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1.3 A transposição da cultura no espaço

1.3.2 A migração como fator de difusão cultural

Migrar significa deslocar-se e pressupõe movimento e mudança. Ao longo da história evolutiva, o homem, desde os tempos primitivos, tem experimentado esta mobilidade. E, assim, contribuído para a expansão da área habitável, bem como para o efetivo conhecimento da superfície terrestre.

Na concepção de Sorre (1984) a pertinência da temática migração para a Geografia deve-se ao fato dessa envolver o homem e suas obras sobre a terra. Além disso, o autor enfatiza que para o geógrafo as migrações devem ser a expressão da mobilidade do ecúmeno3.

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O ecúmeno associa as idéias de espaço e de ocupação deste pelo homem, com ênfase para sua fixação e estabilidade. (SORRE, 1984).

A Geografia, pelo viés cultural, tem na temática migração o fator chave para explicar a organização do espaço pelos grupos culturais, através da interação sociedade-natureza.

Sob este ponto de vista, a migração se constitui num fator de difusão cultural, cujo movimento explica a presença de culturas semelhantes em espaços diferentes, ou também, de culturas distintas ocupando um espaço contíguo. Por conseguinte, ambas organizando-os de forma singular de acordo com suas aptidões culturais.

Obviamente, o processo migratório é bastante complexo e envolve algumas forças atuantes, dentre as quais destaca-se o fator expulsão. As circunstâncias pelas quais um grupo social migra de seu espaço de origem em busca de outro, espontaneamente ou não, originam um centro de irradiação cultural. Tal situação explica a presença de culturas semelhantes em espaços diferentes.

De maneira geral, as migrações pressupõem perda de vínculo territorial e, também, um processo de adaptação frente à nova realidade que se propõe. Ao sair do espaço vivido, o grupo social leva consigo a “herança cultural”, os hábitos os valores e os costumes. Entretanto, ocorre uma brusca ruptura no que se refere ao elo afetivo desenvolvido entre a cultura e o espaço ao longo do tempo.

Partindo deste pressuposto pode-se transpor no espaço os códigos culturais que permeiam um grupo social e, materializá-los novamente em outro espaço, distinto do original, configurando situações peculiares. Sabe-se que, toda mudança espacial acarreta algumas transformações, pois no Globo há inúmeras combinações de elementos naturais e humanos que originam paisagens distintas.

Neste sentido, quando uma parcela significativa de uma comunidade sai de seu território, leva consigo a cultura como uma herança, onde os valores e crenças orientam suas ações. E, durante a (re) adaptação ao novo espaço, materializam a cultura neste cuja visibilidade se expressa através dos códigos culturais.

De acordo com Claval (1999, p. 159) “... os materiais mudam de um lugar para outro”. Assim, torna-se necessário que alguns códigos transformem-se, principalmente, aqueles que enfrentam maiores dificuldades para se manterem ativos. O “novo” espaço requer, então, ajustes culturais para que o grupo possa se adaptar.

Para Cuche (2002) a partir do momento em que há migração, a parcela populacional que sai do país de origem terá evolução diferenciada, pois não mais faz parte da evolução cultural natural deste. Estão sempre defasados da cultura que se

estabelece após sua partida, bem como recebem influência da cultura do país que os recebe.

Há então, transformações no legado cultural e, consequentemente, o desenvolvimento de forma diferenciada, em alguns aspectos da parcela populacional que permaneceu no espaço de origem.

A partir do momento em que há descontinuidade espacial, a combinação sociedade-espaço-tempo gera níveis de desenvolvimento culturais desiguais. Assim sendo, alguns códigos permanecem iguais enquanto outros evoluem de forma diferenciada.

Como exemplo, tem-se os imigrantes europeus que vieram colonizar o Rio Grande do Sul e, que inicialmente organizaram o espaço gaúcho mediante as orientações de sua cultura original, dotando a paisagem de características culturais singulares. Entretanto, há de se considerar que, a combinação cultura-espaço-tempo experimentou modificações em alguns códigos, impostas pela necessidade de (re) construção do espaço social.

Iniciou-se um desenvolvimento cultural diferenciado no que se refere a alguns “traços”, entre os imigrantes que colonizaram o Estado e a comunidade que permaneceu no espaço de origem, embora guardem inúmeras características comuns. Estas, oriundas da mesma gênese cultural.

Em geral, a dinâmica evolutiva da cultura, que não migrou segue o curso desenvolvimentista normal. Mas, sem o excedente populacional que antes do processo migratório gerava conflitos. Neste caso, a migração, funciona como regulador social, pois expele o excesso da população.

Referindo aos fatores que levam a migração e a mobilidade de apenas uma parcela da população, Sorre (1984, p. 130-131) assinala que

Quando o equilíbrio entre os recursos de uma comunidade e suas necessidades é rompido, ou mesmo quando ameaça romper-se, essa comunidade pode ser abandonada por uma parcela, algumas vezes pela maioria de seus membros, que parte para agregar-se a outro habitat ou fundar um novo. O habitat original é, algumas vezes, totalmente abandonado. As migrações têm caráter definitivo. A mobilidade, que se manifestou sob pressão das necessidades, desaparece com a constituição do novo habitat, podendo ressurgir se este novo habitat não atender as esperanças dos migrantes.

Tal situação, explica a dinâmica dos fluxos migratórios que ocorreram em determinados períodos da história evolutivas das sociedades e, também, a presença de diversas etnias compondo nações.

A inserção de etnias, via processo migratório, permite transpor os códigos que permeiam um grupo social no espaço e materializá-los novamente em outro, distinto do original. Para Claval (1999) a cultura tem que ser marcante o suficiente para suplantar a transposição no espaço e manter-se “viva”. Caso contrário tende a se diluir e assumir outra.

Justifica-se essa afirmação pelo fato da cultura acompanhar o indivíduo. O homem, enquanto ser cultural é responsável pela construção e manutenção da cultura, sendo que a mesma orienta suas ações.

Resgata-se novamente Cuche (2002, p. 230) quando o autor enfatiza que

Apenas o que reforça a representação dominante de suas culturas será observado nos sistemas culturais próprios dos imigrantes. Isto é, os aspectos mais visíveis e mais surpreendentes. Serão destacadas as “tradições”, os “costumes”, os “traços culturais” mais “exóticos” (...). A “cultura dos imigrantes” é definida a partir de toda uma série de sinais exteriores (práticas alimentares, religiosas, sociais, etc.) cujo significado profundo ou coerência não são compreendidos, mas que permitem situar o imigrante enquanto imigrante, lembrar suas origens.

A diferença é a “marca cultural” dos imigrantes. Pois, no momento da chegada, ainda estão impregnados da cultura de origem. Não manifestou-se ainda “a evolução diferenciada” e a integração com costumes diferentes.

Ao longo do tempo dificuldades serão impostas originando a necessidade de mudanças que orientem soluções. Assim, surgem as inovações. É mediante as dificuldades que as mesmas emergem como um instrumento eficaz de ajuste social. Torna-se necessário, muitas vezes, alterar alguns aspectos para (re)adaptar o grupo social ao meio.

Sabe-se que, a mudança é inerente ao curso evolutivo do ser humano, faz parte da dinâmica social mediada pelas inovações tecnológicas desenvolvidas pelas distintas sociedades como forma de adaptar-se ao meio e deste retirar os subsídios necessários para sua sobrevivência via tecnologias desenvolvidas pelas distintas sociedades como forma de melhor adaptar-se ao mesmo.

Neste sentido, as condições extremas impostas pelas migrações, principalmente no que diz respeito ao fator reconstrução sócio-espacial, acelera o caráter evolutivo da cultura, pois impõe obstáculos a serem transpostos. E, a superação destes, em geral, ocorre mediante transformações de alguns aspectos culturais, ou seja, modificam-se os códigos para que ocorra a adaptação.

A adaptação permitirá a permanência do grupo social no novo espaço a ser construído, pois ocorrerá o arraigamento do homem ao território. Criar-se-á, então, laços afetivos com o meio, configurando uma topofilia pelos lugares onde a cultura encontra-se impressa na paisagem, via códigos culturais. Tal situação permitirá ao grupo identificar-se novamente sobre uma base espacial e ser identificado pelos demais grupos sociais do seu entorno.

Os imigrantes passam pela fase de inserção, a qual é marcada pela necessidade de adaptação, onde a reconstrução é um processo constante e, (re)iniciam o curso normal de desenvolvimento em outro espaço, que constituir-se-á, a partir deste momento no seu espaço de referência.

De maneira geral, a migração ocorre em determinados períodos históricos motivada por diversos fatores, dentre os quais detacam-se as crises econômicas e sociais, além do fator expulsão via conflitos étnicos que, muitas vezes, originam guerras. Portanto, a permanência é uma questão de tempo para algumas sociedades, pois o curso evolutivo natural das sociedades impõe a necessidade da mobilidade espacial.

No que se refere à questão da permanência e da mobilidade, Sorre (1984, p. 128) salienta que

A impressão de permanência proporcionada pela análise dos complexos geográficos organizados ao redor do homem e pela busca das razões de seu arraigamento, de sua localização é, em larga medida, uma ilusão. Descrevemos uma imagem geográfica que só tem duração em nossa memória, ela pertence ao passado no momento mesmo em que a decompomos em traços (...) A paisagem humana compõe-se de elementos de todas as idades, trazidos por povos cujas lembranças nem sempre foram conservadas pela história. Assim, o quadro aparentemente mais estável é apenas uma imagem mista e fugidia. O movimento surge como uma única realidade, a permanência como ilusão causada pela mobilidade atenuada, imperceptível...

A permanência reflete a interação com o meio, a sua adaptação e transformação. Justifica a presença efetiva dos grupos sociais sobre uma base espacial em determinados momentos históricos. Já, a mobilidade surge quando a permanência torna-se insustentável para uma população ou parte desta. Constitui- se, justamente, na busca pela estabilidade, ou seja, pela adaptação que leve à permanência do grupo social num determinado espaço, o qual lhe proporcione oportunidades de desenvolvimento e crescimento socioeconômico e cultural.

Atualmente, a globalização tem se constituído num fator determinante para as migrações, pois observam-se fluxos em direção a determinadas porções do espaço terrestre, as quais detém as melhores oportunidades, principalmente, no que se refere a questão econômica.

Demonstrando a influência da globalização na migração, Woodward (2000, p.21), diz que “A migração dos trabalhadores não é, obviamente, nova, mas a globalização está estreitamente associada à aceleração da migração”.

Tal situação deve-se à maior integração entre as diversas partes do Globo, principalmente, a divulgação destas pela mídia de forma geral. Há a tendência de homogeneização promovida pela “construção” de uma imagem global, que na verdade é utópica. A integração pretendida não se realiza completamente, uma vez que a tendência à homogeneização acaba por ressaltar as singularidades.

A movimentação produzida pelo processo de globalização, produz comunidades com identidades culturais diversificadas, onde configuram-se duas situações: caso o grupo social se mantenha unido sobre uma base espacial contígua, conseguem preservar os códigos que a identificam. Caso não se mantenha unido, ocorre à inserção do grupo numa comunidade maior e com características culturais mais marcantes, acarretando o processo de dispersão no interior desta, ou seja, é englobado e, portanto, pode assimilar outros códigos culturais, enfraquecendo, desta forma, sua identidade cultural.

Neste contexto, a globalização ao incentivar o processo migratório impõe desafios às culturas no que se refere à preservação e a manutenção destas. Há uma maior mobilidade e conhecimento da constituição cultural da superfície terrestre, ao mesmo tempo em que a diversidade é posta à prova a partir da tendência a homogeneização de um “estilo de vida” baseado no padrão de consumo capitalista.

O principal fator de resistência ao “padrão global” é, justamente, a diversidade cultural, a qual procura preservar suas características à medida que se impõe o global em detrimento do local. Entretanto, tal fato tem valorizado o local, “o que é diferente” e original.

Neste sentido, a materialização das diferentes culturas no espaço é a responsável pelas inúmeras paisagens existentes no globo e, consequentemente, pela visibilidade da diversidade de “traços” e de códigos culturais, os quais compõem o local.

Para tanto, a migração constitui-se em um fator essencial para a transposição cultural no espaço, ou seja, pela (re)construção dos espaços. Também é responsável pela sua diversificação organizacional. Permitiu ao longo da história evolutiva do homem propagar as culturas e formar novas sociedades, baseadas em distintos códigos culturais, formando nações, regiões e/ou “ilhas” culturais nas mais diversas porções do globo.