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1.1 O Problema da Razão Transcendental kantiana

1.1.2 A metafísica do conhecimento na operação da razão teórica

Assentada no pressuposto do entendimento como faculdade a priori (ou no apriorismo formal), a constituição do sistema das categorias será pensada, de um lado, a partir da figura do juízo, como perfazendo o conjunto do conhecimento teórico puro, ao reunir as funções de unidade representadas como decisivas para o pensamento e para conhecimento possível.

Entretanto, aqui surge a seguinte questão: de onde advém a originariedade da tábua dos juízos para estabelecer o juízo como fio- condutor da tábua das categorias do entendimento, se se admite que todas as ações do entendimento brotam, são abrangidas e determinados tout court como juízos? – isto é, repousam numa faculdade teórica?52

Intervém aqui, para reforço da argumentação mas enfraquecimento de pressuposição formalista, o looping kantiano na definição da consciência teórica (Eu penso), em que a faculdade do entendimento

52 Segundo Tonelli (L’origine della Tavola dei Giudizi e del Problema della Deduzione delle categorie in Kant, p. 8), a preocupação fundamental de Kant fora sempre a de evitar a confusão

mais ou menos involuntária entre Lógica e Metafísica, que fizera com que seus antecessores tivessem ficado sob uma sombra ontológica. Nesse sentido os predecessores de Kant soçobraram na distinção entre o “necessário” e o “possível”. Desse modo, no vínculo à realidade da tábua dos juízos, em conjunção com a apresentação das tábua das categorias, procura tornar explicita a necessidade das categorias e formas puras da intuição (espaço e tempo) de fundar-se, de fato, transcendentalmente. Mas, segundo Tonelli, enquanto um dos problemas mais intrigantes e discutidos da Kant-Forschung, o problema acerca da formação da tábua dos juízos e das categorias se ocupa com o debate da compilação e validação da tábua dos juízos e das categorias, ou seja, não se trata de um debate acerca da formação originária dos princípios do juízo e das categorias, de forma originária, por parte de Kant. Para um debate aprofundado dessas questões, cfe. Tonelli, G. Die Voraussetzungen zur kantischen Urteilstafel in der Logik des 18. Jahrhunderts. In: Kritik und

(como pressuposto metafísico) tem sua raiz e advém da mesma origem que o princípio da consciência.

Segundo Kant, a apercepção transcendental

é o ponto mais elevado a que se tem de suspender todo o uso do entendimento, toda a própria lógica e, de acordo com esta, a filosofia transcendental; esta faculdade é o próprio entendimento53.

Na dupla tarefa do conceito teórico Eu penso de ser “ponto mais elevado” (“a que se tem de suspender (..) a própria lógica”) e faculdade do “entendimento”(Verstand), é requerido aqui, subrepticiamente, que seja reforçada a tese subsidiária da unificação da faculdade do entendimento e princípio da consciência, a custear essa união pela reiteração de um pressuposto meramente teórico54, assentado no princípio da consciência teórica mesma, como de uma síntese ou identidade conservada de maneira meramente analítica, sobre a qual “assenta (..) a própria possibilidade do entendimento”55.

53 Kritik der reinen Vernunft § 16 B 134 (nota). (grifo do autor).

54 Como observou Wiehl, R. (Die innere ZweckmäΒigkeit der Lebenserfahrung – Betrachtung zu Hegels Phänomenologie der Beobachtung, p.21-55), uma singular transformação dos conceitos de

“experiência” e de “razão” ocorreu e foi trazida pela modernidade, segundo a qual eles não deveriam existir apenas na função da repetida produção da fundamentação, mas contribuir também, na sua ligação com a “experiência”, com o descobrimento de novas objetualidades. Nesse sentido, a transformação dos conceitos de “razão” e “experiência” – na separação da Experiência, em Ciência da “Razão Universal” – sinaliza a “relação” de razão e experiência como a totalidade concreta, objetiva, que está em jogo no interior do contexto dado da experiência. Assim, a tomada de posição teórica pode partir de uma perspectiva ampliada, na qual a ciência da Razão universal não se mostraria em nada diferente de uma ciência abarcadora da experiência humana, evidenciando que só através da Razão a Experiência obtém sua permanente autonomia, ao mesmo tempo em que assume a crítica de si mesma e a crítica da “razão” pura.

55 Kritik der reinen Vernunft, B 137. De fato, a limitação da razão teórica torna-se evidente quando

ela tem de lidar com aspectos reais contrastantes, que constituem-se comumente na origem dos próprios objetos. Entretanto, na medida em que tais objetos são caracterizados, para Kant, como objetos da razão (Vernunft), o entendimento perde aqui sua primazia. Na medida em que a operação do entendimento na Filosofia é distinto da sua operação na Matemática, essa distinção

O próprio texto kantiano assinala o contra-senso de uma síntese fundamental da consciência teórica, como identidade, conservada analiticamente, ao dizer:

Este princípio da unidade necessária da apercepção é, na verdade, em si mesmo idêntico; por conseguinte uma proposição analítica, mas declara como necessária uma síntese do diverso dado na intuição, síntese sem a qual essa identidade completa da autoconsciência não pode ser pensada56.

O princípio da unidade originária sintética da apercepção, como “o primeiro conhecimento puro do entendimento”, e como “totalmente independente de todas as condições da intuição sensível”, todavia, enquanto “unidade, que precede a priori todos os conceitos de ligação”57,

foi sim buscado “mais alto”58, como pretendia Kant, mas não o suficiente para evitar a inconsistência de, partindo de uma fundação do conhecimento (fundação dos juízos sintético a priori) instanciada metafisicamente no apoio das ciências, considerar a relevância do a priori do conhecimento a partir da cisão como fonte da síntese fundamental, em que é excluída a demonstração do fundamento geral da razão para princípio de toda teoria fundada transcendentalmente.

Por isso, o que retornará doravante é a reiteração de variações do mesmo primeiro looping kantiano, apesar de Kant constatar que aqui, diz, “facilmente nos apercebemos de que esse ato [do entendimento ou

vale como substancial para enfatizar os limites da fundamentação dos juízos sintéticos a priori, fundada no fato de que são possíveis as ciências da Física e da Matemática.

56 Kritik der reinen Vernunft, B 135. 57 Kritik der reinen Vernunft, § 15, B 131.

consciência] deverá ser igualmente válido para toda a ligação e que a decomposição em elementos (a análise), que parece ser o seu contrário, sempre afinal a pressupõe”59, ou seja, deve ser a unidade mais alta, como fundamento “da unidade dos conceitos diversos nos juízos e (...) da possibilidade do entendimento, mesmo no seu uso lógico”60, o princípio da consciência Eu penso como unidade idêntica e analítica.

A reiteração dessa relação reincidente entre princípio da consciência61 e faculdade do entendimento nos coloca e descortina aqui para nós, no fundo, a obscura relação62 expressa e mantida por Kant

entre o princípio da consciência (Eu penso)63 e a imaginação transcendental64.

58 Kritik der reinen Vernunft, § 15, B 131. 59 Kritik der reinen Vernunft, § 15, B 131. 60 Kritik der reinen Vernunft, § 15, B 131.

61 Segundo Baumanns, P.(Transzendentale Deduktion der Kategorien bei Kant und Fichte, p. 44) a

autoconsciência pura não seria aqui “pura no sentido a se compreender uma autoconsciência

simples, na distinção ou abstração da consciência do mundo”; antes o representar desta

consciência seria um representar como “representando algo”, diferentemente de Fichte, Schelling e Hegel, que terão em vista nela a identidade sujeito-objeto.

62 Segundo Tonelli, G (L’origine della Tavola dei Giudizi e del Problema della Deduzione delle categorie in Kant), do ponto de vista da imputação feita ao juízo (função de unidade), e não à

razão (Vernunft), como autor do vínculo entre consciência e realidade objetiva, é justo considerar nisso a posição kantiana como assentada num propósito mais realista empírico que transcendental. Nesse contexto, o problema da dissociação (ou oposição) entre ambas é antecipado por uma estratégia própria de proteção da impossibilidade de definição das categorias, sem esquemas transcendentais (da imaginação), legitimando uma separação pura interior ao exercício das faculdades. Mas, nesse sentido, o juízo como figura teórica(função de unidade) apareceria nessa relação, como dirá Hegel (Glauben und Wissen, p.307), como “apenas o fenômeno prevalecente

da diferença”, ou seja, não “o racional ou (...) a identidade absoluta como conceito central”.

Assim, posta como exigência de que essa identidade tivesse de ser “apenas a cópula: [ela] é um

não-consciente (Bewusstloses)” e “o racional ou, como diz Kant, o apriorístico deste juízo, a identidade absoluta como conceito central não se apresenta, porém, no juízo, mas na conclusão”.

Nesse sentido, entretanto, a cópula já “não [será] algo pensado, reconhecido, mas exprime

principalmente o não-ser-reconhecido (Nichterkanntsein) do racional; o que vem à superfície e está na consciência é apenas o produto: sujeito e predicado como membros da oposição; e apenas eles estão postos na forma do juízo, não o seu ser-uno (Einsein) como objeto (Gegenstand) do pensar”.

63 Não é na forma de uma resistência que deveria se encontrar a relação entre autoconsciência

Num tipo de tarefa paradoxal e limitada, a implementação de uma mera crítica65 da razão insiste em colocar a razão teórica (Verstand) como amparada num interesse apenas lógico, mas como devendo se desenvolver de modo independente, ao invés de revelar o conceito de interesse prático66 como fundamento do ponto de vista transcendental, à

transcendental refere-se ao sentido interno (ao conjunto de todas as representações) e refere-se a priori a sua forma, ou seja, à relação da consciência empírica diversa no tempo”(Kritik der

Vernunft B 230). Esse princípio da autoconsciência limitará o desenvolvimento da auto- reflexidade da razão, tematizando-a apenas na esfera epistemológica, assentando-o como faculdade teórica; disse Kant: “o entendimento, como espontaneidade, pode determinar o sentido

interno (de acordo com a unidade sintética da apercepção) – pelo diverso de representações dadas; logo, o entendimento pode pensar a priori a unidade sintética da apercepção pelo diverso da intuição sensível como condição à qual todos os objetos da nossa humana intuição têm de se encontrar necessariamente submetidos”(Kritik der Vernunft B 150) (grifo do autor).

64 Kritik der reinen Vernunft, B 180/1. Kant se expressou sobre o sentido esquematizante da

imaginação transcendental como “uma arte escondida nas profundezas da alma humana e da qual

será difícil trazer, um dia, o verdadeiro mecanismo, à natureza, para expô-lo, descoberto, a nossos olhos” (Kritik der Vernunft B 180/1). Essa citação torna-se menos obscura se atentamos ao

que disse na Crítica da faculdade do Juízo (§ 76, p. 150): “Não é inoportuno lembrar que em

todas as artes livres requer-se, todavia, algo coercitivo, ou, como se diz, um mecanismo, sem o qual o espírito, que na arte tem de ser livre e que, unicamente, vivifica a obra, não teria absolutamente nenhum corpo e volatilizar-se-ia integralmente”. Ou seja, a resistência de que a

razão necessita para conduzir todas as faculdades ao desenvolvimento e aprimoramento é a natureza entendida a partir de uma abstração, no qual ela serve para “determinar a que apliquemos

as nossas faculdades antes de nos termos certificado da suficiência da nossa capacidade à produção de um objeto”(KdU, § III, Ak XXIII (nota)). Mas, nisso o caráter urgente das tarefas,

oriundas das necessidades práticas, depende da resistência entre ambas as esferas (Entendimento e Sensibilidade) para explicitar a origem de finalidades em favor da qual é então ultrapassado “o

arranjo da sua [humana] existência animal”. A partir daí talvez possa começar a ser pensada a

possibilidade de se extrair o máximo ou tudo da ipseidade (autoconsciência).

65 Segundo Röttgers, K. (Kritik und Praxis, p.19), na derivação das palavras “crítica” e “crise” do

mesmo termo grego “crinein”(χρινειν), que significa “separar, ajuizar, decidir”, a sua utilização na Idade Média em sentido médico, da enfermidade (perigo do estado duvidoso da alma) como “estado crítico”, significava em seu auge a representação de ser a passagem da doença para a saúde. Neste sentido o presente contexto da razão “crítica” parece exemplificar o sentido “inacabado” do estágio da razão, como processo de avaliação ao qual falta alcançar a efetividade completa, a saber, a positividade total e verdadeira da razão, para contraprova da sua existência. A razão “crítica” representa assim um estágio “de transição” para a razão absoluta, revelada à medida que o “incondicionado” aparece “mediado”, até compor o conceito absoluto de razão. A pretensão de fixar a razão na fase “crítica” é contraproducente à capacidade intelectiva, na medida em que assenta a recusa da retro-alimentação (feedback) necessária dos fundamentos, a partir do qual deve surgir todo “momento” avaliativo da razão, e no qual ele está fundado.

66 Em que assenta a fonte das categorias, na sua aplicação pelo Entendimento (Verstand), uma vez

que a razão depende e está atrelada ao pressuposto do “diverso da intuição sensível” no domínio teórico do conhecimento, a sensações (impulsos sensíveis), conforme ao conceito “fisiológico” de “natureza”? A exigência de que a razão filosófica deva partir de um conceito fundamental parece ter sido atendida, em parte, pela exposição transcendental kantiana. Mas, o problema da razão

base e primeiro em relação ao desenvolvimento lógico (material) da entendimento.

A pressuposição metafísica da faculdade do entendimento como atividade teórica tomada como constitutiva dos objetos, ao conceber o fio- condutor do juízo67 como capital para princípio dos categorias, dá resistência, entretanto, ao apriorismo kantiano, tornando-o recurso imanente à análise68.

transcendental consiste aqui, em Kant, após ter descoberto o conceito de unidade fundamental, ter vinculado o conceito de apercepção transcendental (Eu penso) apenas à razão teórica.

67 Segundo Baumanns (Transzendentale Deduktion der Kategorien bei Kant und Fichte, p. 45),

uma teoria do juízo em Kant deveria partir do princípio do juízo “até a unidade sintética da

Apercepção como o ponto mais alto de toda a racionalidade teórica, que na consciência se manifesta como ‘Ich denke’”, como “auto-consciência de uma síntese espontânea e consciência do sujeito (...) que não é empiricamente datável (não preenche nenhum lugar no espaço-tempo)”.

Pois, complementa Baumanns: “na figura do juízo expressada a consciência é uma consciência

que designa antes um Eu-possuidor (Ich-besitzer) que uma posse-de-si (Selbstbesitz), revelando-se antes um ser-para-mim (Für-mich-Sein) que um ser-para-si (Für-sich-Sein). Numa tal ordem de precedência, a autoconsciência é não o Eu que pensa, mas o ‘Eu penso’, sem o ingresso mínimo ainda na auto-reflexividade: ‘não é também o Eu que pensa, que ele pensa isso’”.

68 Assim, será a exposição fichtiana do Idealismo que fundará a idéia do único a priori relevante,

com vistas à fundação do conceito de sistema da experiência, ao final do qual são feitos coincidir os resultados da filosofia com a própria experiência. Unicamente da afirmação dessa relevância é possível sair das contradições inextrincáveis nas quais se enredou o Idealismo kantiano. Opondo- se à pressuposição metódica de Kant, preservada à base da atitude cética, reticente, de um saber principiado pela dúvida, encarado do ângulo de um método lógico (material) face ao dado da ciência, o Idealismo radical conduzido por Fichte na gênese do pensamento constituirá a sustentação do sistema conforme o qual a ação de duvidar é impossível de ser encarada ingenuamente, como mera expressão de uma atitude cética. Nesse modelo afirmar-se-á que o saber só principia desde a dúvida estabelecida metodicamente, estabelecida por um método sistemático (formal), visto que não subsiste espaço para a dúvida onde não se afirma para princípio do próprio pensamento a posição do sujeito (atividade da autoconsciência): a dúvida não rezará por isso, aqui, contra o sistema mesmo do conhecimento, mas sim contra questões específicas no interior do processo do conhecimento. Sustentado desde o ponto de vista metódico (formal), não há dúvida formal, a ser desenvolvida e pensada sistematicamente, porque ela é dissolvida na constituição das próprias regras formais sistemáticas. Por isso, somente haveria dúvida e dever-se-ía aderir ao

ceticismo se não fosse possível um sistema (como desenvolvimento formal do pensamento) ou não

existisse o âmbito da conexão das determinações com respeito umas às outra, um dado com respeito a outro. Noutras palavras, concebida em geral, a dúvida mesma tem inicio à base do princípio já fundado da razão, o princípio fundamento-consequência, contrastado ao princípio da razão suficiente (mecânico) (como categoria do entendimento), a partir do qual Kant empreende a tarefa dedutiva, segundo o postulado da objetividade, de conceitos fundados na razão teórica (Verstand). A exigência de apresentação – para a fundação da Filosofia transcendental – do princípio fundador de toda cisão, no interior do próprio pensamento, como fonte da consciência teórica ou constituição teórica do objeto de conhecimento, como fonte sintética fundamental, expressa, portanto, a exigência do fundamento geral da razão, pela exclusão mútua das suas partes,

Assim Kant, privilegiando a abordagem das ciências particulares, produz o achatamento ou nivelamento do ponto de vista filosófico transcendental, desde o ângulo da fundamentação das ciências (discurso da Epistemologia), pelo qual tal nivelamento parece acompanhar a suplantação do fundamento – tornado residual à Crítica da razão pura – daqueles objetos de ordem exclusivamente espiritual, isto é, dependentes meramente da primeira síntese transcendental para se constituir em si mesmos como objetos69, presentes no programa da razão transcendental.

teórica e prática, enquanto consiste na lei fundamental da razão de unificação em conjunto, em poucos princípios, do máximo das leis do pensamento.

69 É interessante observar como são compreendidos os objetos que conduzem à concepção da

faculdade transcendental do juízo. Segundo Kant, após a aplicação das categorias no conhecimento restam ainda fenômenos, como uma “multiplicidade de leis empíricas particulares”, aos quais não são adequadas as categorias do entendimento, visto que aqueles objetos são “de outra ordem” que a ordem do conhecimento determinado, a saber, uma ordem reflexionante. Nesse sentido, é importante notar que a faculdade de juízo estética, que não necessita de conceitos para entrar em concordância com o objeto, designa o conceito de “finalidade formal (subjetiva)”, como anterior e condicionador da faculdade de juízo teleológico, que ajuíza a “finalidade real (objetiva)”. Noutras palavras, o conceito de “finalidade”(Zweckmässigkeit) como “forma de um objeto” remete formalmente à faculdade de julgar estética, enquanto parte essencial à “crítica” da faculdade reflexionante transcendental. Somente à seguir há a possibilidade de representar um “fim”(Zweck) como “matéria do objeto”, remetendo materialmente à faculdade de julgar teleológica. (KdU § VIII, p. 37). Fica evidenciada assim a primazia do Gosto (como faculdade de ajuizar segundo regras, conforme o sentimento, a finalidade “livre” ou objeto “belo”), enquanto constitui a adequação da forma desse produto “final” para as faculdades humanas de conhecimento, identificando na forma de uma coisa uma relação subjetiva fundamental que tem de ser instituída para representar a “finalidade” da natureza, segundo um princípio transcendental. O conflito criativo reside aqui, portanto, em constatar a inicial “independência de todo interesse” do juízo reflexionante estético – base do juízo reflexionante teleológico, fundado em conceitos (interesses), porque presidido pelas máximas do entendimento e da razão. Esse aspecto conflitivo parece colocar em disputa as “idéias da razão” e as “idéias estéticas”, sob o estatuto “transcendental” da razão. Ou seja, as idéias que devem servir de fundamento para toda operação finalista material (expressa na Crítica da faculdade do juízo) e as idéias que devem vigiar os limites do entendimento (idéias transcendentais: Deus, Liberdade e Alma), ao lado das que servem para sistematizar o conhecimento (máxima unidade e extensão), expressas na Crítica da razão pura. Na Terceira crítica as afirmações de Kant parecem procurar a unificação de duas “medidas”, ao dizer: “até um conceito intelectual pode inversamente servir como atributo de uma representação dos

sentidos e assim vivificar esta última através da idéia do supra-sensível, mas somente mediante o uso do elemento estético, que é subjetivamente inerente à consciência do supra-sensível”(KdU

§49, p. 161) (grifo do autor). Face a isso, ele diz: “temos também uma faculdade de juízo

intelectual de determinar a priori para simples formas de máximas práticas (enquanto elas se qualificam espontaneamente para uma legislação universal) uma complacência que tomamos para lei para qualquer um, sem que nosso juízo se funde sobre qualquer interesse, mas contudo

A exposição do caráter sistemático do conhecimento se revelará aqui, como veremos, frágil na sua discursividade, ao assentar no fracionamento das faculdades ou da totalidade da razão para apresentar, sempre em detrimento de uma das faculdades, o interesse da razão como fundado de modo transcendental, sem unificar as faculdades sob um único e exclusivo princípio, como unificação de tudo num primeiro interesse filosófico essencial, sólido e fundamentado70.

A fim de não reduzir o leque de objetos transcendentais a objetos definidos meramente a partir dessa ordem sensitivo-estética, da Crítica da razão pura, Kant assinala o significado transcendental das categorias, no qual permanece algo da espontaneidade fundamental da razão como independente da maneira lógica71 de referir-se a objetos, o qual tem de ser investigado como elemento verdadeiramente transcendental da razão.

Devido à necessidade de retomar o princípio norteador que configura as diferentes necessidades da razão (sua heterogenia de fins) a

produza um tal interesse. [Esse sentimento de prazer].. é o do sentimento moral”(KdU § 42, p.

146) (grifo do autor). Ou seja, não há como entender até esse ponto a exclusão das operações fundamentalmente hipotéticas da razão, subjacentes ao domínio determinante da razão teórica, do princípio superior da consciência (Eu penso), na concessão arbitrária da razão teórica para começo no pressuposto “diverso da intuição”, em detrimento do começo por um “interesse” da razão. Com