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CAPÍTULO 2 O TEXTO E O PÓS-TEXTO DO RELATÓRIO

2.2 O Pós-Texto

2.2.1 Repercussões administrativas e judiciais do relatório 2.2.1.1 No âmbito administrativo

O relatório técnico de Parateca e Pau D' Arco foi concluído e entregue ao INCRA/BA em março de 2006. Neste mesmo ano, nos dias 18 e 19 de julho, foi publicado no Diário Oficial do Estado da Bahia e, nos dias 27 e 28 de julho, no Diário Oficial da União. Ato contínuo, os presumíveis proprietários e posseiros não-quilombolas143 incidentes no território delimitado no RT foram notificados para apresentarem contestações ao estudo, no prazo de 90 dias, e uma cópia do relatório foi encaminhada para vários órgãos públicos estaduais e federais (IPHAN, IBAMA, SPU, FUNAI, FCP, Conselho de Defesa Nacional, Secretaria de Meio Ambiente) para análise e manifestação sobre suas áreas de competência, de acordo com as disposições do Decreto 4.887/2003 e da Instrução Normativa INCRA/Nº20/2005 (vigente à época da publicação do RT). Nenhum órgão notificado fez objeções à regularização fundiária pretendida.

Do ponto de vista jurídico-administrativo, o ato de publicação do relatório inscreve o “território quilombola” objeto do mesmo no âmbito do Estado e do Direito, que passa a existir concretamente como um locus de intervenção estatal. O INCRA passa a dialogar com outros órgãos públicos, privados e com toda a sociedade a partir daquele relatório, devendo se orientar por ele na tomada de decisões. Os outros órgãos, por sua vez, em tese, ficam com a obrigação de consultar ao INCRA sempre que ações de suas respectivas áreas de competências venham atingir o território quilombola identificado e delimitado. O relatório, neste sentido, ganha um papel como instrumento de conciliação dos interesses do Estado. Em alguns casos, mesmo antes de publicado, as informações levantadas pelas equipes técnicas durante a produção do relatório servem como subsídio para o INCRA defender as comunidades em ações judiciais diversas (como ações possessórias, por exemplo).

Ao todo foram realizadas 28 (vinte e oito) notificações, sendo que apenas 03 (três) peças contestatórias foram apresentadas, referentes a 17 (dezessete) interessados. A primeira contestação foi oferecida no dia 26 de outubro de 2006 por Waldemar Teixeira Moura, Plínio Laranjeiras de Moura, Paulo Laranjeiras de Moura, Alice Maria Moura

143 Os confinantes do território também são notificados para apresentarem contestações, conforme a

Oiveira, Juvencio Ruy Laranjeiras Moura, Elisa Maria Laranjeiras Moura, José Luis Meira Guimarães, Almir Delevedove de Almeida, Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Vila Nova e Adjacências e Associação Comunitária dos Moradores do Fundão da Ilha de Zezé. Muito embora o proprietário notificado tenha sido o Sr. Waldemar Teixeira Moura, a contestação foi apresentada por ele e por filhos, noras, genros e adquirentes de parte do imóvel do mesmo (Fazenda Retiro), além de por duas associações de pequenos agricultores relativas a áreas doadas por Waldemar Teixeira Moura. Portanto, uma estratégia da defesa foi ampliar o número de impugnantes e trazer para o processo duas associações de pequenos agricultores formadas por agregados de sua propriedade, mas que não se identificavam como quilombolas, totalizando 10 interessados numa única peça contestatória.

A peça contestatória, subscrita pelo advogado Ary Cyrne, tem 283 páginas (sendo 19 páginas da peça em si e 264 páginas de anexos com diversos documentos). Em síntese, os argumentos da contestação giraram em torno:

1. Da suposta inconstitucionalidade do Decreto 4.887/2003, por ofender o direito de propriedade;

2. Da cadeia dominial do imóvel que remontava à época das capitanias hereditárias, fazendo referência a documentos do Arquivo Público da Bahia;

3. Da impossibilidade de existência de um quilombo nas terras daquela fazenda; 4. Da ilegalidade da titulação quilombola numa área que incide uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)144.

Para subsidiar os argumentos foram coligidos diversos documentos, dentre eles: certidões cartorárias, ações judiciais de manutenção de posse, escrituras públicas de doações de terra, documentos do Arquivo Público da Bahia e declarações dos prefeitos

144 Segundo o site do ICMBio (http://www.icmbio.gov.br/portal/criesuareserva/sobre-rppn, acesso em 07

de fevereiro de 2019) , “as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) foram criadas em 1990, como uma estratégia para promover a conservação da natureza por meio de áreas protegidas através da iniciativa dos proprietários particulares. (...) Com a publicação da Lei nº 9.985, que institui o Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza (SNUC), as RPPN passaram a ser uma das categorias de unidade de conservação do grupo de uso sustentável”. Os autores alegaram que o INCRA não poderia desapropriar a área em função da existência de uma RPPN, que foi criada para proteção da caatinga da região da margem do Rio São Francisco. Todavia, como a neste tipo de Unidade de Conservação a dominialidade continua sendo privada, não há impedimento para desapropriação.

de Malhada, de Palmas do Monte Alto e do presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Malhada, alegando não existirem registros de quilombos ou conflitos do gênero em áreas pertencentes à família Moura e reconhecendo a moral ilibada e a dedicação do cidadão Waldemar Teixeira Moura no zelo aos aspectos sociais, econômicos e ambientais de suas propriedades. Ao fim, pedem a produção de um laudo antropológico de caracterização histórica da área em foco, juntada de documentos, oitiva de testemunhas e prova pericial.

A segunda contestação foi apresentada no dia 20 de dezembro de 2006 por Francisco Moreira de Souza (sem advogado). Ela tem apenas 04 páginas e o subscritor alegou ser o legítimo proprietário da Fazenda Genipapo, que construiu inúmeras benfeitorias no imóvel, onde faz uma exploração ordeira e mantém a posse mansa e pacífica há muito tempo.

A terceira contestação, subscrita pelo advogado Marco Antônio Guanais Aguiar Rochael, foi apresentada no dia 20 de dezembro de 2006 por Edson Bastos de Assis, Saul Marques Malheiros, Jaime César Machado Bastos, Antônio Carlos Colobó Freitas, Gilson Alves Ladeia e Olegário Bastos Junior. Neste caso vários proprietários se uniram para apresentar uma única peça contestatória, com 66 páginas (12 páginas da peça em si e 54 páginas de anexos), argumentando, em síntese, que são os legítimos proprietários dos imóveis em questão, que inexistem quilombos na região do Rio São Francisco (exceto em Xique Xique) e que no caso das suas propriedades existe um agrupamento de negros mas não de "remanescente de quilombolas".

Na relação dos quilombos baianos que nos dá CLÓVIS DE MOURA,

in Os quilombos e a Rebelião Negra, Brasiliense, 7ª ed. P.26, inclui-se,

do mesmo modo, como o único existente na região sanfranciscana, o de Xique-Xique.

O historiador e antropólogo baiano PEDRO TOMÁS PEDREIRA, in Quilombos, Edição da Prefeitura Municipal de Salvador, pp.75 usque 124, referindo-se aos quilombos que existiram no interior do Estado da Bahia, aponta, exclusivamente, quanto à região do São Francisco, o de Xique-Xique.

A mesa conclusão chega o mencionado pesquisador, em artigo publicado na Revista Brasileira de Geografia, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, outubro/dezembro de 1962, pp. 79, 81 e 88145.

O advogado cita também uma afirmação do igualmente historiador Cid Teixeira146.

Há, no particular um dado essencial e que não pode ser omitido: é preciso não confundir densidade demográfica de indivíduos africanos no passado, os seus descendentes no presente, com a existência, necessária, de “quilombos”. Quilombos supõe um sentido organizacional, uma consciência de resistência na preservação de valores. Um caráter libertário dos que o compuseram147.

A recorrência a citações dos chamados "renomados historiadores" serviu para o advogado questionar o trabalho técnico e insinuá-lo parcial.

Vale indagar: onde se encontra em laudo antropológico que criou essa situação a demonstração concreta e irrefutável da existência de condições que configurem agrupamentos de quilombos na Fazenda PARATECA E PAU D’ARCO? Onde encontram-se uma (sic) sentido organizacional, uma consciência de resistência na preservação de valores ou um caráter libertário, no dizer do grande CID TEIXEIRA? Trata-se somente de densidade demográfica conduzida por outros fatores, uma grande parte tendo nascido e se deslocado de outras regiões, enfim, não passa de ilações, provocadas por setores simpatizantes de certos movimentos, que querem transformar simples agrupamentos de negros em remanescentes de quilombos, como fizeram na prefalada Fazenda RIO DAS RÃS, onde, nesta, transmutaram em quilombolas, negros descendentes de escravos, transformando uma das maiores e mais bem montadas propriedades rurais deste país, que no auge da colheita gerava até 1.800 empregos, em uma verdadeira senzala do século XX, financiada com recursos públicos e sem qualquer finalidade precípua, a não ser “pra gringo ver”. O mesmo estão tentando fazer com a PARATECA E PAU D’ARCO148. A fase de contestações permite que o relatório seja submetido ao contraditório, confrontando-o com os mais diversos argumentos contrários e dando margem para o seu aperfeiçoamento. Os interessados (normalmente os proprietários e/ou posseiros que serão atingidos), no prazo de 03 meses, podem apresentar peças técnicas e jurídicas para refutar as informações coligidas no relatório e/ou corrigi-las. No caso em tela, as contestações não foram balizadas por outro estudo técnico-científico e nem por pesquisa etnográfica, mas por referências bibliográficas ou assertivas do senso comum. O advogado da terceira

146 Segundo os contestantes, essa afirmação que consta do parecer do renomado historiador baiano Cid

Teixeira, cujo parecer encontra-se entranhado aos autos da Ação Ordinária, processo de nº 93.12284-3, movido pelo MPF em desfavor da União Federal e Bial Agropecuária Ltda perante o Juízo da Sétima Vara Federal da Bahia, atualmente em grau de recurso, referente às terras da Fazenda Rio das Rãs, da mesma origem da Parateca (p. 609 do processo administrativo 54160.003690/2004-87).

147 Trecho da contestação (p. 609 do processo administrativo 54160.003690/2004-87). 148 Trecho da contestação (p. 611 do processo administrativo 54160.003690/2004-87).

contestação, por exemplo, recorreu ao discurso historiográfico sobre quilombos, utilizando-se da estratégia retórica de enfatizar uma suposta maior autoridade e legitimidade da História para tratar do tema. Deu ênfase ao conhecido historiador baiano Cid Teixeira, chamando-o de “grande”, e grafando seu nome em letras maiúsculas, para lhe dar destaque.

As três contestações foram objeto de análise técnica e jurídica por diversas instâncias, na Superintendência Regional do INCRA/BA, na Sede do INCRA em Brasília, no Ministério do Desenvolvimento Agrário e na Casa Civil da Presidência da República. Todas refutaram os argumentos trazidos à baila e pugnaram pelo regular andamento do processo e adequação do relatório técnico às normas vigentes. Inconformados, os proprietários Waldemar Teixeira Moura e outros e Francisco Moreira de Souza ofereceram recursos administrativos que também foram indeferidos.

Assim, as conclusões do relatório técnico foram referendadas pela Administração e o território quilombola de Parateca e Pau D'Arco foi reconhecido pela Portaria INCRA/Nº 341, de 18 de dezembro de 2007. Após várias idas e vindas processuais, no dia 16 de dezembro de 2010, o "Território Quilombola Parateca e Pau D'Arco" foi declarado de interesse social, para fins de desapropriação149, por decreto presidencial,

assinado pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

Atualmente o processo encontra-se na fase de avaliação dos imóveis rurais incidentes no território quilombola para ajuizamento das ações desapropriatórias. Esta fase tem se alongado em virtude da falta de recursos orçamentários e financeiros para o pagamento das indenizações, dentre outros problemas burocráticos.

2.2.1.2 No âmbito judicial

Em 2010, o procedimento administrativo de regularização fundiária da comunidade quilombola Parateca e Pau D'Arco foi judicializado por um grupo de proprietários que entraram com um processo perante a 7º Vara Cível e Agrária da Justiça Federal na Bahia (processo nº 34136.03.2010.4.01.3300150). Plínio Laranjeiras de Moura,

149 Nos termos da Lei 4.132/62, que trata da desapropriação por interesse social genérico, que difere da Lei

8.629/93, que trata da desapropriação para fins de reforma agrária. A diferença principal é que na desapropriação por interesse social genérico os proprietários são indenizados previamente e à vista enquanto na desapropriação para fins de reforma agrária a indenização é feita em Títulos da Dívida Agrária.

Paulo Laranjeiras de Moura, Alice Maria Moura Oliveira, Juvêncio Ruy Laranjeiras Moura, Ana Lúcia Hage, Elisa Maria Laranjeiras Moura, Maria Stela Malheiros Moura, Nelmo Silva Oliveira e Francisca Alves Moura, através dos advogados João Xavier dos Santos e Elias da Rocha Pina e Silva, solicitaram à Justiça a suspensão do aludido processo administrativo alegando falhas, deficiências e distorções do Relatório Técnico e sustentando, mais uma vez, que os seus imóveis constituem uma unidade de conservação reconhecida pelos órgãos ambientais como Reserva Particular do Patrimônio Natural e que os quilombolas não teriam vocação para preservação ecológica e ambiental. Pedem ao Juízo que “seja declarada a inexistência de qualidade de remanescente de quilombos das comunidades de Parateca e Pau D’Arco” e “que seja declarada a inexpropriabilidade dos bens imóveis dos autores”.

Na peça inicial (exordial151) da ação, os autores fizeram uso de argumentos de natureza técnica e jurídica, mas sobressaltam aos olhos os argumentos de natureza histórica e antropológica acionados. Apresentaram uma extensa peça (54 páginas), praticamente um contra laudo, em que, em síntese, defendem:

1. Que a definição constitucional de quilombos é de natureza diacrônica, portanto, deve ser afastada a “unidimensionalidade das sincronias etnológicas, ou seja, as presentificações descritivas”;

2. Que o trabalho de identificação e delimitação territorial de uma comunidade quilombola só poderia ser feito em diálogo com um historiador e recorrendo- se às fontes documentais;

3. Que um trabalho de perícia com povos sem escrita deve, necessariamente, ser feito em diálogo com profissional especializado em Antropologia Linguística; 4. Que o trabalho não caracterizou a memória coletiva da comunidade;

5. Que a ideia de “resistência à opressão histórica sofrida”, de que fala o Decreto 4.887/2003, não pode ser aplicada às comunidades que não tenham sofrido “opressão” (oriundas das perseguições às fugas) e que tenha sido formadas após 13 de maio de 1888. O contrário seria uma espécie de “quilombo prospectivo” fruto de uma “militância antropologizante”;

Judiciária de Guanambi/BA, onde tramita hoje com a numeração: 34136.03.2010.4.01.3300.

151 Termo jurídico que se refere à petição inicial de um processo. Neste caso a exordial foi apresentada em

6. Que, por fim, houve uma ausência de perspectiva juridicamente obrigatória de Antropologia Histórica”.

É clara uma crítica feita especialmente à Antropologia e ao seu método de pesquisa: "se não há qualquer reparo sobre as informações de geografia econômica e demografia que povoam o Relatório, as de natureza antropológicas são indeclinavelmente sincrônicas, sendo que as de caráter histórico padecem de objetividade"152. E também fica nítida uma disputa disciplinar.

Um historiador não pode se substituir ao antropólogo em suas pesquisas etnográficas, que envolva demografia, lugares, ofícios, celebrações, atividades econômicas, uniões interétnicas, exogamia, sistemas de parentesco, padrões de organização social, uso e apropriação de recursos naturais, entre outros próprios de sua instrumental teórico.

Mas o antropólogo, a seu turno, não pode negligenciar a maior acuidade daquele em identificar as fontes primárias, manuscritas e impressas, e escoimá-las adequadamente de penetrações deformadoras. No caso de uma memória genealógica, por exemplo, registros notoriais se articularão com relatos memoriais dos antepassados, seu tipo físico, sua enfibratura, sua ascendência grupal ou familiar, o lugar onde estão enterrdos, seus feitos heróicos ou sua resistência oferecida ao sistema opressivo.

(...)

Como já dito, antropólogos, em número cada vez menor, têm uma maneira peculiar de tratar de fontes documentais. Acoimam-nas estes de ideologicamente condicionadas pelas forças repressivas, quase nunca citam os historiadores, como se eles fossem coniventes com o bias ideológico ou como se fossem ainda prisioneiros de uma rigidez positivista que não é cultuada nos domínios historiográficos.

Curiosamente, têm sido os historiadores que maiores contributos têm dado ao estudo os quilombos no Brasil. Os antropólogos-peritos do Quilombo do Rio das Rãs, em sua obra aqui recorrentemente citada, admitiram numa pequena nota de fim, nas últimas páginas do livro editado pela Edufba153: “Os antropólogos não têm tradição de tratar com a questão dos quilombos no Brasil, ao passo que os historiadores escreveram sobre eles já há décadas” (1996:252)154.

152Trecho da p. 1.104 do processo administrativo 54160.003690/2004-87, referente a exordial do processo

34.136.03.2010.4.01.3300

153 Eles se referem ao livro CARVALHO, José Jorge de; OLIVEIRA, Siglia Zambrotti Doria; OLIVEIRA

JUNIOR, Adolfo Neves de. O quilombo do Rio das Rãs: histórias, tradições, lutas. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1996.

154 Trechos do aditamento da exordial do processo 34.136.03.2010.4.01.3300. Consulta realizada no dia

Muito embora a exordial tenha sido apenas subscrita pelos advogados supracitados, avalio que, pela simples leitura dos argumentos trazidos à baila e pela citação acima, essa peça contestatória tenha sido provavelmente escrita com o auxílio de algum/a historiador/a. Assim como na contestação administrativa, a estratégia narrativa da exordial foi de tentar convencer o Poder Judiciário de que a História é a ciência mais autorizada e capacitada para tratar do tema dos quilombos no Brasil e que a Antropologia estaria negligenciando as mudanças recentes da historiografia e seria pouco afeita à interdisciplinaridade.

O Juiz Federal Felipe Aquino Pessôa de Oliveira, em sentença proferida em 30 de setembro de 2016, julgou a ação improcedente, extinguindo-a com resolução do mérito. Segue trecho da sentença:

Quanto ao processo administrativo nº 54160.003690/2004-87, que tramita no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pela denominada “Comunidade de Barra (sic) do Parateca e Pau D’Arco”, envolvendo o estudo do imóvel rural dos autores, entendo que, se é certo que o Poder Judiciário não pode eximir-se da apreciação de qualquer lesão ou ameaça de direito, certo também é que quanto aos atos administrativos em geral a apreciação por ele limita-se à sua legalidade, sendo-lhe vedado pronunciar-se sobre sua conveniência, oportunidade ou eficiência, ou seja, sobre o mérito administrativo.

A legitimidade de eventual desapropriação do imóvel rural de propriedade dos autores para assentamento de comunidade quilombola tem seus limites traçados primariamente pelo art. 68, do ADCT, que assegura aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras o reconhecimento da propriedade definitiva, com emissão pelo Estado dos títulos respectivos, e também pelo Decreto nº 4.887/03. A petição inicial não aponta e não se visualiza da análise dos documentos acostados aos autos qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade a ser combatida por este Juízo, observando-se o devido e regular procedimento legal.

A doutrina administrativa ensina que a desapropriação é ato próprio da soberania estatal. A natureza discricionária do procedimento de desapropriação, orientada pelos critérios da conveniência e oportunidade, permite à Administração a prática de atos para atender ao interesse público. O expropriante está autorizado a promover a desapropriação, desde que cumpridas todas as condições para tanto.

Assim, a improcedência do feito é medida que se impõe necessária155. Os autores impetraram embargos da declaração alegando que, na sentença, o Juiz não se pronunciou sobre a questão ambiental (a área da RPPN) e acerca da (in)existência de comunidade quilombola na localidade, entre outros itens. O juiz, então, determinou a realização de inspeção judicial para averiguação dessas questões, que fora realizada em 22 de agosto de 2017, com a presença próprio juiz e de representantes da PGR, do ICMBio, do INCRA, da FCP e dos proprietários dos imóveis rurais. Após a inspeção, o processo aguarda nova decisão judicial. Este é um exemplo de como a morosidade do Poder Judiciário brasileiro prejudica as comunidades quilombolas.

2.2.2 Repercussões do relatório na esfera acadêmica e/ou na formação profissional

O relatório de Parateca e Pau D’Darco foi elaborado no âmbito do convênio INCRA/FAPEX/UFBA/UNEB/RTID, e deu origem a mais outros 04 (quatro) relatórios. Da parte do INCRA, este convênio possibilitou as condições técnico-científicas, financeiras e logísticas para a autarquia agrária dar seguimento aos processos administrativos. Da parte das Universidades envolvidas (UFBA e UNEB) deu-se suporte

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