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A Matriz Social: Constituições de 1934, 1937 e 1946 e a Gangorra da Democracia

No documento TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL (páginas 84-89)

Bloco III – História Constitucional Brasileira

Aula 14: A Matriz Social: Constituições de 1934, 1937 e 1946 e a Gangorra da Democracia

NOTA AO ALUNO A) INTRODUÇÃO

O período constitucional compreendido pelas Constituições de 1934, 1937 e 1946 pode ser analisado inicialmente como uma reação, em diversas etapas e com matizes diferentes, contra a Constituição de 1891. Nesta aula, estes três momentos constitucio- nais – 34, 37 e 46 – serão enfocados como expressões de um processo mais ou menos contínuo de “ajuste” das instituições jurídicas à realidade nacional.

Desde os anos 20 já se criticava o “idealismo” da Constituição de 1891 – garantias, direitos e palavras de ordem completamente desvinculados dos problemas e da estru- tura do país.10 O maior exemplo dessa inadequação se encontrava no exercício dos direitos políticos; o sistema eleitoral era completamente viciado, de modo a privilegiar apenas as oligarquias de certas regiões do país.

Contra a política do “café-com-leite” e o atraso que ela parecia representar para o país, a Constituição de 1934 procurou criar novas instituições políticas, judiciais, econômicas, culturais e educacionais, além de modernizar as já existen- tes. Nesse processo de modernização, foram criados, por exemplo: 1) a Justiça Eleitoral, para assegurar um processo político menos viciado e “reequilibrar o federalismo”;11 2) o Mandado de Segurança, apto a defender judicialmente di- reitos não protegidos pelo habeas corpus. Contudo, a principal inovação institu-

cional trazida pela Constituição de 1934 (e mantida na Constituição de 1937, deixando ainda ecos nas Cartas subseqüentes) foi a burocratização do aparelho estatal, com a criação de inúmeros Conselhos, entidades e órgãos técnicos para auxiliar a Administração Pública.

Além de modernizar nossas instituições, as cartas constitucionais de 1934 e 1937 representaram uma relativa adequação do Brasil à experiência jurídica mundial da épo- ca, inspirada pelo “sentido social de direito” colocado em pauta pelas Constituições de Weimar (1919) e do México (1917). Como exemplos desta nova pauta jurídica, podemos citar a inclusão no texto constitucional de:

t %JTQPTJUJWPTSFGFSFOUFTËPSEFNFDPOÙNJDBFTPDJBM FTQFDJBMNFOUFOPDBTPEB Constituição de 37);

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A Era Vargas é marcada pela oscilação entre democracia e ditadura. As Constituições do período refletem essa oscilação. No fundo, o próprio Getulio também as reflete. O fundamental, então, é ter em mente que a Constituição de 1988 e o atual ordenamento jurídico, mesmo sendo democráticos, incorporam diversas instituições criadas pelas constituições ditatoriais de 1937, como por exemplo, o IPHAN, a Justiça do Trabalho,

10 A expressão é de Oliveira

Vianna, em seu O Idealismo

da Constituição.

11 Conforme observa Mi-

guel Seabra Fagundes na série de palestras compi- ladas em Reforma Cons-

titucional (org. de Mario

Brockmann Machado e Ivan Vernon Gomes Torres Jr., Rio de Janeiro, 1997).

a Carteira de Trabalho etc. O desafio que se coloca hoje é como dar um novo sentido, um significado democrático a instituições que não o foram em sua origem.

B) O CASO

Em 30 de novembro de 1937, pouco tempo depois da promulgação da Constitui- ção de 1937 e da instauração do Estado Novo, Getulio Vargas editou o Decreto-Lei de n.25, com a seguinte redação:

Decreto Lei nº 25 de 30 de novembro de 193712

O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, decreta:

Art. 1º – Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens

móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

§ 1º – Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional depois de inscritos separada ou agrupada- mente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o

Art. 4º desta lei.

§ 2º – Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela Natureza ou agenciados pela indústria humana.

Art. 6º – O tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica

de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente.

Art. 7º – Proceder-se-á ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e

a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.

Art. 8º – Proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se recu-

sar a anuir à inscrição da coisa.

Art. 9º – O tombamento compulsório se fará de acordo com o seguinte processo:

1º) O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão compe- tente, notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, ou para, se o quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as razões de sua impugnação;

2º) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado, que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por simples despacho que proceda à inscrição da coisa no competente Livro do Tombo;

3º) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma, dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do

12 Editado para os fins da

tombamento, a fim de sustentá-la. Em seguida, independentemente de custas, será o processo remetido ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico Nacio- nal, que proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento. Dessa decisão não caberá recurso. (...)

Art. 17 – As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser destruídas, demo-

lidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio His- tórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinqüenta por cento do dano causado.

Art. 18 – Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto.

Desde 1937, essa lei tem sido aplicada regularmente para “tombar” bens móveis e imóveis vinculados “a fatos memoráveis da história do Brasil” ou possuidores de “ex- cepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”.

Entre os processos de tombamento iniciados com base no Decreto-Lei 25/1937, podemos citar o Corredor da Vitória (Salvador, Bahia).13 O Corredor é o trecho da Av. Sete de Setembro localizado logo após o Campo Grande, onde aquela avenida se estreita até atingir o Largo da igreja de N.S. da Vitória. Pediu-se o tombamento do bem com base no argumento de que o Corredor fornece a quem o percorre “uma idéia da espacialidade e ambiência primitivas ali reinantes” nas primeiras décadas do século XX. Contudo, a deteriorização e a especulação imobiliária no local, uma das áreas mais nobres de Salvador, estariam ameaçando a integridade deste conjunto arquitetô- nico que, segundo a regional do Sindicato Nacional dos Arquitetos da Bahia, possui um “incontestável interesse do ponto de vista histórico, cultural e social”.14 O motivo da deterioração: diversas pessoas e entidades privadas e estatais estariam construindo modernos nos fundos dos terrenos das antigas mansões do Corredor da Vitória, preju- dicando assim a “ambiência” do local.

Um outro imóvel tombado foi o famoso hotel Copacabana Palace. Contudo, dada

a permanente utilização comercial do imóvel, é freqüente haver tensões entre a neces- sidade de reformas e a proteção à integridade estética do prédio. Leia, por exemplo, o problema descrito na notícia abaixo:

Agência Estado (www.estadao.com.br), 07 de abril de 2000 Copacabana Palace cria polêmica

Rio de Janeiro – A construção de um anexo com dez andares e 162 apartamentos

de luxo no Copacabana Palace está mobilizando os moradores do bairro mais famoso do Rio. O plano da rede inglesa Orient Express, dona do hotel, é usar a área dos fundos, que dá para a Avenida Nossa Senhora de Copacabana, onde ficam o teatro, o antigo cassino e algumas lojas, hoje desativados. Os vizinhos alegam que, além de a área ser tombada, a infra-estrutura de trânsito, água e esgoto do bairro não suportaria o acrésci- mo de tantas unidades.

13 Processo n° 1.451-T-99

do IPHAN.

14 Ofício do SINARQ-BA

A direção do hotel alega que o projeto não significa desrespeito ao tombamento, que data de 1983, e serviria para revitalizar a área. A Orient Express já obteve a aprovação do Departamento Geral de Patrimônio Cultural do Município (DGPC) e do Instituto Estadual de Patrimônio Artístico e Cultural (Inepac). A rede entrou com pedido de au- torização da reforma no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) há duas semanas.

“É um plano a longo prazo, pois depende da aprovação do órgão federal e de finan- ciamentos”, avisa o diretor-superintendente do Copa, Phillip Carruters. “É evidente que, num projeto desse tipo, não se consulta a população em volta.”

A Sociedade de Amigos de Copacabana (SAC), dissidência da Associação de Mora- dores e Amigos do bairro (Amacopa), discorda. Esta semana, a entidade fez circular um abaixo-assinado nos 150 prédios das redondezas do hotel denunciando a aprovação do projeto, que, segundo o documento, “foi rejeitado por unanimidade duas vezes” pelo Inepac. “Apesar disso, o secretário estadual de Cultura, Adriano de Aquino, mudou os rumos do processo, aprovando a obra, alegando não ser interesse do Estado se opor”, critica o texto.

A Amacopa, que já foi a favor, está revendo sua posição. “Queremos revitalizar a área, mas vamos discutir o projeto em assembléia”, diz a presidente da associação, Myrian Barbosa. “Estamos preocupados com o desrespeito a uma lei anterior à compra do hotel e com a questão ambiental”, diz a subsíndica de um dos prédios situados atrás do estabelecimento, Taís de Mello. Ela pretende pedir ao superintendente do Iphan no Rio, José Pessoa, parecer sobre a obra. “Essa rede de hotéis usa imóveis históricos em todo o mundo, mas é a primeira vez que eles tentam mudar as características de um deles.”

Além dos níveis Federal e Estadual, o tombamento também pode ocorrer no âmbito do Município. Foi o caso do Quiosque Oxumaré, situado na orla do bairro da Barra

da Tijua, no Rio de Janeiro, nos termos da Lei 3263, de 23 de agosto de 2001:

Lei 3263, de 23 de agosto de 2001

Tomba, por interesse artístico-cultural e esportivo, o quiosque denominado Oxumaré, situado na Barra da Tijuca.

Art. 1º . Fica tombado por interesse artístico-cultural e esportivo, o local denomi-

nado Quiosque Oxumaré situado na orla marítima da Barra da Tijuca, na Avenida do Pepê 10-B.

(....)

Com base nesses casos de tombamento, reflita:

t 2VBJTQSJODÓQJPTDPOTUJUVDJPOBJTFTUÍPFNUFOTÍPOPTDBTPTBDJNB t 2VBMWPDÐBDSFEJUBRVFEFWFSJBQSFWBMFDFSFNDBEBVNEPTDBTPT

t &TTF DPOnJUP FTUBWB QSFTFOUF OPT EJTQPTJUJWPT EBT DPOTUJUVJÎÜFT EF  F EF 1891? O texto dessas Cartas Constitucionais nos dá alguma pista de como solu- cioná-lo? Dê exemplos.

t "SFHVMBNFOUBÎÍPEPJOTUJUVUPEPUPNCBNFOUPEP%JSFJUPCSBTJMFJSPÏDPOTUJUV- cional?

C) MATERIAL DE APOIO c1) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

CHACON, Vamireh. “Constituição de 1937”. Verbete do Dicionário Histórico- Biográfico Brasileiro: Pós 1930.

FILHO, Alberto Venâncio. “Constituição de 1934”. Verbete do Dicionário Histó- rico-Biográfico Brasileiro: Pós 1930. (editado)

BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. “A Constituição de 1946”, in Histó- ria Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. Apenas páginas 409-417!

II) ACESSÓRIOS

BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes. História Constitucional do Brasil.

MORAIS, Fernando. Olga.

BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas nor- mas.

MACHADO, Mario Brockmann (org.). Reforma Constitucional.

COHEN, Adam. What’s New in the Legal World? A Growing Campaign to Undo the New deal. Publicado no The New York Times em 14/12/04.

Verbete do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro: Pós 1930 sobre “Constituição

de 1934”.

c2) Questões de Concursos

171º Concurso – Magistratura Estadual/ 1998 – SP

Conceitue o princípio do juiz natural. A criação de varas especializadas para julgar determinadas matérias fere tal princípio?

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