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Fernanda Pontífice1

A mobilidade académica nos dias de hoje, na era da globalização e da comunicação, decorre do facto de que, mais do que nunca, o conhecimento e o saber que se produzem ultrapassam as fronteiras dos espaços onde são produzidos para serem partilhados, divulgados e disseminados em círculos cada vez mais vastos. A existência de circuitos propícios ao intercâmbio do saber e do conhecimento, a actividade de ensino/aprendizagem e a troca de experiências nesses domínios constitui actualmente factor de desenvolvimento do ensino superior e contribui para o reforço dos laços entre as comunidades.

Se não, vejamos:

Para além de permitir aos estudantes melhorar a sua formação, aumentar as suas competên- cias pessoais, adquirir novas competências e novos hábitos de trabalho, a mobilidade propícia a todos quantos nela se envolvem o contacto com novas realidades e com outras culturas, dando-lhes uma mais ampla visão do mundo.

Quanto aos docentes e investigadores, a mobilidade oferece oportunidades de enriquecimento pessoal e profissional, o intercâmbio de experiências e o reforço das suas competências. Além de reforçar o savoir faire entre instituições de ensino superior, a mobilidade constitui, uma das vias para fazer face à carência de recursos humanos, colmatando a eventual falta de docentes num ou outro domínio do saber noutras universidades.

Porque as instituições de ensino superior, mormente as universidades, são espaços não só de saber e conhecimento mas também de valores, explorar e desenvolver cada vez mais as potenciali- dades da mobilidade académica representa uma forma de contribuir para a consolidação do nosso espaço comum, a CPLP na medida em que a criação dum espaço comum pressupõe a necessidade de melhorar o conhecimento mútuo entre os seus membros para que se consolide o sentimento de pertença no seu seio e para que a cooperação e a partilha sejam assumidas como condições essen- ciais para o desenvolvimento de cada um e de todos os membros. Só assim será possível tender-se cada vez mais para a assumpção duma identidade mais vasta, que ultrapassa a identidade nacional fazendo com que, a par da minha identidade nacional, eu assuma também a minha identidade como membro dessa grande comunidade.

Apesar de tudo, se a mobilidade académica tal como ela é hoje entendida, é uma realidade crescente nalguns países da CPLP, outros há em que ainda estamos perante uma realidade muito incipiente.

No caso particular de São Tomé e Príncipe, a avaliar pelo volume, tendências e taxas de partici- pação, os fluxos de mobilidade ainda estão muito aquém do que seria desejável, até porque nesse país o próprio ensino superior é uma realidade muito recente, quando comparado com o caso de universidades muito mais idosas no espaço da CPLP, algumas até com séculos de existência.

Convém referir um tipo de mobilidade, que se intensificou com o advento da Independência nacional e que subsiste nos dias de hoje, embora em menor escala. Por falta de instituições de ensino superior no país e graças à ajuda internacional, sucessivas levas de estudantes são-tomen- ses, foram enviados, ao longo dos tempos, para formação superior nas mais diversas paragens, destacando-se Cuba, a antiga União Soviética, outros países do então chamado Bloco Leste e a Rep. Pop. da China; Portugal, França, Brasil e EUA e, mais recentemente, países como Argélia, Marrocos, Angola, Moçambique, Cabo-Verde e Rep. da China Taiwan, ao abrigo de programas de atribuição de bolsas de estudos.

De igual modo, merecem referência os cursos dirigidos ao nível de licenciatura, proporcionados por Cuba, nos anos 80/90 aos quadros da Administração central do Estado, através de deslocações regulares de docentes cubanos a São Tomé.

Desde 1998, com a instalação do ISP - Instituto Superior Politécnico de São Tomé, que se vem registando alguma mobilidade de docentes e estudantes, ao abrigo de acordos de cooperação e parcerias que têm sido estabelecidas, sobretudo com instituições portuguesas, baseando-se essa mobilidade sobretudo na deslocação de docentes ao ISP a fim de leccionarem módulos em deter- minadas cadeiras, no âmbito dos cursos realizados nesse instituto e troca de experiências com os professores locais. Inscrevem-se nesse caso, a deslocação de professores das universidades de Lisboa, Évora, Algarve e do Instituo Politécnico de Bragança, para citar apenas alguns exemplos. O intercâmbio daí resultante tem constituído um factor determinante na elevação dos índices de quali- dade e de motivação por parte de professores e alunos, nos cursos de Língua Portuguesa, História, Turismo e Engenharia Agronómica, ministrados no ISP.

A mobilidade de estudantes do ISP para efectuarem, quer o complemento de formação que os habilite com uma licenciatura ou cursos de mestrado tem vindo igualmente a ter um impacto assinalável na execução do plano de formação do ISP. De se destacar, neste quadro de mobilidade ainda incipiente, a mobilidade activa que se processa neste momento entre o Instituto Politécnico de Bragança e o ISP, e que prevê a deslocação mensal de quatro professores do IPB a São Tomé a fim de orientarem seminários no âmbito dos quatro mestrados que o IPB realiza neste momento no ISP, nomeadamente, nos domínios de Ensino das Ciências, Educação Ambiental, Qualidade e Segurança Alimentar e Ensino da Leitura e da Escrita.

As vantagens que resultam do facto de esses mestrados serem realizados pela primeira vez em São Tomé e Príncipe, com base na mobilidade de docentes provenientes de outra instituição, são inúmeras e bem evidentes. Desde logo, porque promove a investigação científica e académica que se faz no e sobre o país. Por outro lado, permite a um maior número de participantes o acesso a essa formação, sem que, para tal, tenham que deixar os seus empregos, a família, etc., com todos os encargos acrescidos que isso certamente acarretaria para os próprios e para o país.

A existência da Universidade Lusíada de São Tomé e Príncipe, criada em 2006, não seria pos- sível sem o inestimável apoio das Universidades Lusíada de Portugal desde a primeira hora, apoio esse que cobre diversas áreas e se tem traduzido na deslocação regular de docentes a São Tomé

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e tem permitido não só colmatar as lacunas relacionadas com a carência de recursos humanos competentes em certas áreas do saber como garantir aos estudantes dessa universidade um ensino de qualidade nessas áreas.

Pese embora este registo que dá conta duma evolução positiva da mobilidade em STP, consideramos que ainda muito resta a fazer para que a mobilidade académica seja uma realidade efectiva como seria desejável entre todos os países da CPLP e sobretudo para um pequeno estado insular e ar- quipelágico como São Tomé e Príncipe em que os recursos humanos e financeiros não abundam.

Na verdade, as acções em curso raramente obedecem a políticas claramente delineadas, visan- do objectivos previamente definidos; nem sempre está assegurado o financiamento (integral) das mesmas; nem sempre estão garantidas as condições para que a mobilidade, que praticamente se traduz na deslocação de docentes de uma instituição doadora para uma outra beneficiária, possa de facto contribuir para o crescimento dessa instituição.

Aliás, não foi ainda definida, de forma clara e objectiva, uma política quanto à mobilidade dos estudantes, docentes e investigadores, que permitisse, de certo modo, institucionalizar a mobili- dade académica como estratégia de incremento da formação superior e da investigação. Assim sendo, não existem critérios específicos do que poderão ser as facilidades e os benefícios sociais concedidos às pessoas durante o período de mobilidade, nomeadamente no custo dos transportes, alojamento, participação em actividades de índole cultural etc.

O estádio de desenvolvimento do ensino superior difere de país para país mas, numa comuni- dade que se quer desenvolver como um todo, urge que todos nos esforcemos no sentido de atenuar as profundas disparidades existentes no âmbito do ensino superior. A mobilidade implicaria o recon- hecimento mútuo dos cursos e diplomas, o que só será possível com um verdadeiro empoderamento das instituições de ensino superior que disso precisarem, de modo que a outorga dos diplomas decorra dum percurso académico cuja qualidade e rigor sejam indiscutivelmente reconhecidos.

Sendo o financiamento um dos maiores constrangimentos ao desenvolvimento do ensino su- perior de qualidade, necessário se torna, sobretudo no actual contexto de crise global, o recurso a mecanismos susceptíveis de contribuir para a melhoria da oferta ao nível de pós-graduações, doutoramentos e especializações. A cooperação com organizações ou outros países terceiros fora da comunidade oferece por vezes oportunidades que é necessário saber aproveitar.

E porque não vamos inventar a roda, não valerá a pena desperdiçar recursos se, no que tange ao ensino superior, uma iniciativa não significar uma mais-valia. Se algo está feito e bem feito num dos países, porque não encontrarmos formas de o partilhar sem que o outro tenha de trilhar os mesmos caminhos, com elevados custos e de toda a natureza?

Quem diz mobilidade diz viagens, deslocação dum país para o outro, circulação de país para país, entre países. Assim, uma verdadeira mobilidade pressupõe a existência de mecanismos ten- dentes a facilitar a circulação de pessoas e a reduzir os obstáculos que, é preciso que se reconheça, continuam a dificultar essa mobilidade. Temos de reconhecer que, apesar de alguns progressos nesta matéria, continua a não ser muito fácil o acesso e a circulação no seio da CPLP.

No nosso entender, programas de mobilidade académica no seio de espaços como a União Europeia em que Portugal está envolvido há pelo menos duas décadas, ou no Mercosul de que o Brasil é membro, poderiam inspirar os países da CPLP na criação de programas de mobilidade no seu seio. Poder-se-ia, sob a égide da AULP, esboçar um programa visando a criação de parcerias de

cooperação interinstitucional entre universidades da CPLP quer públicas quer privadas.

E não temos dúvidas de que, graças à sua riqueza, decorrente da multiplicidade e da diversi- dade das instituições que a integram, a AULP pode muito bem desempenhar este papel.

Tema B