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A mediação leitora – o envolvimento na leitura

Capítulo 1 – A literatura na educação pré-escolar

1.3 A mediação leitora – o envolvimento na leitura

Quando a mãe pega no bebé e lhe canta uma canção de embalar ele acalma, aconchega-se, tranquiliza-se, ouve a música, o som e o ritmo das palavras cantadas, escuta com prazer. Não é a letra que o embala. Mais tarde acontece o mesmo com a leitura. Desde muito cedo que a leitura é uma actividade partilhada, social, lê-se com os outros e para os outros, os pais para os filhos, as avós para os netos, o educador para as crianças. E todos gostam destes momentos, a proximidade, o envolvimento, a voz, o ambiente acolhedor, a sintonia que se cria, são os elementos fundamentais para o gosto, o fascínio, o impacto que ouvir ler provoca nestes pequenos leitores. A criança fica presa às coisas maravilhosas que moram nos livros. Não são as letras, as sílabas, as palavras, que a envolvem, mas a história, e as boas sensações que lhe transmitem. Gostam da leitura, querem que lhes leiam, pedem para repetir, colaboram, participam, e vivem com muito entusiasmo e satisfação as actividades de leitura. Neste contexto, formam-se pequenos leitores envolvidos. Mais tarde, totalmente rendida ao fascínio de ouvir ler, volta-se para as letras, sílabas, palavras, num desejo de decifrá-las e compreendê-las, pois reconhece-as como os códigos que lhe permite o acesso total e pessoal às coisas maravilhosas que sabe encontrar nos livros. É a procura da autonomia: ser capaz de desfrutar do prazer da leitura sem precisar da mediação da voz de alguém.

Mas este percurso de leitura nem sempre tem continuidade. Muitos destes pequenos leitores envolvidos perdem-se. Também se perdem ou diminuem substancialmente estas actividades de leitura partilhada, talvez por já saberem ler, talvez por serem substituídas por actividades de leitura solitária, talvez por agora a leitura em voz alta dar lugar ao treino da leitura ou à avaliação da capacidade de saber ler (Mata, 2009, p. 38).

Esta atitude em relação à leitura encontra adeptos também na família. Se até ao momento de entrar para a escola os pais de uma maneira geral, liam para os filhos antes de adormecer, agora com o objectivo de desenvolver as capacidades de leitura pretendem que as crianças passem a ler os seus livros sozinhos, sem se interrogarem se já dominam bem a leitura ou se sentem dificuldades quando tentam ler um livro, se gostam, sentem satisfação e se continuam a considerar a leitura como uma actividade agradável. Se muitas vezes esta passagem da leitura partilhada à solitária é feita sem grandes contratempos, noutros casos, torna-se um processo bastante difícil para as crianças, comprometendo muitas vezes o seu futuro enquanto leitores envolvidos. Se a criança sente dificuldades pode considerar que é falta de competência da sua parte, se não for dissuadido nem ajudado, pode levar a atitudes que implicam evitar a leitura. Essa atitude negativa face à leitura fará com que mude a sua visão anterior de leitura como actividade agradável de prazer e satisfação. Leitura passa a estar associada a factores externos como: agradar a alguém, cumprir uma tarefa, ter boa nota, evitar castigos etc. E assim se perdem muitos e verdadeiros leitores e futuros leitores.

O gosto, o interesse, a fluência e o prazer na leitura adquirem-se com o trabalho e apoio conjunto, contínuo, diversificado, insistente, seguro e positivo em ambientes lúdicos, estimulantes e afectivos, onde as relações sociais são agradáveis, feitas de partilha, troca de saberes, ideias e gostos, onde cada um dá o seu contributo de acordo com as suas características sem competição, nem embaraços e onde os livros dão resposta de qualidade à curiosidade e interesse das crianças.

Também não é uniformizando, generalizando e impondo tarefas de leitura que se conseguem bons hábitos e se cria nas crianças o gosto e o envolvimento pela leitura. Maria José Vitorino diz-nos que «Aprender a ler, a ser leitor, é caminho de muito ruminar», formar leitores para ler o mundo é actuar para que no futuro os leitores, e o mundo, se transformem e se reescrevam. Para isso devem imitar os bois: na ruminação, lendo com vagar, com os olhos, o coração e o pensamento (2009, p.76). Rui Veloso e Leonor Riscado também partilham desta opinião ao afirmarem que «a Literatura Infantil, bebida desde o nascimento em doses sabiamente ministradas, gera uma saudável dependência...» (2002, p. 29).

Entretanto, para Luísa Ducla Soares formar leitores implica uma série de ingredientes que só ou em conjunto sejam capazes de despertar a curiosidade, o interesse e o amor pela palavra escrita. É em casa, através do convívio que se cultiva

esse primeiro contacto de familiaridade com o livro, com base na afectividade e na imitação (2002, p.58). António Torrado reforça esta ideia «O educador familiar proporciona à criança não os rudimentos da vida mas a carta de condução para a vida toda» (2002, p. 58). Depois a escola deverá funcionar como um viveiro de leitores, a rampa de lançamento para explorações múltiplas, o espaço de aliciamento de leitores onde através do livro como companheiro da fala, de brinquedo, de jogo ou como tema de diálogo adulto/ criança surja naturalmente, tão naturalmente como outro convite sedutor. «Quando soar o tempo da aprendizagem e as palavras soltas, ouvidas, conhecidas, reconhecidas, se fixarem ao papel das páginas, já não será grande o espanto. [...] que se aprenda a ler. Sem transcendências. Como uma dimensão mais, a acrescentar a outras, identicamente apreciáveis» (Torrado, 2002, p. 36).

A receita não é complicada, no entanto, bastante trabalhosa e exigente. Formar leitores como percurso, implica uma reflexão constante e atenta em torno das atitudes que constituem o quotidiano. Se o adulto pretende formar leitores é fundamental que o seja, só saberemos falar do prazer e do gosto de ler se os sentirmos. Formar leitores é acima de tudo «uma empresa de fôlego que exige rigor, perseverança, entusiasmo e saber. Muito saber» (Sousa, 2008, p.56). O saber do conhecimento feito, que leva à investigação e actualização, que conduz à reflexão, ao questionamento, à procura de soluções diferenciadas, que leva à tomada de decisões sustentadas e esclarecidas, baseado na aposta continua na sua formação de leitor, conhecendo, reflectindo e analisando os textos que a sociedade produz.

Outro factor determinante na conquista de leitores é a qualidade do acervo bibliográfico que disponibilizamos. Para isso é preciso investir numa formação ininterrupta, procurando conhecer o que é produzido na área da literatura infantil, ser capaz de reflectir e analisar a qualidade literária dessas produções, enquanto objecto estético que pode ser entendido, interpretado, contemplado, expandindo os limites do leitor ao abrir-lhe as portas da compreensão e apreensão do mundo, de modo a que encontrem resposta aos seus desejos, dúvidas e inquietações, proporcionando ao mesmo tempo prazer. A necessidade de promover a leitura junto das crianças é uma preocupação crescente e são cada vez mais frequentes as publicações destinadas aos mais novos, onde a leitura é alvo de tratamento literário e artístico num processo de repetição exploratória favorecendo determinadas práticas, comportamentos e hábitos.

Outro espaço de envolvimento é a biblioteca, nas suas várias vertentes. Biblioteca como espaço específico, aprazível morada da leitura impressa. A biblioteca de turma oferece grandes possibilidades na conquista de leitores. Por ser um espaço mais íntimo, os seus livros circulam num circuito reduzido, o que permite o comentário e o conselho entre colegas e entre estes e o professor. O facto de ser uma biblioteca mais circunscrita permite ao professor ter um conhecimento completo e directo dos livros, podendo assim comprovar o sucesso ou insucesso, as preferências e o interesse despertado pelos livros que a compõem, actuando de um modo directo, diário e eficaz na sua função de mediador e animador de leitura. Por outro lado aprimora o conhecimento dos interesses, curiosidade e necessidades da turma podendo o professor corresponder às suas expectativas, com a selecção de livros que vão de encontro aos seus gostos ou inquietações.

É na biblioteca de turma que o livro mostra mais abertamente a sua vertente lúdica, onde se podem criar situações propiciadoras de contactos variados, onde a turma estabelece laços de amizade, afecto com o livro, onde tem os melhores momentos de intimidade e cumplicidade com o livro, só, acompanhado ou em grupo, onde o livro está mais próximo da turma e a turma do livro. Por ser um espaço da turma, com regras estabelecidas pela turma e da responsabilidade de todos, onde todos têm um papel interventivo, activo e dinamizador, a biblioteca de turma é um espaço onde se está sempre que desejamos, onde podemos realizar animação de forma permanente, diária, sem quase nos apercebermos.

A biblioteca escolar complementará e cooperará neste envolvimento e gosto criado pela biblioteca de turma, porque é o espaço onde se vai, onde a animação é esporádica, pois em termos práticos nem sempre podemos usufruir dela. Neste caso a biblioteca escolar contribuirá para aprofundar essa sedução que a biblioteca de turma criou, pois ir à biblioteca para quem gosta de livros é sempre uma festa. A biblioteca pública é, sobretudo, um espaço fundamental para fazer da leitura um hábito, uma rotina de prazer para e com a família, enquanto espaço aprazível de promoção da leitura um espaço de encontro, partilha e afectividade. Possui também outro aliciante para a criança leitor, o cartão de leitor que funciona como o reconhecimento de um novo estatuto e de uma nova responsabilidade, o de leitor credenciado, motivo de orgulho e desafio para todas as crianças que fazem da leitura um prazer.

Capítulo 2