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A metodologia qualitativa e a técnica da entrevista

Como processo da pesquisa ou estratégia de pesquisa, foi eleita a abordagem fenomenológica ou abordagem de teor qualitativo, atendendo ao caráter subjetivo do fenómeno em estudo, uma vez que análise se refere a sentimentos e emoções, esta abordagem foi considerada a mais adequada ao estudo, e, no mesmo sentido, este processo permite um acesso mais profundo à temática do trabalho emocional.

A pesquisa qualitativa “começa com pressupostos, uma visão de mundo, o possível uso de uma lente teórica, e o estudo de problemas de pesquisa indagando o significado que indivíduos ou grupos atribuem a um problema social ou humano” (Creswell, 2007, p.37). Segundo as explicações de Denzin e Lincoln (2000) a pesquisa qualitativa “consiste num conjunto de práticas interpretativas (…) que tornam o mundo visível.” De acordo com estes autores, estas práticas transformam o mundo numa série de “representações e podem incluir vários instrumentos de recolha de dados como observação participantes e diários de campo, entrevistas, fotografias, gravações e memorandos individuais. Neste nível, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem interpretativa e naturalista do mundo. Isto significa que os pesquisadores qualitativos estudam os fenómenos nos seus ambientes naturais, tentando que façam sentido ou interpretando-os em termos dos significados que as pessoas lhes conferem” (Denzin & Lincoln, 2000, p.3).

Creswell (2007) refere que as investigações qualitativas são escolhidas quando existe um problema ou questão relativamente pouco explorado, quando é essencial examinar um grupo ou população e ouvir os seus contributos, que muitas vezes são ignorados, ou quando é fundamental entender uma determinada questão minuciosamente e que só pode ser compreendida diretamente com os indivíduos e ouvindo os seus contributos e relatos reais, ou seja, recorrendo ao diálogo da entrevista.

Fraser e Gondim (2004, p.146) especificam que a abordagem qualitativa tem a intenção de desvendar as opiniões dos entrevistados acerca de uma determinada temática, mas, para além disso,

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almeja compreender “as motivações, os significados e os valores que sustentam as opiniões e as visões de mundo”. Este fomentar de diálogo com o entrevistado e compreensão da sua perspetiva é conseguida através do direcionamento da conversa de forma aberta, deixando espaço para o entrevistado expor a sua perspetiva e o surgimento de novos assuntos relativos à pesquisa (Fraser & Gondim, 2004).

Dentro da abordagem fenomenológica, e num paradigma interpretativo, a técnica da entrevista em profundidade surge como a técnica de recolha de dados mais habitual. Segundo Haguette (1987), a entrevista é definida como um processo de interação social entre o entrevistador e o entrevistado e cujo objetivo é a “obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado” (Haguette, 1987, p.75).

De acordo com Fraser e Gondim (2004, p.140), a entrevista como técnica qualitativa detém duas principais vantagens, a saber: (1) o auxílio na comunicação e relação entre o entrevistador e o entrevistado, o que vai “permitir uma melhor compreensão dos significados, dos valores e das opiniões dos atores sociais a respeito de situações e vivências pessoais”; (2) a flexibilidade no decorrer da pesquisa, e na posterior avaliação de resultados, isto porque o entrevistado intervém em todo processo de interpretação e construção do trabalho do entrevistador/pesquisador.

Pardal e Correia (1995) explicitam que a entrevista semiestruturada é aquela com maior flexibilidade em termos de aplicação, sendo que o diálogo entre entrevistado-entrevistador deve ser dirigido fluidamente com o decorrer natural da conversa. Ou seja, através da pesquisa analítica na entrevista é possível atingir uma compreensão mais aprofundada do fenómeno em análise e de tudo aquilo que se encontra à sua volta, resultado de uma partilha constante das opiniões e informações entre o entrevistado e o entrevistador/pesquisador.

A modalidade utilizada nesta investigação foi a entrevista semidirecta presencial uma vez que o entrevistado e o entrevistador se encontraram face a face e existiram trocas verbais, quer para perguntas como para respostas. Adicionalmente, foi possível observar a linguagem não verbal, tais como pausas e silêncios, movimentos corporais, alterações no volume e tom de voz, bem como as variadas reações faciais inerentes à conversa ocorrida (Fraser & Gondim, 2004).

De acordo com Bell (1997) a adaptabilidade é uma grande vantagem associada à entrevista. Um entrevistador bem treinado consegue conduzir a entrevista para os tópicos relevantes, e explorar determinadas ideias, ou mesmo compreender os motivos e os sentimentos do entrevistado sobre o fenómeno em estudo, coisa que o inquérito nunca poderá fazer. A forma como determinada resposta é dada (o tom de voz, a expressão facial, a hesitação, entre outros aspetos) pode fornecer informações que uma resposta escrita nunca revelaria” (Bell, 1997, pp.118-119).

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Neste estudo foi utilizada uma entrevista semiestruturada cujo guião pode ser consultado no Anexo I. O objetivo da utilização da entrevista semiestruturada foi, neste caso, que os enfermeiros pudessem refletir acerca daqueles que são os seus procedimentos, práticas e emoções diárias de forma a conseguir identificar e descrever o seu trabalho emocional.

As questões que são colocadas ao longo da entrevista devem estar sob total compreensão do entrevistador, que é habitualmente o investigador, para que o mesmo possa direcionar o processo da entrevista de forma eficaz. Para haver uma gestão eficaz da entrevista é necessário que o entrevistador saiba como dirigir a entrevista para os temas que lhe interessam. Assim, o entrevistador deve estar ciente da relação de confiança a estabelecer com o seu interlocutor /a e utilizar isso em prol da sua investigação, pelo esclarecer de dúvidas e questões ao entrevistado, deixando claro o objetivo da pesquisa e a utilização que será feita da informação obtida (Legard, Keegan & Ward, 2003). O entrevistador deve assim ter a capacidade de ouvir atentamente o entrevistado e compreender as suas respostas e explicações; seguir uma lógica de pensamento na formulação de questões e ter boa memória para conduzir a entrevista e retomar a pontos chaves desta.

Segundo Fraser e Gondim (2004, p.147), relativamente à escolha dos entrevistados, é importante não direcionar a procura dos mesmos apenas com o intuito de superar um determinado patamar numérico, uma vez que a importância está no alcance de diferentes ângulos e perspetivas por parte do entrevistado. O número de entrevistas deve ser pensado de acordo com “os objetivos da pesquisa, os diferentes ambientes a serem considerados e, principalmente, a possibilidade de saturação do tema”. No decorrer desta investigação foram realizadas 21 entrevistas em profundidade a enfermeiros de diferentes serviços e organizações, pois o objetivo não foi generalizar os resultados, mas, sim, compreender em profundidade o fenómeno em contextos distintos.

Existe um conjunto de etapas estipulados por Legard e colegas (2003) que devem ser seguidas ao longo da entrevista. Neste estudo, procurou-se respeitar as etapas propostas pelos autores, a saber:

1. Chegada: desde o momento que o entrevistador se encontra com o entrevistado é iniciado o processo da entrevista, onde é necessário estabelecer desde logo uma ligação com o entrevistado e deixá-lo o mais à vontade possível.

2. Introdução da investigação: é neste ponto que o entrevistador deve apresentar o seu tema de investigação, referenciando a confidencialidade e pedindo consentimento para a gravação da entrevista.

3. Início da entrevista: as perguntas iniciais são importantes para contextualizar a pesquisa bem como para formular perguntas posteriores ao entrevistado.

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4. Durante a entrevista: nesta etapa o entrevistador deve conduzir o entrevistado pelas perguntas que elaborou, bem como por aquelas que surgem no decorrer da conversa. É daqui que resultam as ideias, reflexões, emoções e sentimentos que numa situação do quotidiano não aconteceria.

5. Término da entrevista: o entrevistador pode perto do término da entrevista, indicar ao entrevistado que a mesma se encontra perto do final. É também nesta fase que o entrevistador procura falar sobre assuntos que ficaram por abordar.

6. Após a entrevista: após a paragem da gravação, o entrevistador deve agradecer ao entrevistado e refletir acerca de como a sua contribuição poderá ajudar no estudo. Deve responder a perguntas feitas pelo entrevistado ou dar qualquer informação que seja solicitada e garantir mais uma vez a confidencialidade.

Segundo Legard e colegas (2003) o local de realização das entrevistas deve ser deixado ao critério do entrevistado, como foi o caso deste estudo, e o ambiente do local deve ser tranquilo e sem distrações. Neste estudo, as entrevistas foram realizadas no local de trabalho do entrevistado, num café com zona para estudo, na universidade, e, ainda, na residência privada tanto do entrevistado como do entrevistador, sempre respeitando a vontade dos entrevistados quanto ao local de realização.

É importante que a gravação da entrevista seja feita em áudio para que o entrevistador tome poucas ou nenhumas notas no decorrer desta e possa colocar toda a sua atenção no que o entrevistado expõe. Desde que assegurada a confidencialidade e obtido o consentimento para a gravação, raras são as vezes em que os entrevistados se recusam a serem gravados para posteriormente se proceder à transcrição da mesma (Legard et al., 2003). No presente estudo, as gravações de áudio foram feitas com o telemóvel da própria entrevistadora e nenhum dos entrevistados demonstrou reticência na utilização deste método de gravação

Após a realização das entrevistas, e transcrição destas, prosseguiu-se para a última etapa da parte empírica do estudo e que diz respeito à codificação e análise da informação obtida, isto é, dos dados empíricos. Neste estudo, optou-se por realizar uma análise temática de conteúdo. De acordo com Quivy e Campenhoudt (1998), a análise temática de conteúdo pode é adequada para as entrevistas em profundidade. Este método de recolha de dados “oferece a possibilidade de tratar de forma metódica informações e testemunhos que apresentam um certo grau de profundidade e de complexidade” (Quivy & Campenhoudt, 1998, p.227).

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