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CAPÍTULO 2 O TEXTO E O PÓS-TEXTO DO RELATÓRIO

3.4 A metodologia dos convênios INCRA/FAPEC/SEPROMI/RTID e

Como já dito, os procedimentos metodológicos para a produção dos RTID desses convênios partiram da referência e do aprendizado da experiência anterior, o que representou uma vantagem em termos de ganho de tempo. Uma vez que as equipes técnicas foram orientadas a seguirem o roteiro metodológico pactuado na primeira capacitação (maio de 2008), os relatórios, de uma forma geral, apresentam uma certa uniformidade quanto aos aspectos metodológicos. Isto quer dizer que eles foram elaborados a partir uma mesma sequência de procedimentos metodológicos, mas nem todos apresentam uma mesma estrutura e sequencia narrativa. Neste caso, os relatórios foram produzidos inicialmente sob a vigência da IN 20/2005 e depois sob a vigência da IN 49/2008, que trouxe a exigência e a normatização dos relatórios antropológicos como peça principal dos RTID. Como consequência, o papel das/o antropólogas/o a partir de então passou a ser preponderante na condução dos trabalhos.

No caso dos relatórios antropológicos, não obstante tivéssemos um roteiro metodológico comum, cada antropóloga/o tinha autonomia para conduzir os trabalhos com base em sua experiência profissional (quando havia) e/ou sua orientação teórico- metodológica (acadêmica), desde que não perdessem o foco no objetivo central do relatório: identificar e delimitar os territórios quilombolas. Mesmo com a preocupação com a celeridade frente ao desafio de produzir vários RTID em pouco tempo (tarefa muito

205 Havia apenas um estagiário (Rogério Fiscina), graduando em História, que ficou responsável pelo

complexa) não tínhamos a intenção de transformar aqueles convênios numa espécie de “camisa de força” para as/o antropólogas/o. Como corolário, é possível perceber em cada relatório antropológico as especificidades teórico-metodológicas (acadêmicas) de cada antropóloga/o responsável, embora tenham adotados uma mesma orientação técnica quanto aos procedimentos metodológicos gerais. Devido à liberdade que as/o antropólogas/o tiveram na condução da construção textual, nem cogitamos, como no convênio anterior, a proposição de um sumário comum a todos os relatórios desses convênios.

Todos os relatórios eram iniciados com uma assembleia geral onde as famílias da comunidade (e as organizações e instituições que mantinham alguma relação com esta) conheciam a equipe técnica, os procedimentos e fases da elaboração do RTID e a legislação pertinente à matéria. Era estimulado que a equipe técnica buscasse garantir a participação de todas as famílias da comunidade (ou pelo menos de um número expressivo de representantes), inclusive daquelas famílias que não se reconheciam como quilombolas, para que pudessem entender o processo e esclarecer dúvidas206, principalmente a respeito da questão da titulação coletiva do território, aspecto que normalmente causava problemas ao longo do processo se não fosse bem compreendido desde o início da regularização207.

As oficinas temáticas208 (realizadas geralmente na mesma semana da abertura dos

trabalhos de campo) representava um importante espaço de integração (entre os membros da equipe técnica e os quilombolas) e de coleta de dados e informações a respeito da historicidade e da territorialidade da comunidade. Nas oficinas os membros do grupo

206 A equipe técnica se dirigia à comunidade pelos menos 1 dia antes da assembleia para, junto com as

lideranças locais, fazer a mobilização das famílias.

207 Na assembleia, também, o INCRA esclarecia que o procedimento para a regularização dos territórios

quilombolas é na maioria das vezes demorado (já que envolve uma primeira fase de identificação e delimitação do território e uma segunda fase de obtenção dos imóveis integrantes do território) e que se diferencia do processo “tradicional” da reforma agrária (a implantação dos projetos de assentamento).

208 Nestes convênios, mantivemos as experiências das oficinas como método de produção de dados, contudo

elas foram aperfeiçoadas e complementadas com a contribuição sobretudo das/o antropólogas/o. Em conversa com a antropóloga Bruna Zagatto, em 15 de janeiro de 2018, ela lembrou que no início dos convênios a primeira tarefa foi pensar em como tirar mais informações das comunidades (ela já tinha experiência em oficinas realizadas com movimentos populares e feministas com quem trabalhou em SP contratada por uma ONG, antes de começar a fazer relatórios antropológicos). Já a antropóloga Ubiraneila Capinan, em 12 de março de 2018, lembrou que foram criadas outras duas oficinas: a oficina de calendário, que segundo ela foi uma sugestão da antropóloga Lirian Ribeiro que trabalhava (esta oficina) nas comunidades indígenas e a oficina de Genealogia, criada para facilitar a obtenção de dados de parentesco.

(crianças, jovens e idosos) eram chamados a refletir sobre as categorias norteadoras do processo de regularização, a relatarem a sua história e a produzirem um mapa preliminar do território reivindicado. A exemplo do convênio anterior, inicialmente, eram realizadas três oficinas, nesta ordem: oficina de identidade, oficina de histórico e oficina de território. Depois, algumas antropólogas sentiram a necessidade de incluir outras oficinas, que eram realizadas ao longo do trabalho de campo: a oficina de calendário e a oficina de genealogia.

O objetivo da oficina de identidade era levantar a discussão a respeito do auto- reconhecimento dos povos tradicionais e do conceito contemporâneo de quilombos. Na Oficina partia-se do conceito de identidade para entender o processo identitário da comunidade e resgatar como se deu o processo de auto-atribuição e certificação como comunidade remanescente de quilombos. Uma questão recorrente nos processos de regularização de territórios quilombolas é a dificuldade de alguns membros da comunidade se reconhecer como “quilombola”, já que esta é uma categoria muitas vezes estranha ao grupo. Mas o importante neste momento era esclarecer como o INCRA, baseado nos dispositivos legais e normativos em vigor, estava operando esta política fundiária para efetivar um direito constitucional.

A oficina de histórico objetivava resgatar, através da construção a Linha do Tempo, a história do grupo a partir da memória social, principalmente a história territorial e dos conflitos relativos à terra, buscando registrar os eventos marcantes para os quilombolas. Nesta oficina também era possível iniciar um levantamento da cadeia dominial, a partir das falas dos mais velhos a respeito dos antigos fazendeiros e das sucessivas transferências de domínio e/ou posse dos imóveis rurais incidentes no território reivindicado e suas consequências para a comunidade. Outro aspecto importante a ser discutido nesta oficina tratava-se das questões culturais da comunidade, suas mudanças e permanências ao longo do tempo e a relação disto com a questão do território. Durante a oficina a/o antropóloga/o já identificava membros importantes do grupo, que guardam a memória da comunidade, para posteriormente serem entrevistados. Esta oficina também funcionava como um espaço onde a própria comunidade, sobretudo os mais jovens, aprendia sobre sua própria história.

Figura 31 – A antropóloga Diana Anunciação e a advogada Mirna Oliveira conduzindo oficina

Fonte: acervo de pesquisa de Diana Anunciação

Figura 32 – O agrônomo Ubiraci Damásio conduzindo oficina de território

Figura 33 – Quilombolas participando de oficina

Fonte: acervo de pesquisa de Diana Anunciação

Figura 34 – Quilombolas participando de oficina

Fonte: acervo de pesquisa de Diana Anunciação

A oficina de território tinha um caráter especial uma vez que o principal objetivo do RTID é identificar e delimitar o território reivindicado. Desta forma, desde o início dos trabalhos, a equipe técnica devia ter noção do território que seria objeto de estudo e medição. Esta oficina, então, buscava discutir a territorialidade do grupo em questão iniciando com uma discussão sobre o conceito de território. Na discussão, a comunidade

era levada a pensar sobre a suas práticas territoriais cotidianas e a traduzir isso cartograficamente. De maneira ainda preliminar, buscava-se identificar os limites do território reivindicado e a estrutura fundiária da comunidade. É claro que ao longo do processo os limites podiam ser alterados em função de diversos fatores. Mas o fundamental neste momento era fazer com que a comunidade discutisse, de pronto, qual é o seu pleito territorial, levando em consideração o que define as normas (técnicas, jurídicas e antropológicas) sobre o tema. A oficina terminava com reconhecimento in loco do território reivindicado, quando a equipe técnica tinha uma ideia aproximada da dimensão da área e suas características. Na oficina de Território era iniciado o levantamento dos imóveis rurais e seus respectivos proprietários ou posseiros para fins de notificações aos interessados209.

A oficina de calendário objetivava buscar entender a dinâmica temporal da comunidade, levantando, por meses ou estações do ano, os principais eventos marcantes como festas religiosas, manifestações culturais, fases do trabalho na terra e da criação de animais. A árvore genealógica da comunidade foi levantada a partir da oficina de genealogia, quando foi traçada uma representação considerável da filiação genealógica da família fundadora da comunidade. Esta oficina permitiu identificar a cadeia de parentesco, compadrio e matrimoniais do grupo e possibilitando a constatação da presunção da ancestralidade negra e comum dos atuais moradores do Velame (p. 50 e 54). Após as oficinas, os quatro técnicos integrantes da equipe realizavam seus trabalhos. Embora nesta etapa os técnicos trabalhassem separadamente, estes eram estimulados pela coordenação para se reunirem sistematicamente (tanto em campo como na sede do INCRA) para trocar informações e promover um diálogo interdisciplinar. Além disso, ao retorno de cada viagem de campo, ocorria uma reunião comigo (o coordenador) para fazermos uma avaliação das ações, encaminhamentos de questões burocráticas e planejamento das ações subsequentes, com o estabelecimento de prazos para cumprimento. Após a conclusão da redação de todas as peças do RTID, eu fazia a leitura do material para correções de toda ordem, verificação de sobreposição de informações e elaboração de um Parecer Conclusivo revisando os procedimentos e atos administrativos adotados, as conclusões de cada peça técnica e a sua adequação à

209 A equipe técnica avaliava o momento de realizar outra Oficina de Território, após a realização de parte

dos trabalhos, para apresentar os limites levantados e referendá-los, esclarecer dúvidas e levantar outras informações.

legislação pertinente. Como cada profissional era autor/a de sua peça técnica eu não fazia a organização destas num documento único. Os RTID desses convênios foram constituídos por peças técnicas distintas que foram juntadas ao final.

No Anexo 10 apresento os relatórios que foram produzidos entre 2008 e 2011, com uma concentração da finalização no ano de 2009 (10 relatórios). Em sua maioria, os relatórios foram concluídos entre 04 meses e 01(um) ano, dentro do tempo de vigência dos convênios (01 ano e 09 meses, como vimos). Os que tiveram o tempo de produção mais estendidos deveu-se a problemas internos ou de conflitos acirrados nas comunidades em estudo, que demandaram mais esforços e mediações para finalizar a proposta de delimitação territorial (como foram os casos de Pitanga de Palmares e Guaí) ou foram por questões pessoais dos/as antropólogos/as responsáveis que dificultaram a finalização do texto (como nos casos de Velame, Ilha de Maré, Morro Redondo e Barra do Parateca)210.

3.5 O Relatório Antropológico de Identificação e Delimitação Territorial da

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