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3.1 Florianópolis em 1950

Na década de 1950 Florianópolis era formada por pequenos núcleos urbanos relativamente autônomos, espalhados principalmente no território insular. No distrito sede sua população alcançava pouco mais de 25 mil habitantes15, a maior parte distribuída ao longo de vias historicamente demarcadas a partir da praça matriz. Mesmo que a cidade sentisse nesta época os reflexos de um breve período de desenvolvimento econômico, muitos são os relatos de que o cotidiano local era caracterizado por um ambiente urbano pouco dinâmico e ruidoso.

Ao sintonizar a Rádio Diário da Manhã na segunda metade dos anos 50, os ouvintes de Florianópolis podiam entrar em contato com as crônicas diárias escritas por Osmar Silva e interpretadas por radialistas como Antunes Severo e Gustavo Neves Filho. Irradiados em programas curtos denominados “Janelinha da Ilha” e “A página do dia”, os textos de Osmar Silva tratavam do cotidiano da cidade e apresentavam uma certa imagem da capital de Santa Catarina, com suas “ruas tranqüilas e mal iluminadas, que mergulham cedo no silêncio da noite”. Numa das crônicas, o autor narrava um

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passeio noturno no centro, onde já às nove da noite, próximo ao Teatro Álvaro de Carvalho, a rua “é tão quieta e silenciosa que o perpassar do vento no arvoredo ganha proporções assustadoras”. A praça Getúlio Vargas, “com suas árvores copadas, orgulha- se inutilmente, da maravilhosa fonte luminosa que lhe fica ao centro! Ninguém aparece para admirar-lhe os esguichos coloridos!” (LOHN, 2002, p.26) A inauguração da ponte Hercílio Luz, em 1926, ocorreu no momento em que o porto comercial entrava em decadência. Para TEIXEIRA (2009) este período marca a primeira “modernidade de Florianópolis” onde a nova ponte, junto à construção da Avenida do Saneamento (atual Avenida Hercílio Luz) representaram transformações para a cidade ao configurarem novos eixos de expansão do centro histórico. Abriram-se áreas de construção e de valorização fundiária em uma cidade ainda repleta de chácaras e com uma trama urbana colonial de ruas-beco e lotes estreitos e compridos. Para o autor este primeiro ciclo de modernidade, iniciado em 1930 e tendo como pano de fundo a revolução conduzida por Vargas, se encerraria no final dos anos 1940. Com o fechamento do porto, precipitou- se um novo período de estagnação econômica da capital, que sobrevivia à custa dos comércios e serviços de pequeno porte, de abrangência local.

Tabela 5: Dinâmica demográfica de Florianópolis entre 1810 e 1980

ANO HABITANTES TAXAMÉDIA

ANUAL (%) 18101 5.250 18722 7.919 0,65 19003 13.474 1,62 19404 25.014 1,78 19504 48.264 6,76 19604 72.889 4,35 19704 115.547 4,57 19804 153.547 2,88

Fontes: 1 Paulo Jose Miguel de Brito. Memória política sobre a capitania de Santa Catarina. (Reimpresso em 1932), Sociedade Literária Biblioteca Catarinense.

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Recenseamento geral. Jornal O Conciliador de 17/04/1873, n°59 apud SANTOS (2009, p. 521)

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Censo Demográfico de 1900, apud PELUSO JUNIOR (1991, p. 07)

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Censos Demográficos do Estado de Santa Catarina de 1940, 1950, 1960 e 1970

O primeiro impulso de modernização não ocorreu ao acaso. Autores como LOHN (2002), SANTOS (2009), NECKEL (2003) e SUGAI (1994) cada qual com enfoque específico, apresentam certa convergência ao afirmar o caráter restritivo e elitista de tais transformações. Embora espacialmente seletivas, estas ações influenciaram igualmente mutações em outros campos da vida local: discursos, comportamentos, manifestações culturais e práticas políticas.

Os anos de 1920 e 1930 marcam o início de uma ação incisiva por parte do Estado na dinâmica de ocupação de Florianópolis, seja no plano regulatório (através da criação de instrumentos de gestão e planejamento), seja na estrutura física da cidade, com profundas transformações da paisagem através da realização de obras publicas importantes: a construção de uma nova ponte, a implantação de equipamentos e órgãos públicos, a construção de vias de ligação estruturantes. O plano inicial, de malha urbana em xadrez, foi abandonado. As colinas foram rapidamente ocupadas e transformadas.

“... Há dois annos, seguramente, que Florianópolis se desenvolve de maneira a se transformar de cidade velha que era, em uma Capital elegante e progressista. As construções nestes dois annos, entre edificações novas e reconstruções, atingiram a cento e quarenta prédios, todos de estylo moderníssimo e obdecendo a todos os preceitos e exigências da moderna hygiene”. Também nós progredimos”. (O

Estado, 2 de setembro de 1929, ano XV, número 4.779 apud SANTOS, 2009, p.567).

SANTOS (2009) faz uma leitura da evolução das normas urbanísticas, desde a elaboração do código de posturas municipais de 1845. Se inicialmente o governo municipal passou a publicar normas que buscavam explicitamente o embelezamento da cidade segundo valores exógenos ao lugar, em um segundo momento estas leis passaram a ser justificadas através de argumentos sanitários. Para o autor tais leis serviram, fundamentalmente, para precipitar a institucionalização de uma visão específica de cidade e de processos de seletividade no acesso a determinados setores do espaço urbanizado.

As exigências para construções novas, além de refletirem os desejos e aspirações de uma nova estética, externa, que remetia a riqueza, ao “adiantamento”, também refletiu, um novo patamar da técnica de construir. Normas legais, códigos de posturas e leis de ordenamento urbano ligados a novos conhecimentos incorporados a construção da cidade, profissionais, sanitaristas, engenheiros desempenhavam não só atividades técnicas, mas, à política, gestão e administração pública da cidade. Assim, Influenciaram e governaram o estado, as superintendências, as prefeituras, dirigiram as repartições e inspetorias passaram a incorporar novas burocracias, conhecimentos e exigências como as plantas dos projetos. O embelezamento e modernização urbana, nas leis e ações do estado significavam adoção de um novo padrão de construção, caracterizado por tamanho maior e estética de outras cidades, de outros países. (SANTOS, 2009, p. 607)

São emblemáticas, por exemplo, tanto a lei 533 de 1929, que realizava a isenção de impostos para prédios em que o beirado tradicional da arquitetura portuguesa fosse substituído por platibandas, características do estilo neoclássico francês; quanto a lei 581 de 1927, que decretava o fim da construção de novas casas térreas de porta e janela e oferecia isenção de

impostos para os prédios onde fossem instalados elevadores “movidos a motor”. Do caráter seletivo das leis, citamos:

No final do ano de 1929, a prefeitura passou a exigir as representações – as plantas – dos prédios. Essa medida tornou-se parte de um processo que se completava, de uma série de exigência para construir que tinha relação com uma nova cidade, uma cidade de prédios maiores, ”modernos”, que impedia não só a reprodução da arquitetura portuguesa, mas a tradição de casas simples, pequenas. A lista de exigências, de proibições, determinações e regras a serem seguidas não possibilitavam mais aos pobres construírem no perímetro urbano. (...) Todas as regras tornavam mais caros os gastos de construção na cidade e impossibilitavam a livre construção dos pobres. Para atender a exigência de plantas teria que ser contratado um técnico ou engenheiro, esse novo custo tornava ainda mais seletiva a possibilidade de construir na cidade oficial. (SANTOS, 2009, p. 434) Nas décadas seguintes, no entanto, a dominação dos processos de produção e reprodução do espaço urbano deixaria de limitar-se ao aparato jurídico/normativo e infraestruturas, passando a exprimir-se de forma acentuada através da ideologia: a construção de metanarrativas sobre a cidade e suas possíveis formas de desenvolvimento.

Em Florianópolis a ideia de futuro, em diversas expressões presentes no imaginário, tornou-se uma questão política, servindo como instrumento para as intervenções que foram promovidas no espaço urbano. Os jornais, os projetos urbanísticos, as obras literárias e as iconografias de Franklin Cascaes forneceram um conjunto de documentos necessários. Projetos e planos que pretenderam construir uma certa representação simbólica do porvir de Florianópolis. (LOHN, 2002, p.03)

Este fenômeno é notadamente marcante a partir da década de 1950. Período do nacional-desenvolvimentismo, cujo conteúdo, em suas linhas gerais, discutimos na primeira parte da tese. Momento de surgimento e

consolidação de um imaginário calcado em uma aguçada ânsia de progresso e desenvolvimento. De alguma forma este imaginário alcança a capital catarinense, por mais que seu metabolismo e ritmos de desenvolvimento negassem qualquer semelhança ou aproximação com as dinâmicas que ocorriam nos maiores centros urbanos do país.

Mas o progresso que se “alardeava por aí”, só com muita dificuldade e timidez chegava à cidade. Anos JK, 50 anos em 5, bossa nova, conquista da copa do mundo, indústria automobilística, tudo soava distante da pequena capital que, em 1960, mal atingia 100 mil habitantes, ocupando a Ilha de Santa Catarina e seu Continente próximo, ligados desde 1926 pela Ponte Hercílio Luz. Como, então, entender a adesão ao discurso e às imagens da modernização em curso? (LOHN, 2002, p.26)

No plano político o Estado de Santa Catarina e a capital passavam por um momento de intensificação da disputa pela hegemonia política entre tradicionais oligarquias locais. De um lado a União Democrática Nacional (UDN), liderada pelas famílias Konder-Bornhausen, de outro o Partido Social Democrata (PSD), dominado pela família Ramos, que se mantinha no poder desde a Revolução de 193016. A família Ramos tinha domínio eleitoral na capital e a sua derrota, para Irineu Bornhausen em 1950, colocou novamente em evidência uma discussão que permanecia adormecida desde o governo de Felipe Schmidt (1914-1918): a transferência da capital para outra região do Estado.

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A Família Ramos, originária de Lages, finca suas raízes em Florianópolis a partir das primeiras décadas do século XX e atinge uma posição política hegemônica no Estado o que se pode aferir pela manutenção no poder ao longo de gerações, iniciando com Vidal Ramos, governador do Estado por duas vezes entre 1902 e 1914; seu irmão, Aristiliano Ramos, governador entre 1933 e 1935; seu filho Nereu Ramos, governador entre 1935 e 1945; Aderbal Ramos, seu neto (sobrinho de Nereu Ramos), governador entre 1947 e 1951; e seu filho Celso Ramos, governador entre 1961 e 1966.

O afastamento do PSD do governo do Estado trazia à tona a antiga discussão de mudança da capital para o interior do Estado, levando-se em consideração a estagnação econômica que vivia Florianópolis nesse período e o fato da UDN manter seu domínio eleitoral em outra região de Santa Catarina. Um agravante dessa situação era o fato de que até aquele momento, o prefeito da capital não era eleito e sim indicado pelo governador, o que aumentaria o risco de Florianópolis perder ser posto. (SOUZA, 2010, p.52)

Frente a um cenário econômico e político de crise, a capital catarinense passa a demandar - aos olhos da pequena elite local - não apenas mudanças do ponto de vista econômico e espacial, mas um processo de afirmação de novos valores e finalidades: a consolidação de um imaginário capaz de impor novas trajetórias de desenvolvimento para a cidade. Assim Florianópolis mergulha em um novo ciclo de modernidade, não mais pautado em valores estéticos ou sanitários. A segunda modernidade da capital é marcada pela pretensão de construção de um novo cenário urbano calcado no universalismo técnico e na visão teleológica da história.:

O ideário econômico do nacional- desenvolvimentismo, aliado ao cenário de disputas políticas da cidade e as pressões dos grupos dominantes na década de 50 acabou estimulando o poder público a buscar no planejamento urbano, uma possibilidade de “superação” do atraso econômico da capital. No cenário nacional do planejamento urbano, se disseminavam os grandes planos diretores que buscavam solucionar os problemas gerados pela aceleração do crescimento das grandes cidades em consequência do desenvolvimento do setor industrial, conforme foi explicitado anteriormente. Florianópolis se insere nesse panorama nacional quando elabora seu primeiro Plano Diretor, mesmo não fazendo parte desse contexto de desenvolvimento industrial. O poder público visava utilizar o planejamento como instrumento do desenvolvimentismo e como forma de garantir a acumulação do capital pelas classes dominantes. (SOUZA, 2010, p. 56)

É neste momento que surge o primeiro plano diretor de Florianópolis. Iniciado em 1952 e aprovado em 1954, ele é o resultado, sobretudo, da adaptação local de mensagens difundidas nas esferas nacionais e internacionais. Envolvia a atribuição de significados e o compartilhamento de expectativas irradiadas por determinados grupos ao conjunto da sociedade, conformando assim certa homogeneidade em relação aos caminhos possíveis para o futuro da cidade.

Até 1952 a legislação de Florianópolis não fazia qualquer menção à localização de funções urbanas, de edifícios e equipamentos públicos ou da organização do sistema viário. O plano de 1954 modifica esta dinâmica, organizando a ocupação através da imposição de um modelo de cidade. A nova cidade que se desenharia a partir do plano era a expressão dos valores de racionalidade e funcionalidade e da imposição de um zoneamento rígido e bem delimitado das funções urbanas.

O diagnóstico deste plano era claro: a cidade sofria de um atraso crônico que precisava ser remediado pela imposição de uma dinâmica de modernização, seja em termos econômicos, sociais ou espaciais. A leitura dos técnicos responsáveis pelo plano pode ser resumida em quatro conceitos principais, segundo PEREIRA (1999, p.253):

1) Uma cidade sem identidade;

2) Uma cidade atrasada em relação ao desenvolvimento industrial e comercial, o que impedia a modernização da cidade. Esse atraso apresentava componentes urbanos como o desequilíbrio de ocupação do centro urbano (em termos de densidade), a existência de bairros muito pobres, o pouco investimento público na cidade, a ausência de indústrias modernas e as precárias instalações portuárias;

4) Um porto em decadência que necessitava de uma revitalização. O diagnóstico evidencia assim um cenário de “atraso econômico”, atribuído ao baixo poder aquisitivo da população e ao baixo desenvolvimento de atividades industriais.

SOUZA (2010) faz uma leitura rica da trajetória intelectual dos autores do Plano de 1954 (Edvaldo Paiva, Demétrio Ribeiro e Edgar Graeff). Este não é o foco da presente pesquisa, motivo pelo qual destacaremos apenas que, apesar de conter referências explícitas do zoning americano, a influência predominante neste plano é do urbanismo modernista da Carta de Atenas:

Diferentemente do plano de Le Corbusier para o centro de Paris, o plano para Florianópolis abrangia todo o território urbanizado e apresentava uma estratégia de desenvolvimento para a cidade. No entanto, a exemplo do plano Voisin, o desenho perspectivo apresentado para o centro da cidade de Florianópolis, desconhece e/ou desconsidera toda a história arquitetônica e urbanística da cidade e serve de parâmetro para a avaliação das condições existentes. São as grandes avenidas, os edifícios “higienicamente” construídos e as funções urbanas racionalmente distribuídas no espaço que servem de parâmetros para a avaliação da cidade. A concepção do plano precede a avaliação das condições existentes. (PEREIRA, 2000, p.05)

Assim a cidade e as formas de intervenção nas dinâmicas urbanas adquirem um novo sentido (no caso específico de Florianópolis): a construção imaginária, quase mítica, deste urbanismo propunha, ao mesmo tempo em que procurava estabilizar, a crença no poder transformador da ciência e da tecnologia e uma sensação de redenção inevitável que o futuro reservava às perturbações patológicas por quais passava a cidade:

É notável que numa cidade sem indústrias, vivendo quase exclusivamente de um pequeno comércio e totalmente dependente dos empregos públicos oferecidos pelo Estado, fossem construídas uma série de representações sobre o futuro, no qual este

aparece vinculado a desenvolvimento tecnológico, riqueza e facilidades de vida. O que mais chama a atenção é a dimensão tomada por essas idéias num ambiente em que tudo levava a desacreditar das possibilidades futuras. Haviam determinados elementos discursivos que reforçavam um conjunto de idéias baseadas principalmente na crença nos novos meios tecnológicos que a sociedade industrial punha em movimento. (LOHN, 2002, p.12)

O Plano de 1954 não é o foco da nossa pesquisa. Acreditamos, no entanto, que ele é elemento importante na compreensão dos caminhos trilhados pelo planejamento urbano em Florianópolis. Se ressaltamos neste momento as representações sociais que deram suporte ao plano é porque julgamos que sua influência permanecerá presente até o início da década de 1980. A ânsia de progresso e modernização presente nos discursos dos diversos atores; o uso ideológico de conceitos como ciência, técnica e modernização; o racionalismo formal; a modelização da sociedade através de formas espaciais; a visão teleológica da história; entre outros, serão os elementos basilares que justificarão tanto a elaboração de um novo plano em 1976, quanto a criação do IPUF um ano mais tarde. Cabe, no entanto, desvelar as dinâmicas e discursos encobertos. Concordamos assim com LOHN (2002) para quem a ideia de futuro em Florianópolis tornou-se, antes de tudo, uma questão política. Os projetos e planos urbanísticos ajudaram, assim, a construir certa representação simbólica do porvir da capital de Santa Catarina.

3.2 Modernidade e racionalidade instrumental: racionalismo e ideologia

A utilização do par conceitual moderno/modernidade em Florianópolis, na primeira metade do século em diante, demonstra que as palavras e as idéias adquirem significados distintos de acordo com o momento e os propósitos nos quais surgem. É possível verificar um esforço de apagamento da

complexidade semântica de tais conceitos, o que não redundou em maior precisão conceitual, antes em um efeito ideológico, no sentido de ocultação dos significados possíveis.

Quais conexões aproximam as idéias de progresso, desenvolvimento e modernidade contidas no imaginário social construído em Florianópolis principalmente a partir da década de 1950? Por qual motivo estes ideais serviram de motor para as transformações, tanto as desejadas quanto as realizadas, da cidade nas décadas seguintes? Por qual motivo as intervenções urbanísticas tornaram-se elemento central de representação destas visões hegemônicas sobre o futuro da cidade?

Como nos adverte LOHN (2002) não era toda a cidade que produzia e emitia tais discursos. O conceito de moderno e modernidade carrega ligações com práticas culturais, valores políticos e estéticos específicos. Neste sentido, de que forma a discussão sobre os usos ideológicos de tais termos nos possibilita uma compreensão mais profunda sobre o sentido, a forma e o conteúdo assumidos pelo urbanismo e pelo planejamento urbano na capital catarinense? De que forma esta discussão nos ajuda a compreender os motivos que levaram à institucionalização do Planejamento Urbano através do IPUF? Poderíamos fazer uma correlação desta discussão com o que acontecia em Joinville neste período que culminou com a elaboração de um plano diretor em 1965 e a criação do IPPUJ, vinte e seis anos mais tarde? Estas são as questões que procuraremos responder ao longo dos tópicos seguintes.

Como ponto de partida, julgamos importante precisar melhor conceitualmente os termos como racionalidade, modernidade e modernismo. Faremos isso recorrendo a autores como HARVEY (1992),

BERMAN (1986) e HABERMAS (1998).17Acreditamos que o diálogo com estes conceitos e autores permite iluminar questões importantes do nosso objeto, colaborando na explicação de fenômenos que nos interessam. Começamos por BERMAN (1986), que define modernidade como:

(...) uma modalidade de experiência vital - experiência do espaço e do tempo, do eu e dos outros, das possibilidades e perigos da vida - que é partilhada por homens e mulheres em todo o mundo atual. Denominarei (...) esse corpo de experiência "modernidade". Ser moderno é encontrar-se num ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, transformação de si e do mundo - e, ao mesmo tempo, que ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. Os ambientes e experiências modernos cruzam todas as fronteiras da geografia e da etnicidade, da classe e da nacionalidade, da religião e da ideologia; nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une toda a humanidade. Mas trata-se de uma unidade paradoxal, uma unidade da desunidade; ela nos arroja num redemoinho de perpétua de integração e renovação, de luta e contradição, de ambigüidades e angústia. Ser moderno é ser parte de um universo em que, como disse Marx, "tudo que é sólido se desmancha no ar". (BERMAN, 1986, p.15)

Já HARVEY (1992) descreve assim a projeto de modernidade:

(...) um extraordinário esforço intelectual dos pensadores iluministas para desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e a lei universais e a arte autônoma nos termos da própria lógica interna destas. A ideia era usar o acúmulo de conhecimento gerado por muitas pessoas trabalhando livre e

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Consciente do fato de que a escolha destas referências significa certa arbitrariedade da pesquisa - tendo em vista as diversas leituras possíveis - julgamos que eles apresentam, com devida abrangência e aprofundamento, uma leitura interdisciplinar e crítica do contexto histórico de surgimento da sociedade moderna. Apresentam também uma leitura consistente sobre as transformações, transições e continuidades que a idéia de modernidade atravessa com o passar dos anos. Obviamente o uso de tais textos requer um rigor analítico, de forma a não

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