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1.2 O Realismo metódico para fundamento da Ciência Filosófica

1.2.4 A Necessidade Subjetiva da Razão

Admitindo-se à sã razão o procedimento dialético como natural, não é de estranhar que a maior parte das investidas do espírito humano à

(e criticará os Antigos por terem rebaixado a memória ao nível da imaginação (Enzyclopädie, § 462, Zusatz) e o que ele chamará ainda na Propedêutica e na Enciclopédia, imaginação ativa e imaginação criadora nada mais será efetivamente (...) do que uma recombinação seletiva dos dados empíricos guiada pela Idéia”. Nesse sentido, o caráter originário e primeiro da imaginação

perde seu status à figura do Conceito, e embora pudesse estabelecer a identidade entre ideal/real, pensamento e realidade, contingência e necessidade, ela carece de princípio para estabelecer discursivamente a fundamentação das possibilidades da razão do ponto de vista sistemático. Se considerarmos que no pensamento dialético está em questão a exposição do conceito de Subjetividade, cujo desenvolvimento inicial partiu da tematização do “primeiro princípio” em Fichte para fundamentar as “categorias”, parece conseqüente considerar a ênfase na Imaginação transcendental como, por isso, fundamentadora da “Subjetividade”. Mas, por outro lado, nesta linha, segundo Düsing (Hegels Begriff der Subjektivität in der Logik und in der Philosophie des

subjektiven Geistes, p.201-225, in: Henrich, D. Hegels Philosophische Psychologie), se estabelece

como problema de uma Filosofia da Subjetividade o de estabelecer a relação na qual o conceito de uma Subjetividade universal – princípio do pensar e do agir – se mostra Conceito de um Sujeito real, existente. Nesse sentido, para o esclarecimento da relação entre estes conceitos, eles têm de ser buscados nos respectivos lugares sistemáticos já determinados, visto se tratar, sempre, de uma solução sistemática desenvolvida no Conceito. A ausência do elemento conceitual na Teoria da Subjetividade fichtiana parecia não ter implicações tão nocivas, devido à posição da Imaginação (faculdade da intuição) no centro de seu Sistema. Entretanto, vê-se no excelente trabalho de Torres Filho (O Espírito e a Letra. Crítica da Imaginação pura em Fichte, 1972), que cumpre na exposição e em um modo de leitura da doutrina de Fichte a partir do posicionamento da imaginação transcendental como “porta de entrada” do Sistema, o que, talvez em função disso, impediu a exposição das aporias da doutrina fichtiana. Atentamos aqui ao fato de que somente indo na direção oposta ao executado por Torres Filho, torna-se possível mostrar as aporias do texto fichtiano, e evitar o risco representado pela aceitação prévia da Imaginação como fundacional de uma Ciência Pura como ciência dos Primeiros Princípios – tal fora a tentativa a Doutrina da

Ciência. Ainda que resida, como sustentação, na exclusiva dinamicidade de um oscilar

(Schweben), em vista disso é posta a fundamentação da doutrina como devendo se realizar só a partir de um postulado (dever-ser); ou seja, como obtendo validade só problemática e regulativa. Nesse sentido, o fundamento da doutrina, embora parece demonstrado como o princípio absoluto (Eu sou), só pode apontar para outra coisa: o alicerce que lhe falta, isto é, não há nele a solidez do “conceito”, mas a evanescência da “intuição”.

busca de resultados iniciam manifestando seu contrário156; isso é

conforme ao processo dialético, dia-lógico, pois conforme Hartmann, “a dialética tem a missão de ocultar o que torna visível e de tornar perfeitamente visível o que oculta”, uma vez que considera impossível “se separar do conteúdo que comunica, como tampouco o estilo lingüístico que ela cria pode se separar dela mesma”157.

Entretanto, o interesse da sã razão em adotar tal modelo para baliza da categorização científica, descrição do conjunto das leis na formulação e explicação das leis da natureza somente deve ser possível se se desenvolve e decorre segundo este modelo o desenvolvimento efetivo dos fenômenos, conforme um padrão adotado não arbitrariamente158, mas sujeito a reformular e renovar as próprias teorias.

Esta concepção dialética do procedimento investigativo resgata a pergunta pela auto-fundamentação do conhecimento de modo exclusivamente mais amplo e diferente das outras concepções.

156 Na Fenomenologia do Espírito (§ 62, p. 64), Hegel relata como se dá isso a partir de um

exemplo bastante claro. Diz: “Para esclarecer com exemplos o que vai dito na proposição ‘Deus é

o ser’ o predicado é ‘o ser’: tem uma significação substancial na qual se dissolve o sujeito. Aqui ‘ser’ não deve ser predicado, mas a essência; por isso parece que, mediante a posição da proposição, Deus deixa de ser o que é – a saber, sujeito fixo. O pensar, em vez de progredir na passagem do sujeito ao predicado, se sente, com a perda do sujeito, antes freado e relançado ao pensamento do sujeito, pois esse lhe fez falta. Ou seja: o próprio predicado sendo expresso como um sujeito, como o ser, como a essência que esgota a natureza do sujeito, o pensar encontra também o sujeito imediatamente no predicado. Então o pensar está ainda nas profundezas do conteúdo, ou, ao menos, tem presente a exigência de nele se aprofundar; em lugar de manter a livre posição do raciocinar que no predicado vai para si mesmo”.

157 Hartmann, N., A Filosofia do Idealismo Alemão, p. 301.

158 O modelo de razão fornecido por Aristóteles professa esse tipo de legitimação do

conhecimento, concorde com a capacidade explicativa das leis fundamentais da natureza segundo a ordem métodica linear-causal, assentando a legitimação do conhecimento de modo analitico- empírico.

Mas, enquanto forma científica que coloca em xeque o padrão de racionalidade analítico, a tarefa de fixar a relação entre os objetos da natureza (compreendida como um todo) e sua explicação, no qual se formulam as leis da natureza para explicar, à base de uma força externa (pressuposto do realismo) qualquer movimento ou transformação na natureza em geral, sem se pronunciar sobre o significado ontológico desta força, só pode aparecer contrastada à forma de uma necessidade subjetiva.

De acordo com isso, a condição da concordância objetiva, suficiente para apresentar a existência de objetos, mas não fundada senão vetada para apresentar-se como concordância subjetivamente necessária, apresenta a nuance da faculdade superior (subjetividade transcendental) apresentada para condição fundante a priori do domínio das idéias159.

A insegurança em definir os limites da razão, no modelo kantiano, aproximou por isso em um único ponto de partida duas teses, numa tensão que atinge o paroxismo: o realismo objetivo e o idealismo da conformidade a fins da natureza. Nesse sentido, pode-se confrontar, nas próprias palavras de Kant, duas assertivas, a saber, a proposição: “O ‘eu penso’ expressa o ato pelo qual determino minha existência. A existência

159 Na Crítica da faculdade do juízo (§ 76, p. 339-349), dirá Kant: “(..) o entendimento, (..) no que diz respeito à sua validade, limita a validade daquelas idéias da razão somente ao sujeito, mas de forma universal para todos os sujeitos deste gênero, isto é, limita-as à condição: segundo a natureza da nossa faculdade de conhecimento (humano) ou segundo o conceito que podemos fazer da faculdade de um ser racional finito em geral, não se pode e não se tem que pensar doutro modo, sem afirmar que o fundamento de um tal juízo permanece no objeto”.

está, portanto, já dada nele”160, e a proposição: “ser não é (...) um

predicado real (...); é apenas a posição de uma coisa ou de certas determinações em si mesmas”161.

Contrasta nisso o fato de haver uma necessidade subjetiva da razão, como pressuposto:

visto que a razão precisa, em relação à possibilidade de todas as coisas, supor a realidade como dada, e considera a diversidade das coisas unicamente como limites provenientes das negações que lhe são inerentes, vê-se forçada a pôr como fundamento uma possibilidade única, a saber, a do ser ilimitado como originário, e considerar todos os outros como derivados. Uma vez que, também, a possibilidade geral de uma coisa qualquer se deve encontrar essencialmente na totalidade da existência, pois, pelo menos o princípio da determinação geral só assim torna viável a diferença entre o possível e o real de nossa razão, encontramos deste modo um motivo subjetivo da necessidade, isto é, uma exigência de nossa própria razão, de estabelecer como fundamento de toda a possibilidade a existência de um ser (supremo) absolutamente real.162

Na mera pressuposição dos condicionantes Kant inicia um tipo de exigência não-cognitiva que, conservando-se a priori, será garantida só na medida em que possa ser assentado como pressuposto transcendental do idealismo da natureza (Zweckmä

Β

igkeit der Natur)163, isto é, como consideração só negativa da metafísica164.

160 Kritik der reinen Vernunft, B § 25 (nota) (grifo do autor). 161 Kritik der reinen Vernunft, B 626. (grifo do autor)

162 SOP (Was heisst: Sich im Denken orientieren?) A 312/313. (grifo do autor) 163 Kritik der Urteilskraf, § 58.

164 Na perduração desta consideração da metafísica como meramente negativa Kant buscará, como

sabemos, para fundamento da filosofia transcendental, coroar a fundação da razão transcendental numa Teologia Moral. Cfe. Utteich L. C., “Ensaio introdutório à leitura de ‘Cartas Filosóficas

sobre o Dogmatismo e o Criticismo’, de Schelling”, Conjectura, Caxias do Sul, v.10, n° 2, 2005,

Com base nessa mera pressuposição é concedida às ciências autonomia para o uso das categorias:

Devemos portanto conceber um ser imaterial, um mundo inteligível e um ser supremo (puros numenos), porque a razão só nestes, enquanto coisas em si, encontra a perfeição e a satisfação que jamais pode esperar na derivação dos fenômenos a partir dos princípios homogêneos, e porque estes fenômenos se referem realmente a algo diferente deles (portanto, inteiramente heterogêneo), já que os fenômenos supõem sempre uma coisa em si e a anunciam, quer se possa ou não conhecer de modo mais preciso165.

Creditado tal uso desde a concepção de método, expressa em Kant,

visto que nunca conseguiremos conhecer estes seres inteligíveis no que eles podem ser em si mesmos, isto é, de um modo determinado, devendo, no entanto, admiti-los em relação ao mundo dos sentidos e com ele os conectando mediante a razão, poderemos pelo menos pensar esta ligação por meio de tais conceitos, que exprimem a sua relação ao mundo sensível166,

na abordagem contrastante da linguagem adotada pelas ciências e da autonomia, depreendida transcendentalmente, para caracterizar todo método elaborado na razão, falta tornar explícito que há (ou, o que), na

165 Prolegomena, Ak 171, p. 149. Nesse mesmo sentido, pode-se entender o uso que tem de ser

feito da Idéia, conforme assinala na Crítica da faculdade do juízo (§ 57, A 176, p. 152): “O

entendimento limita a validade daquelas idéias da razão somente ao sujeito, mas de forma universal para todos os sujeitos deste gênero”(§ 76). O que é corroborado nos Prolegomena, na

passagem: “Quando digo: somos forçados a considerar o mundo como se ele fosse a obra de um

entendimento e de uma vontade supremos, apenas digo na realidade: assim como (....) um regimento se refere ao coronel, assim também o mundo sensível (ou tudo o que constitui o fundamento deste conjunto de fenomenos) se refere ao desconhecido que eu (...) descubro (...) segundo o que ele é para mim, a saber, em consideração do mundo do qual eu sou uma parte”. 166 Prolegomena, A 171.

base desta autonomia, (são) pressuposições que evitam ser fundadas demonstrativamente.

O “estabelecer...a existência de um ser (supremo) absolutamente real” para fundamento de toda “possibilidade” não significa uma tematização do predicado existencial, mas sim a declaração de que há um princípio especulativo do qual a razão deve lançar mão para garantir o caráter a priori do próprio uso das próprias categorias167 no pensamento.

Mas, na medida em que toda auto-tematização da razão tem de ser tematização histórica, na história dos conceitos, declarará Hegel:

nenhum sistema filosófico pode subtrair-se à possibilidade de uma acolhida semelhante: todo sistema é suscetível de ser tratado historicamente168.

É nesse sentido que o comportamento dialético da razão, encontrado como auto-expressão paradigmática do incondicionado, aponta para o núcleo do modelo idealista, surgido e posto em crise pelo modelo de Kant.

Aqui temos de tomar o modelo kantiano na intenção de uma filosofia da passagem (Übergang) ao estágio verdadeiro e completamente sistemático da razão transcendental, da Filosofia a priori, menos pelos resultados alcançados na explicitação da sua grade conceitual do que

167 No entender de Schelling esta era a preocupação fundamental de Kant. Cfe. Zur Geschichte der neueren Philosophie, p. 94-108.

168 Hegel, Diferencia entre los Sistemas de filosofía de Fichte y Schelling, p. 12. Em Glauben und Wissen (p. 321), Hegel dirá: “Kant mostrou uma total ignorância dos sistemas filosóficos e uma falta de conhecimento dos mesmos que fosse além de uma notícia histórica, especialmente nas refutações dos mesmos”.

pela insegurança demonstrada na cunhagem da referencialidade terminológica aos conceitos, pelas capacidades da subjetividade transcendental.

A busca por uma auto-fundamentação da filosofia, na auto- reflexividade do processo de investigação, coloca esse último em xeque, todavia, no resgate da cientificidade do processo de condicionamento originário, possibilitador do exame dos pressupostos, ínsito na disciplina estudada. Aqui esse resgate devia servir não de decréscimo da fundamentação, mas de ganho da investigação mesma169.

No pressuposto de una síntese que nega a condição dialética170, o estatuto transcendental da razão kantiana é garantido, mas deve ele valer como “a incógnita X em que se apóia o entendimento quando crê

169 Na crítica aos limites da concepção moderna de razão, Hegel focaliza como principal elemento

aquela forma de pensar dicotômica da forma inferior da razão (Vernunft), designada como entendimento (Verstand). Essa crítica tem em vista recuperar a idéia do conhecer compreendida na sua totalidade; visto que, por um lado, é uma consideração sensata do mundo aquela descoberta que distingue “no vasto reino do ser-aí exterior e interior, o que é só fenômeno (..) e o que em si

verdadeiramente merece o nome de efetividade”(Enciclopédia das Ciências Filosóficas, § 6, p.

44), por outro lado, a concepção da totalidade do conhecimento deve envolver isso, que “(..) o

conhecer não é o desvio do raio [no conhecimento da lei da refração de seus próprios raios]: o conhecer é o próprio raio, através da qual nos toca a verdade (objeto)”(Fenomenologia do Espírito, § 73, p. 72). Do mesmo modo, Goethe afirmava: “O mais importante é compreender que todo o fato é já teoria. O azul do céu manifesta-nos a lei fundamental da cromática. Escusamos de procurar seja o que for por detrás dos fenômenos: eles mesmos são a doutrina”.

170 No linguajar habitual é muito comum realizar a crítica dos costumes mediante o uso da ironia.

Os irmãos Schlegel e Novalis, os primeiros românticos (Frühromantiker), desenvolveram com Teoria Filosófica para fundamentação estética a partir do conceito de Witz, que designa entre outras coisas a “sagacidade”, “mordacidade” ou “espírito”. Encontramos também em Kierkegaard o desenvolvimento filosófico do conceito de ironia. Mas, no presente caso queremos exemplificar o que queremos dizer aduzindo ao sentido performático ínsito no modo de pensar fundado dialeticamente. Assim é possível dizer, por exemplo, que Kant é adepto da concepção moral estóica, enfatizando justo o contrário, no dizer: “Kant não é estóico!”; ou no escopo de apenas duas possibilidades de determinação, entre epicurista e estóico, dizer: “Kant é epicurista!”.

encontrar fora do conceito A um predicado B, que lhe é estranho, mas todavia considera ligado a esse conceito”171.

Como elucidar o fundamento da Metafísica do conhecimento? Disse Kant:

Nos juízos sintéticos (...) tenho de sair do conceito dado para considerar, em relação a ele, algo completamente diferente do que nele já estava pensado. (...) Admitamos então que se tem de partir de um conceito dado para o comparar sinteticamente com um outro; é então necessário um terceiro termo, no qual somente se pode produzir a síntese dos dois conceitos172.

Portanto, a noção de totalidade, a ser constituída a partir de um terceiro termo, é “o medium de todos os juízos sintéticos a priori”. Nisso vê-se que este medium:

só pode ser um conjunto em que todas as nossas representações estejam contidas, ou seja, o sentido interno, e a sua forma a priori, o tempo. [Sendo que] A síntese das representações assenta sobre a imaginação; porém, a unidade sintética das mesmas (requerida para o juízo), descansa sobre a unidade da apercepção173.

Logo, não pode ser a experiência a “incógnita X”,

porque o princípio em questão acrescenta esta segunda representação [B] à primeira [A], não só com generalidade maior do que a que a experiência pode conceder, mas também com a expressão da necessidade, ou seja, totalmente a priori e por conceitos. É sobre estes princípios (...) extensivos que assenta toda a finalidade última do nosso conhecimento especulativo a priori174.

171 Kritik der reinen Vernunft, B 13. 172 Kritik der reinen Vernunft, B 194. 173 Kritik der reinen Vernunft, B 194. 174 Kritik der reinen Vernunft, B 13.

Nesse sentido, os princípios analíticos servem só para alcançar a clareza de conceitos requerida para a síntese segura (aquisição nova). Ou seja, a razão transcendental requer um Sistema, necessita ser fundada segundo um Sistema Transcendental. Se, por um lado, diz Kant,

a experiência assenta sobre a unidade sintética dos fenômenos, isto é, sobre uma síntese por conceitos do objeto dos fenômenos em geral – sem a qual a experiência é apenas uma rapsódia de percepções que nunca caberiam todas num contexto, segundo as regras de uma consciência (possível) universalmente ligada, nem, por conseguinte, se incluiriam [essas percepções] na unidade transcendental e necessária da apercepção,

ele está convencido, por outro lado, que nos juízos sintéticos se tem de “sair do conceito dado para considerar em relação com ele algo completamente diferente do que aí era pensado”175, e que estes exprimem o produto de uma atividade. Entretanto, nesse caso, o terceiro termo trata de um produto da atividade dialética ou analítica? – “de uma relação de identidade (..) [ou] de contradição”176?

Nesse sentido se manifesta Hegel, dizendo:

É possível que uma autêntica especulação não se expresse perfeitamente em seu sistema, ou que a filosofia do sistema e o sistema mesmo não coincidam, que um sistema expresse de maneira mais precisa a tendência de aniquilar todas as oposições e

175 Kant recomenda o teste:tente (...) com algum princípio sintético e pretensamente transcendental, como: tudo o que existe, existe como substância ou como uma determinação inerente a ela; todo o contingente existe como efeito de uma outra coisa, a saber, de sua causa, etc. Ora, eu pergunto: donde quer ele tirar essas proposições sintéticas, uma vez que os conceitos devem valer não apenas para a experiência possível, mas para coisas em si mesmas (noumena)? Onde está aqui o terceiro termo, requerido sempre para uma proposição sintética, com o fim de conectar entre si conceitos que não possuem absolutamente nenhum parentesco lógico (analítico)?”(Kritik der reinen Vernunft, B 315) (grifo do autor).

que não possa abrir caminho até a identidade mais completa. A diferenciação destes dois aspectos resulta particularmente importante na avaliação dos sistemas filosóficos177.

A necessidade subjetiva da razão acolhe o ceticismo impregnado na perspectiva metafísica, no caráter temerário que exorta ao uso negativo das idéias: “ignoramos completamente se esse objeto transcendental se encontra em nós ou também fora de nós; se é suprimido simultaneamente com a sensibilidade ou se, eliminando a sensibilidade, ele ainda permanecerá”178.

O fato fundamental dos princípios assim estabelecidos para fundar a unidade da razão “parecerem transcendentais e de, conquanto contenham simples idéias para se buscar o uso empírico da razão que podem ser seguidas por este apenas aproximativamente (...), apesar disso, enquanto proposições sintéticas [têm] uma validade objetiva mas indeterminada”179, conserva a incógnita na ordem do transcendental, seja

177 Hegel, Diferencia entre los Sistemas de filosofía de Fichte y Schelling, p. 51. Não temos em

vista disputar aqui se o Sistema fichtiano é um sistema fechado, encerrado em si, ou aberto ao mundo externo.mas salientar o comportamento flexibilizador inicial, iniciado por esse sistema, sobre os grandes sistemas dogmáticos. Disse Fichte: “Uma ciência pode conter, além da

proposição certa anteriormente à vinculação, ainda várias proposições, que somente pela vinculação com aquela são conhecidas em geral como certas, e como certas do mesmo modo e no mesmo grau que aquela.”(Sobre o Conceito, § 1, p. 42). Em seguida afirma: “Um sistema pode efetivamente ser correto em seu todo, sem que suas partes singulares tenham plena evidência. Pode ter havido, aqui e ali, inferências incorretas, podem ter sido saltadas proposições intermediárias, podem ter sido estabelecidas sem prova e incorretamente provadas proposições demonstráveis e, contudo, serem corretos os resultados mais importantes”(p. 78).

178 Kritik der reinen Vernunft, B 344-5.(grifo do autor).

179 Kritik der reinen Vernunft, B 691. Tem de se confrontar esse parágrafo da Crítica da razão pura com o Introdução da Crítica da faculdade do Juízo, a fim de ver a efetiva transformação

kantiana acerca do caráter de validade indeterminada dos princípios teleológicos da razão. Com efeito, Kant não oferecerá uma justificação mais satisfatória desses princípios na Terceira Crítica, senão que apenas diz, como dedução da faculdade do juízo reflexionante, enraizar-se em uma “necessidade transcendental”(XXVII). Nas expressões grifadas acima, na ênfase a princípios que

parecem transcendentais; que são proposições sintéticas da razão e que têm validade objetiva, mas