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A MOBILIDADE COMO CRITÉRIO DA ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E ESPACIAL

3. A MOBILIDADE URBANA

3.3. A MOBILIDADE COMO CRITÉRIO DA ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E ESPACIAL

O modelo de planejamento urbano obsoleto e irracional da ocupação do espaço no Brasil, somado à má distribuição de riquezas e de benefícios sociais, acentua contradições e conflitos entre a sociedade e o solo urbano. Crescem diariamente a violência e o número de excluídos do progresso, representados, no meio urbano, pela dificuldade ou mesmo impossibilidade de acesso aos serviços básicos como transporte, saneamento ambiental, energia, telefonia, gás e as redes sociais de educação, saúde, habitação.

De acordo com a Social Exclusion Unit (2003), o transporte, reconhecidamente, é um dos indutores da exclusão social e da estratificação espacial, primeiro porque restringe o acesso às atividades que aumentam as oportunidades na vida das pessoas, em todos os aspectos; segundo, porque evidencia as externalidades dele decorrentes, como poluição, acidentes de trânsito dentre outras consequências.

Decorrente do modo de produção capitalista, como visto anteriormente, a estratificação da sociedade segundo classes sociais distintas, que no caso do Brasil é bastante marcante, induziu igualmente à segregação social e espacial das principais cidades brasileiras, como é o caso do Natal/RN. Nesta e em tantas outras cidades do país, o espaço reflete ou reproduz e aprofunda a divisão das classes. A evolução econômica, o acelerado crescimento demográfico urbano, as mudanças sociais e os avanços tecnológicos se reproduziram frequentemente em ritmos que nem sempre foram acompanhados por processos de organização do solo urbano, mas que, por sua vez, produziram déficit de infraestrutura,

de habitações, equipamentos públicos em geral, desequilíbrio e deterioração do espaço urbano (ANGULO; DOMÍNGUEZ, 1991).

Segundo Corrêa (1989), a estratificação espacial representa o processo de desequilíbrio e conflito na ocupação do espaço e é reflexo dos males sociais, induzindo consequentemente à exclusão social. Em termos urbanos, a estratificação espacial resulta da luta pelas melhores localizações e da ação seletiva das classes sociais, especialmente as de maior poder aquisitivo, que buscam agregar-se no mesmo ambiente, distinguindo-se, também, do ponto de vista físico-espacial, das demais classes. Por meio dos movimentos segregacionistas, explicitavam-se as vantagens econômicas, que se revelam em uma boa localização, em melhores oportunidades de emprego e acesso aos serviços urbanos de uma forma geral, além de menor tempo de viagem e menores custos de deslocamentos.

De acordo com Villaça (2007), a estratificação espacial nas cidades ocorreu sob dois modos: voluntário, quando um indivíduo, por sua própria iniciativa, buscou viver com indivíduos de sua classe, e de modo involuntário quando um indivíduo, ou uma família, foi obrigado, pelas mais variadas razões, a morar ou deixar de morar em uma determinada parte da cidade. A segregação involuntária significa a segregação dos excluídos e a luta de classes existente nas esferas sociais. Dessa maneira, a expulsão de uns induziu a inclusão de outros.

Assim, os problemas com o transporte podem ser vistos como uma das maneiras em que mais se evidencia a estratificação social e espacial, revelada, por exemplo, na expansão periférica das cidades através da expulsão gradativa dos mais pobres para áreas mais afastadas do centro. Percebe-se, assim, que o grau de mobilidade está diretamente relacionado ao grau de inserção social. De acordo com o World Bank (2003), o aumento das distâncias, os custos dos transportes, a inexistência de infraestrutura viária, bem como a incapacidade de financiar esses deslocamentos confirmam que há uma relação íntima entre transporte, mobilidade urbana e a estratificação social e espacial. Para a população, a mobilidade urbana representa a possibilidade de uma maior ou menor inclusão social e ao acesso aos serviços urbanos. As pessoas almejam um meio de acessar os locais de obtenção de rendimentos, serviços e outras mercadorias. Portanto, a mobilidade urbana é, talvez, o primeiro passo, ainda que não seja o único, para se ter acesso à saúde, à educação, ao trabalho e ao lazer.

Para Maricato (2009), a estratificação espacial no meio urbano é uma das faces mais representativas da desigualdade social e parte motora desta. De uma lista interminável de problemas de acesso aos serviços e infraestrutura urbana adicionam-se os relativos a menores oportunidades de empregos (mais

68 especificamente o emprego formal), menos oportunidades de profissionalização, maior exposição à violência (marginal e policial), discriminações (racial, contra mulheres e crianças), dificuldade à justiça oficial e ao lazer.

A estratificação espacial é derivada do fato de os moradores de uma cidade serem diferentes e independentes uns dos outros. Assim, na luta por uma posição social e por uma localização conveniente na cidade, tais diferenças e independências contribuem para determinar o espaço que o indivíduo ocupará, de acordo com sua aspiração e possibilidade. A consequência desse processo é a estratificação espacial que se revela, por exemplo, na concentração, dentro de uma mesma área residencial, de indivíduos com padrões socioeconômicos semelhantes, por exemplo, os condomínios fechados. O espaço, dessa forma, representa um importante componente da exclusão social (VILLAÇA, 2001).

Um ponto relevante da relação entre a mobilidade urbana como critério da estratificação social e espacial diz respeito ao tempo e ao dinheiro gastos pela população de menor renda em seus deslocamentos. Em alguns casos, tal população, mesmo morando em áreas afastadas, usa a bicicleta, gastando um tempo de viagem razoável, mas sem se tornar dependente do transporte público para não acrescentar despesas com deslocamentos. De acordo o World Bank (2003), há, ainda, aqueles que, buscando um melhor ambiente de moradia, vivem em localidades distantes dos centros urbanos, tornando-se dependente do transporte e gastando cerca de 25% (vinte e cinco por cento) dos seus rendimentos na realização dessas viagens.

Lima (2001a) defende que a equidade social na área urbana pode refletir o grau de mobilidade urbana dos indivíduos, dada a distribuição espacial das oportunidades na área. Ele ressalta, portanto, que a mobilidade gerada pela combinação da configuração da área urbana com a rede de transporte pode minimizar as desigualdades sociais existentes dentro de uma mesma área. Assim, a estratificação espacial e social apresenta claras relações com a mobilidade, que podem ser medidas não apenas pelas condições de vida da população, senão também pelas relações que esta estabelece com os espaços urbanos, no que se refere à mobilidade.

Tem-se que a estrutura urbana deve atender ao indivíduo nas suas necessidades de deslocamentos. Assim sendo, o conceito de mobilidade apresenta-se de forma mais adequada para medir a equidade espacial e social entre os diferentes grupos populacionais de uma dada área urbana, em particular os estratos de baixa renda, grupo-alvo deste trabalho. A análise do indicador de mobilidade a ser

escolhido pode contribuir para uma política de transporte ou mesmo para uma proposição que melhore a distribuição espacial das atividades urbanas no município do Natal.

Nesse contexto, procurou-se a seguir discorrer um pouco sobre a importância do transporte urbano na qualidade de vida dos moradores na medida em que facilita os deslocamentos aos destinos almejados e contribui para aumentar seu grau de mobilidade dentro da malha urbana e, consequentemente, sua inclusão social dentro da cidade.