o desafio da complexidade. A sociedade como um todo encontra-se inscrita em cada indivíduo enquanto parte integrante, quer na sua linguagem, nos seus costumes, normas, valores ou saberes. Podemos assim afirmar que para uma verdadeira compreensão do ser humano é imperativo conhecer a unidade e a diversidade humana.

É verdade que, a complexidade do universo e a multiplicidade dos fenómenos que nele ocorrem, bem como as limitações da mente humana, impuseram a necessidade de dividir a realidade em fragmentos para poder ser estudada. O ser humano apresenta

limitações que o impedem de compreender o todo da sua realidade, sendo necessário uma subdivisão do conhecimento. Esta segmentação foi acompanhada pela correspondente divisão e especialização das ciências. Esta multiplicidade deu assim origem a um conjunto de especialidades, possuindo cada uma delas o seu objecto de estudo e os seus métodos próprios. O resultado é uma fragmentação cada vez maior do campo do conhecimento. “Se olharmos hoje para a ciência, o que vemos são as ciências. Não vemos a floresta, vemos as árvores. Não vemos a árvore, vemos as folhas. Vemos as disciplinas, as subdisciplinas, as especialidades” (Pombo, 2006). Esta situação, que se observa desde o século XIX e atinge o seu desenvolvimento máximo no século XX (onde se assiste ao surgimento de inúmeras disciplinas) teve igualmente efeitos na Ciência contemporânea atingindo vários níveis, nomeadamente na sua estrutura organizacional e na sua dimensão cultural. A especialização, embora favorecendo a compreensão do objecto de estudo e sendo necessária à evolução do conhecimento, altera a sua própria natureza pois “as ciências especializadas deixam de ter o Mundo como seu objecto de estudo e investigação. Para as disciplinas particulares e para as especialidades, a própria ideia de Mundo deixa de ser útil” (Pombo, 2006).

Esta visão parece abandonar a ideia de unidade de Ciência, uma vez que quanto mais especializada, mais fragmentado se encontra o conhecimento, perdendo a sua visão globalizante. No entanto, não podemos falar na ausência de uma unidade na Ciência, uma vez que ela se encontra subjacente a toda a actividade científica, embora em constante tensão com a tendência para a especialização. Verificamos então que a Ciência contempla ambas as tendências, em que “embora a especialização seja mais fácil de ver, isso não significa que a tendência à unidade não esteja lá, como sempre esteve, a produzir silenciosamente os seus efeitos” (Pombo, 2006a). Pode mesmo afirmar-se que a “unidade da ciência coincide com a própria ideia de ciência” (Pombo, 2006), na medida em que sendo múltipla quanto à diversidade de objectos e métodos, é

una quanto ao sujeito que a concebe. Como refere Descartes5 “todas as ciências não são

mais que a sabedoria humana, que permanece sempre una e sempre a mesma, por mais que sejam os objectos aos quais ela se aplica”.

A emergência de novos tipos de combinações disciplinares que resultam da reorganização de saberes permite-nos ver a unidade da Ciência. O nascimento de disciplinas como a Geofísica, a Geoquímica, a Bioquímica, a Biofísica ou a Bioestatística, Astrofísica, entre muitas outras, constituem-se como exemplos de Ciências que surgiram a partir do cruzamento de saberes e da união de duas áreas. O progresso do

5

conhecimento científico é cada vez mais resultante das práticas interdisciplinares e a educação deve necessariamente proporcionar experiências de ensino que visem o cruzamento de saberes disciplinares.

O aparecimento de novas disciplinas surge da reorganização, tematização e aglomeração entre disciplinas já existentes, em que as fronteiras são quebradas levando a uma troca de conhecimentos e interacções, onde se verifica uma organização particular desses mesmos conhecimentos. Poderá entender-se uma disciplina como “um campo cognitivo que surge (sempre) a partir de outros campos cognitivos explícitos ou disciplinares, que se organiza definindo uma linguagem particular e que cresce aumentando a sua sofisticação” (Caraça, 2001, p.57) até ao momento em que se assiste ao aparecimento de subgrupos que agem como disciplinas autónomas e que iniciam uma evolução separada, com os seus próprios objectos de estudo e linguagens. “A necessidade de tratar questões de natureza interdisciplinar (…) vem das próprias questões e isso significa uma transformação do modo de estar no mundo, assinalando a vantagem de se congeminar uma nova visão, melhor adaptada à situação que vivemos” (Caraça, 2001, p.66).

Hoje é necessário uma perspectiva de articulação de saberes, uma nova forma de compreender a relação do Homem com o conhecimento. “Se, desde os gregos, o homem faz ciência é para, em última análise, compreender o mundo em que vive e compreender- se a si como habitante desse mundo. É também por essa razão que o homem faz filosofia, faz religião, faz literatura, faz arte. Ora, o que está em causa é, em todos os casos, a sua relação com um mesmo e único mundo. Um mundo que é um sistema coerente: as partes que o compõem não estão isoladas umas das outras(…). É também por isso que, para lá de as ciências, continua a fazer sentido falar de a Ciência” (Pombo, 2006).