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Francisco Soares1

Após uma sucinta revisão das relações intrínsecas entre os vários temas, analisamos a coopera- ção universitária e a transferência de saberes sob o prisma da mobilidade académica. Procuramos localizar e definir problemas concretos, elaborar propostas exequíveis e pontuais, colocando-as à discussão.

O que passa pela abordagem de, pelo menos, alguns pontos: - Política de concessão de vistos

- Harmonizações salariais e equiparação de graus - Conjugação de calendários académicos

- Transporte de bibliografia e suportes de apoio à atividade científica e docente - Exclusivismos e sinergias

- Reciprocidade nas prestações de serviços

Antes de mais devo parabenizar a programação do evento e agradecer a disponibilidade de quem leva até ele as minhas palavras.

A programação do evento está de parabéns desde logo pelo quadrado temático proposto. Os quatro temas estão de tal forma interligados que podemos dizer que estruturam o desenvolvimento do nosso tema comum: a cooperação universitária entre países lusófonos. O que me fez hesitar sobre o item específico onde colocar esta comunicação. Acabei decidindo-me pela mobilidade aca- démica porque me pareceu poder, a partir dela, abordar o que desejava também dizer sobre os outros três temas.

A mobilidade académica entre países lusófonos tem, sem dúvida, crescido nos últimos anos e envolvido quadros cada vez mais diversificados.

O aumento da cooperação universitária põe mais a nu problemas que se vinham colocando há muito tempo a vários de nós. Pretendo enumerar alguns positivamente e criticamente. Sem papas na língua e também sem intuitos destrutivos.

1. Concessão de visto

A dificuldade imediata e mais absurda é a que se prende com a política de concessão de vistos de cada país. É prioritário que os professores universitários possam ter livre-trânsito para se deslo- carem a universidades de outros países lusófonos.

A situação chega a pontos caricatos, em que professores chamados por determinada universi- dade pública ficam a trabalhar sem vistos de trabalho durante vários anos, porque a própria univer- sidade não assume as suas responsabilidades contratuais a esse nível – em face das dificuldades colocadas pela política de concessão de vistos entre membros da CPLP.

Outra situação inadmissível é a de colegas que não chegam a participar de eventos científicos em outros países lusófonos, ou não chegam a realizar investigações financiadas para prazos curtos, por dificuldades na obtenção de vistos atempadamente.

2. Travões burocráticos

A dificuldade na obtenção de vistos faz parte de um quadro mais geral: o da burocratização da vida académica e social, que não poucas vezes inviabiliza ou neutraliza temporariamente ações de cooperação. Precisamos de menos burocracia e de burocracia mais ágil. Aproveito para recordar alguns aspetos:

2.1 Equiparações

É no âmbito desta aspiração que se deve colocar, a meu ver, problemas como os da equivalên- cia ou reconhecimento de estudos dentro da CPLP. Talvez o quadro previsto para o interior da co- munidade europeia possa servir-nos de ponto de partida para a agilização dos reconhecimentos de estudos entre estados lusófonos – e fica a sugestão feita. Mas o reconhecimento, quase automático, de habilitações dentro da CPLP implicará, certamente, uma aproximação nos critérios de aprovação dos currículos de graduação e pós-graduação.

2.2 Titulação comum

Os cursos de dupla ou múltipla titulação constituem um exemplo particular. Por um lado eles resolvem os problemas de equivalência de estudos, e também facilitam a colaboração entre do- centes e a inscrição de docentes em Mestrados e Doutoramentos em outros países lusófonos. Por outro lado são, muitas vezes, promovidos cursos de dupla ou múltipla titulação sem que se atente às realidades de um dos países envolvidos.

Os perigos da instauração desses cursos, que aparentemente constituem uma boa solução, começam por ser dois:

a) A tentação de, simplesmente, transplantar uma dada estrutura curricular para um segundo país – avançando-se assim para um neocolonialismo académico;

b) A tendência para associar a múltipla titulação à lecionação ou coordenação das disciplinas por uma só das universidades proponentes.

É certo que esses perigos podem ser evitados, caso a caso, por atitudes firmes por parte das academias prejudicadas. Mas é também certo que, muitas vezes, o estado de fragilidade dessas

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academias leva à aceitação de condições que, no fundo, criam mal-estar. O que pode ser evitado à partida estabelecendo critérios comuns para a múltipla ou dupla titulação dentro da CPLP. Sendo que as propostas de critérios comuns deviam sair de fóruns como este.

2.3 Equiparações

Intimamente relacionado com os dois aspetos acima está o problema da equiparação de graus entre professores. As diferenças na estrutura de progressão nas carreiras docentes dos países lusófonos criam hesitações, ambiguidades e sustentam maledicências que em nada ajudam ao necessário espírito de colaboração. É preciso ajustar a progressão nas carreiras entre os vários países lusófonos ou, pelo menos, encontrar equivalências automáticas entre graus académicos dos vários países.

O exemplo mais evidente é o das provas de Agregação, inexistentes fora de Portugal com esse nome e as respetivas funções. A progressão na carreira em Angola, para continuar dentro do mesmo exemplo, é muito mais lógica. O trabalho equiparável ao das provas de Agregação é o das provas para Professor Titular. Auferir o salário de Professor Titular e passar a essa categoria por nomeação depende, exclusivamente, da oportunidade aberta pelo governo, pelo ministério (em termos de dis- ponibilidade financeira do Executivo). Mas a aprovação no ‘exame’ semelhante ao da Agregação coloca o professor, academicamente, ao nível de qualquer titular ou catedrático.

2.3.1 Como é evidente, a simplificação do pagamento aos professores em regime de cooperação fica resolvida assim que se harmonizarem os graus académicos dentro da CPLP.

2.4 Transporte de material de apoio

Ainda neste âmbito coloco problemas com transporte de bibliografia e suportes de apoio à atividade científica e docente.

Tendo passado pela experiência de criação de um curso de formação de professores de portu- guês em Angola, pude verificar o quanto é prejudicial a dificuldade criada ao transporte de bibliogra- fia e de outros suportes de apoio – desde instrumentos de trabalho, suportes informáticos, etc.

Penso que a vontade política pode resolver a maioria destes problemas permitindo a cobrança de preços mínimos de custo para transporte de todo o material necessário à docência e à investiga- ção. A transferência de saberes não pode realizar-se cabalmente sem essa facilidade.

A mesma vontade política permitirá resolver alguns problemas aduaneiros que, por vezes, es- cusadamente, são colocados nas fronteiras dos aeroportos.

3. Reciprocidade

As configurações de neocolonialismo académico, de que falei a propósito de cursos de múltipla titulação, prendem-se também com a total ausência de reciprocidade entre academias. Felizmente

vão se começando a notar exceções, de que a abertura conjunta de uma cátedra em Linguística Banto no Brasil pode ser um bom exemplo.

Por defeito – e é mesmo por defeito – a cooperação é vista numa só direção: do país mais desenvolvido para o menos desenvolvido. No entanto, países com universidades e sociedades ainda menos desenvolvidas têm contributos essenciais a dar aos seus ‘protetores’. Isso mesmo acontece ao nível da Linguística Banto, das Filosofias Africanas, da Teoria da Literatura em África – para não fugir das áreas em que trabalho. É sintomático não serem chamados professores africanos, regularmente, para lecionarem estas disciplinas em Universidades portuguesas e brasileiras. Como também é sintomático não haver cursos de dupla ou múltipla titulação nessas áreas, feitos essen- cialmente a partir do contributo africano e a funcionar em universidades portuguesas e brasileiras. Havendo quadros superiores africanos com trabalho investigativo notório, também é de estra- nhar que os quadros superiores das universidades africanas em geral, não coordenem projetos de investigação lusófonos acerca das suas próprias realidades. Faz lembrar aquelas equipas de futebol em que o treinador tem que vir sempre de um país desenvolvido e a ‘massa bruta’ é local…

Sem dúvida que as próprias universidades africanas têm a sua parte de culpa, melhor dito, têm que fazer parte significativa do trabalho conducente à reciprocidade académica. Mas é também conhecido o preconceito silencioso que leva a que estudos como os de Linguística Banto, Literaturas Africanas, Teoria da Literatura, Filosofias Africanas, ou não existam nos currículos portugueses e brasileiros, ou nunca sejam assegurados por académicos africanos fora de África. Falo em académi- cos especificamente convidados para ensinar no âmbito de programas de reciprocidade e de cursos de dupla ou múltipla titulação.

4. Exclusivismo

Prende-se com esse aspeto o problema dos exclusivismos. Refiro-me à tentação totalitária de algumas universidades mais poderosas. A prática, a meu ver amplamente negativa, é a de oferecer préstimos e, em troca, pedir que toda a cooperação se efetue só com a nossa universidade de ori- gem.

Pelas fragilidades de algumas universidades africanas, elas são condicionadas muitas vezes a aceitar o monopólio – ainda que, geralmente, não respeitem essa parte do acordo logo que estejam mais à vontade.

Na verdade, a criação e estimulação de sinergias entre universidades cooperantes pode ser vantajosa para todas as partes. É talvez por isso que, intermitentemente, certos governantes pro- curam coordenar e estimular sinergias entre academias no sentido de evitar a tentação totalitária das universidades dominantes. É pena que tal esforço acabe, muitas vezes, desvirtuado e seja, caracteristicamente, descontinuado.

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Luisa Cerdeira, Sónia Fonseca, Matias Mano, Luciano de Almeida

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