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Capítulo 3 – O livro ilustrado e o desenho infantil: formas de comunicar

3.1 O livro ilustrado

Nos dias de hoje, o termo ilustração cede muitas vezes o lugar a expressões como palavra/ imagem, texto intersemiótico e outras designações, que desvanecem a distância das relações entre código visual e verbal (cf. Silva-Díaz, 2006). Apesar da diversidade de livros para crianças a que chamamos álbuns e da dificuldade em classificá-los, permanecem traços comuns neste tipo de literatura: a preponderância da imagem na maioria das páginas e a confluência de dois códigos, o verbal e o visual.

Muitos dos estudos sobre o álbum consistem em tentar classificar e fixar as distintas formas de relação entre o texto escrito e texto visual. Se por um lado estas classificações podem ser úteis para exemplificar o tipo de relações que se produzem em algumas páginas de álbuns concretos ou para clarificar o tipo de competências que

pedem ao leitor as diferentes formas de relação texto-imagem, por outro, com estas classificações rígidas torna-se difícil registar a complexidade daquilo que ocorre durante a leitura no momento em que os códigos se inter-relacionam para produzir os significados, pois no álbum os dois códigos coexistem numa interacção entre a palavra, a imagem e o leitor, o que nem sempre se pode reduzir a uma fórmula fixa. Quando lemos vamos fazendo ajustes: entre o que querem dizer as imagens e o que afirmam as palavras, ou o que querem dizer as palavras de acordo com as ilustrações; esta oscilação de ajustes e reajustes é permanente e única em cada leitura.

Seguindo de perto os comentários de Silva-Díaz (2006), podemos referir que no caso dos álbuns, o “texto” é composto por palavras e por imagens que actuam em combinação de forma sinérgica. Cada um dos códigos que constituem o “texto” possuem meios e recursos expressivos próprios para representar e se expressar, assim, o texto escrito utiliza recursos fonéticos, métricos e sintácticos para criar significados, o texto visual serve-se da linha, da cor e da perspectiva para criar representações que utilizam ou rompem com determinadas convenções iconográficas. Uma das características dos bons álbuns infantis está no facto de texto e imagem repartirem a tarefa de contar e manterem-se a salvo dos perigos da redundância. Podemos identificar duas grandes funções da imagem no álbum: a função de criar o mundo ficcional proporcionando alguns dos elementos que formam parte da narração (o ambiente, as personagens, os pontos de vista) e a função narrativa da imagem, as acções ou ainda através do uso de alguns recursos como caixas de diálogo, balões de pensamento, que também podem mostrar alguns processos verbais ou mentais.

Considera-se o texto escrito como uma forma progressiva e temporal, ou seja, narrativa; e a imagem como uma forma simultânea e espacial, ou seja, descritiva. No álbum estamos perante um encadeamento de imagens às quais chamamos ilustrações. A ilustração introduz a temporalidade, através de uma sequência de imagens que se sucedem num tempo que inclui o de passar a folha, assim como o traço e outros recursos mais também reflectem esse passar do tempo. Pelo facto de haver uma relação entre texto escrito e ilustrações, o escrito deixa de ser uma arte temporal e a ilustração deixa de ser uma arte espacial, o que se verifica é que os espaços visuais representados nas ilustrações implicam tempo e as sequências temporais descritas nas palavras implicam espaço. Podemos pois considerar que a ilustração no álbum é uma arte multimodal (Silva-Díaz, 2006, p.26).

Outro dos aspectos distintivos de um bom álbum infantil é a coerência que a imagem consegue dar ao mundo ficcional, através da sequência dos elementos e da apresentação de um mundo dotado de lógica própria e iconografia. Nas narrativas criadas através do texto escrito e imagens, estas são muito eficazes na apresentação do mundo ficcional pois permitem-nos perceber o ambiente, identificar as personagens, identificar emoções e sentimentos, perceber o evoluir de uma acção, identificar o registo da narração. Também a cor e a luz têm grande importância nos álbuns ilustrados, cores quentes que provocam um impulso da atenção, cores frias que provocam uma menor atenção, contrastes que reforçam a alegria e o bom humor, tonalidades que proporcionam o prazer do jogo visual e despertam a curiosidade, ou ainda aligeiram o tratamento de temas mais difíceis de abordar.

Segundo Ana Margarida Ramos (2007), progressivamente vai surgindo um crescimento da componente imagética sobretudo nas publicações destinadas ao público infantil, ocupando vários espaços do livro. Há uma valorização de outras componentes ilustrativas como a capa e o jogo que estabelece, com frequência, com a contracapa, o aumento de ilustrações de dupla página ou de segmentos de imagem que ocupam várias páginas de um livro, ou ainda o crescimento da ilustração pelas guardas e lombada. Este expandir da ilustração reflecte-se na forma como o livro é lido e no facto destes elementos paratextuais incluírem informação importante para a construção dos significados do texto. A ilustração não se esgota nas imagens que acompanham o texto, mas estende-se, progressivamente, a todos os elementos que constituem o livro, exigindo uma nova postura perante o livro, necessita de ser lido e observado da capa à contracapa, como um todo (cf. Ramos, 2007). Além disso, as ilustrações apostam na componente lúdica jogando com o texto e promovendo o diálogo com ele. A união de elementos pictóricos à matéria verbal tem vindo a intensificar-se à medida que as técnicas de edição e de reprodução evoluem, abrindo caminho à inovação e experimentação.

A ilustração recria o texto na sua linguagem própria, recorrendo a elementos como o ponto, a linha, o contorno, a luz ou tonalidade, a cor, a textura, a dimensão ou perspectiva, a escala, o movimento a composição, a natureza dos materiais, a reutilização de artefactos em novas composições e diferentes funcionalidades, propondo olhares inovadores sobre os objectos e sobre a realidade. Marca de forma decisiva o encontro precoce da criança com as artes plásticas, esta sendo exposta a diferentes

linguagens estéticas, mesmo sem saber ler, pelas formas, cores, materiais e texturas utilizadas, é capaz de exprimir preferências e justificá-las. Esta exposição cria na criança novos conhecimentos e novas capacidades, que ela vai aplicar quando, por sua vez, é também chamada a intervir através do desenho, aspectos patentes nos trabalhos realizados pelo grupo de alunos com o qual trabalhámos.