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Expectativas Sociais Associadas ao Profissional de Enfermagem

3.3 Conceito de Trabalho Emocional

3.3.3 Expectativas Sociais Associadas ao Profissional de Enfermagem

Face às diversas exigências de trabalho emocional requeridas ao profissional de enfermagem, um tema que sobressaiu nas entrevistas refere-se ao modo como aquele vivencia o seu trabalho e que ele exiba em termos emocionais. É opinião unânime de todos os entrevistados de que existe um modelo pré-concebido de comportamento para o Profissional de Enfermagem: o enfermeiro é um profissional que deve ser empático, atencioso, e atender a todas as necessidades do paciente e/ou familiares, sem nunca revelar estados emocionais disruptivos. Em suma, deve ser um modelo de papel nos cuidados a prestar ao utente. Eis como é descrito o profissional de enfermagem pelos próprios:

“Sim…não tenho dúvidas que para a sociedade, em geral, um profissional de enfermagem tem de ser um exemplo… quer no comportamento, assim como na postura... Eu penso que o enfermeiro é visto como um cuidador… uma pessoa simpática, carinhosa, que se envolve com o utente e com a família, prestando os seus cuidados e demonstrando o seu apoio emocional… Acho que tudo que fuja do padrão visto como correto já não é adequado para um profissional que cuida de um doente…Não sei se isto deveria ser assim, mas penso que isto é a realidade que eu sinto…a verdade é que nós somos seres humanos não perfeitos, e errantes como qualquer pessoa normal no mundo… Mas quando se trata da saúde que é algo tão estimado por todos…as pessoas tornam-se menos tolerantes com comportamentos que numa outra situação ou contexto seriam vistos como

normais.” (Enfermeira 1)

“Eu acho que as pessoas veem o profissional de enfermagem como muitas vezes uma pessoa fria que não tem emoções. E eu acho que isso não é verdade, já tive situações um pouco desagradáveis, posso falar assim de um caso concreto, eu tive o meu pai numa situação muito complicada em termos de saúde e lembro-me que chorei na frente de uma familiar minha e ela respondeu-me que eu não podia estar a chorar porque eu era enfermeira e os enfermeiros não podem chorar e não podem ficar daquela maneira. E eu disse-lhe “mas eu sou enfermeira mas eu também sou uma pessoa”, eu também sou humana e também tenho emoções… eu acho que dentro da profissão em si, nos meus colegas, nenhum se vê a si próprio como uma pessoa fria ou como uma pessoa muito controlada emocionalmente, todos nós temos os nosso dias e todos nós compreendemos isso. Eu estou muito à

vontade para chorar se precisar no meu serviço e nas situações em que assim for.” (Enfermeira 5)

“Sim, acho que há um modelo de submissão, ou seja, a instituição de trabalho e até as próprias pessoas que recorrem a essa instituição esperam do enfermeiro uma maneira de atuar que se coadune com a sua própria maneira de agir e lidar com diversas situações, mas esquecem-se que para lidar com diferentes tipos de pessoas, por vezes, não há um fio condutor, por vezes, adulteramos até a nossa forma de ser para nos protegermos

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“[O] Enfermeiro tem de ser uma máquina, tem que ser capaz de fazer e saber tudo, sobre todos os assuntos. Tem que fazer telefonemas, resolver situações sociais e familiares, entre outros... nós mesmos a partir do momento em que o fazemos, bem feito, e resolvemos as situações, pomo-nos nesse papel porque queremos.” (Enfermeira 21)

Porém, um grande número de entrevistados refere que nem sempre essas expectativas sociais são correspondidas na prática profissional, nomeadamente quando se lida com a componente emocional da função. Pelo menos metade dos entrevistados, acredita que enquanto enfermeiro/a, é impossível corresponder a todas as expectativas sociais quanto à exibição de comportamentos emocionalmente adequados:

“Acho que não há nenhum modelo para nos comportarmos emocionalmente. Acho que, no fundo, cada pessoa tenta lidar com as emoções à sua maneira… claro que temos algumas condutas sociais…acho que as pessoas esperam de nós, por sermos enfermeiros, que sejamos sempre amáveis, que estejamos sempre disponíveis para ouvir, que estejamos sempre ao lado da cadeira para ouvir e satisfazer todas as necessidades e até para antever as necessidades das pessoas… No fundo isso também é a nossa essência, mas às vezes não estamos 100% lá porque também temos outras tarefas para fazer e, às vezes, também emocionalmente não estamos 100% capazes para estar lá, muitas vezes até estamos lá mas não estamos… estamos a ouvir mas não estamos a

prestar tanta atenção. ” (Enfermeiro 2)

“Não acho que haja modelos. Acho que cada um de nós é único e lida com as diversas situações à sua maneira, de acordo com as suas experiências e modo de ser… Eu sou enfermeira, mas acima de tudo sou um ser humano, que também tem sentimentos e, cada um de nós, lida com as emoções como acha correto, não seguindo

modelos.” (Enfermeira 3)

“Eu não penso que haja um modelo de como um enfermeiro se deve comportar emocionalmente. Cada um de nós tem a sua forma de interagir com o doente e realizar os cuidados, que também advém muito da personalidade do enfermeiro. Contudo, existe uma ideia de que o enfermeiro tem que ser um profissional extremamente empático e com capacidade de criar uma forte relação emocional e terapêutica com todo o tipo de doentes, sempre prestável, sempre disponível, sempre bem-disposto. Com as exigências do nosso trabalho é

quase impossível sermos assim 24 horas por dia.” (Enfermeira 20)

Tabela 25: Imagens Sociais Associadas ao Profissional de Enfermagem

Menções Subcategorias

4 Enfermeiro como prestador de apoio emocional

4 Enfermeiro como alguém empático (e.g. amável, sempre disponível para ouvir, e satisfazer todas as necessidades)

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3 Enfermeiro como alguém que age mecanicamente e de forma fria e emocionalmente distante

1 Enfermeiro como alguém corajoso

Um tema muito explorado pelos enfermeiros foi assim a questão das imagens e expetativas sociais associadas ao profissional de enfermagem, quer na ótica dos utentes, família, chefia, e sociedade em geral.

A este respeito, 4 enfermeiros contam que muitas vezes são vistos como prestadores de apoio emocional:

“…Uma vez que trabalhamos com pessoas doentes, ou seja, que emocionalmente não estão bem… isso

exige uma sensibilidade acrescida que o utente e a família esperam de nós.” (Enfermeira 15)

“…o enfermeiro tem de ser aquela pessoa bem-comportada e muito querido” (Enfermeira 3)

Outros 4 fazem alusão ao enfermeiro como alguém empático, amável, sempre disponível para ouvir e satisfazer todas as necessidades:

“…independentemente de como esteja a organização do nosso trabalho, é sempre obrigatório para as famílias estarmos dispostos a ouvir tudo…mesmo por vezes assuntos que nada tem a ver com o doente…ou processo de doença.” (Enfermeira 12)

“O enfermeiro para além de ser um cuidador exímio… tem e deve…satisfazer todas as necessidades do utente…esta é a mentalidade…e não pode errar… Senão o utente, a família e às vezes as visitas cobram-nos tudo…é triste.” (Enfermeira 18)

Outros dois enfermeiros referem que o enfermeiro é visto como alguém que humaniza os cuidados a prestar ao doente pela demonstração de afetividade quando este se encontra em situações de grande fragilidade:

“…Como disse anteriormente, o nosso trabalho envolve contacto físico e emocional com o utente… na minha prática procuro ter sempre os mais nobres sentimentos, em especial, o amor, o carinho, a partilha, a solidariedade, a compaixão, tentando fazer do cuidar em enfermagem algo especial… algo verdadeiro e indispensável…” (Enfermeira 1)

“…Vendo a diferença que fazemos no próprio utente, isso faz-me sentir útil, e faz o utente sentir o mesmo, que pode e consegue ultrapassar as diferentes fases da doença, até à cura. Por exemplo, encontrando estratégias para que um utente após AVC consiga aprender a comunicar e vê-lo a pô-las em prática.” (Enfermeira 4)

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Adicionalmente, em termos de imagens sociais negativas sobre o enfermeiro, alguns deles (3) referem o facto de o profissional ser, por vezes, injustamente retratado como alguém frio e emocionalmente distante:

“…a sociedade vê os enfermeiros como máquinas…são seres humanos que têm de ser perfeitos, não podem errar e têm de se comportar sempre de forma exemplar.” (Enfermeiro 21)

“…Fico triste quando alguns doentes me dizem: “tem colegas carniceiros, deviam é fazer-lhes isso a eles…nem querem saber dos doentes.”… Lamento…porque conheço a minha equipa e sei que são excecionais…e que se demonstram alguma frieza é porque tem de ser. Recordo-me de um jovem que fez o mesmo comentário…e o que aconteceu foi que ele tinha de ser entubado, colocar uma sonda naso-gástrica para drenar conteúdo do estômago, se o colega não lhe fizesse esse procedimento ele ia vomitar fezes…eu não estive presente…por isso não posso falar…mas de certeza que seria muito mais desagradável para o jovem ver-se a vomitar conteúdo fecaloide em frente das visitas, namorada e desconhecidos…o colega se agiu assim foi para o proteger de sentimentos de

vergonha e tristeza…” (Enfermeira 5)

Finalmente, 1 entrevistado refere o enfermeiro como alguém corajoso,

“…. Considero-me uma pessoa boa, humilde e corajosa…e acho que é mesmo preciso ter estas características,

para ser um bom profissional.” (Enfermeira 14)