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PARTE 01: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PLANEJAMENTO URBANO

1. CAPÍTULO 01: OS CAMINHOS DA INSTITUCIONALIZAÇÃO

Ao realizar a análise das transformações nos Institutos de Planejamento Urbano de Florianópolis e Joinville, duas questões surgem logo de início: 1) por que, como e em qual momento ocorre o esforço de institucionalização do Planejamento Urbano nas estruturas administrativas municipais? e 2) qual a relação entre o domínio acadêmico e a prática realizada por estes órgãos?

Julgamos que a compreensão do surgimento dos institutos de planejamento urbano municipais adquire maior coerência quando realizamos leituras sobre as transformações institucionais operadas nas últimas décadas, seja em relação à demarcação dos campos disciplinares no interior do sistema de ensino superior no país, seja pelas próprias modificações encampadas pelo Estado brasileiro no período. É neste esforço que o presente capítulo se apresenta.

1.1 Instituto, Instituição e institucionalização

Tanto o IPUF quanto o IPPUJ carregam em seu nome o termo “Instituto”. Para além do que isto significa em termos da técnica administrativa, cabe tecer uma leitura sobre o sentido mais profundo do termo no campo da Sociologia, mas especificamente da sociologia política.

O conceito de instituição é recorrente na sociologia contemporânea. Esta importância tem significado certa profusão de estudos e diversificação dos enfoques. A multiplicidade de elementos que se abrigam sob a designação de instituição exige precisão teórica sobre o que se quer referir. A Teoria das Instituições e a Teoria das Representações Sociais colaboram, por

exemplo, na compreensão de que a análise da vida política em determinada sociedade está intimamente ligada à existência de uma rede complexa de instituições formais, em constante reformulação, através de dinâmicas de inovação, difusão e declínio.

Este processo de produção e reprodução de legitimidades das instituições é elemento marcante na análise das transformações sofridas tanto pelo IPUF quanto pelo IPPUJ. Ambos os institutos têm passado por crises, maiores ou menores, de legitimidade. Vários atores entrevistados destacaram o risco que estes órgãos sofreram - e ainda sofrem - de extinção no âmbito das administrações municipais.

A concepção de instituição formulada pelos autores consultados expressa um sentido comum de ordem e mudança social. É o que encontramos em PRATES (2000) para quem o termo instituição denota “a ideia de valores e

normas sociais estáveis que impõem restrições a alternativas de ação e estabelecem ‘scripts’ e rotinas comportamentais adequadas a contextos sociais específicos” (p.91).

Junto às instituições formais surgem os marcos legais, as rotinas organizacionais, as estruturas governamentais que assumem um papel importante sobre as dinâmicas políticas e os processos decisórios. Para esta corrente “institucionalista” o surgimento das instituições é influenciado por idéias, crenças e valores presentes e compartilhados por uma sociedade em um determinado período. Poderíamos então compreender que uma instituição possui a tarefa de reduzir as incertezas imanentes das interações sociais. É o que afirma CODATTO (2008), para quem:

Fatores institucionais são particularmente importantes já que definem ou modelam as preferências, os objetivos e os interesses dos agentes sociais (...) eles distribuem desigualmente o poder entre cada um deles estabelecendo, a partir daí, uma

determinada hierarquia entre os agentes sociais. Em resumo, instituições estruturam a (ação e a relação) política, enfim. Não são, nesse sentido, apenas um “contexto”, um lugar ou uma paisagem. Ao contrário: são as próprias instituições que devem ser inseridas no contexto histórico-social. (CODATTO, 2008, 154)

Para o autor existem três maneiras diferentes de pensar a influência das instituições na vida social:

• Instituições como normas e valores, o que significa a representação de sistemas simbólicos, esquemas cognitivos, modelos morais, entre outros. Estes elementos seriam capazes não somente de comandar o funcionamento das organizações, mas direcionar o comportamento individual através de categorias de percepção que condicionam parte importante de suas preferências, interesses, objetivos;

• Instituições como sistemas de regras e procedimentos a partir dos quais indivíduos, baseado na conveniência, definem preferências e tentam maximizar seus interesses, conforme escolha racional; e • Instituições que designam estruturas formais como as instituições

políticas, procedimentos burocráticos, estruturas governamentais, aparelhos estatais, normas constitucionais, etc. Uma vez constituídas estas instituições apresentam impacto decisivo sobre o comportamento dos agentes inseridos no sistema político (legisladores, eleitorado, grupos de interesse etc.), determinando resultados políticos.

O enfoque no presente trabalho será dado nesta última visão. Consideramos que os institutos de planejamento urbano se apresentam, antes de tudo,

como instituições políticas baseadas em procedimentos burocráticos no interior dos aparelhos estatais, mais especificamente das municipalidades.

Esta atribuição de status político às instituições permite vê-las como focos estratégicos de articulação de identidade e interesses da sociedade na qual estão incluídas. Elas participam de um jogo de poder que determina os arranjos da política e, conseqüentemente, da definição de quem se qualifica como participante legítimo de suas decisões. No planejamento urbano institucionalizado, a questão de legitimidade de quem discute - mas principalmente de quem decide - é elemento fundamental de análise e permeia todas as etapas da pesquisa.

Vista desta forma, a institucionalização significa a procura por estabilidade no sistema de ação política, tendo como base processos de burocratização, tais como: a formalização, a rotinização, a impessoalidade, a padronização e a previsibilidade.

Transpondo as diversas interpretações possíveis do termo instituição e institucionalismo, nosso trabalho busca responder à questão de porque e como o Planejamento Urbano em determinado momento passou a incorporar as preocupações do Estado, traduzindo-se em estrutura institucionalizada. Refazendo a pergunta, buscamos compreender como foi possível - no universo de idéias, conflitos, interesses e tensões presentes no conjunto social – que o planejamento urbano adquirisse a capacidade de institucionalizar-se e de estruturar a sua legitimidade como política e ação pública.

Neste espectro podemos citar alguns autores de influência marxista que enfocam a relação entre o surgimento das instituições e o constrangimento provocado pelas macroestruturas econômicas e políticas, bem como a própria divisão da sociedade em classes. É o caso de BOURDIEU (1989)

para quem a construção do Estado está em pé de igualdade com a construção do campo do poder. Para o autor, o Estado, através de suas instituições, categorias, classificações e estruturas de percepções do mundo, impõe uma lógica de pensamento que se pretende definitiva, que procura ser a razão universal, única e inquestionável. A institucionalização de determinados temas, como o planejamento urbano, por exemplo, configura- se a partir de disputas de grupos pelo poder sobre o Estado.

Analisando os marcos institucionais no Brasil construídos nas últimas décadas, percebemos que foram resultantes de mudanças também profundas no contexto político. Conflitos entre forças sociais diferentes, redefinição de objetivos e estratégias de grupos e atores sociais, que, segundo CODATO (2008):

(...) forçaram um novo marco institucional cujo desenho teve de ser funcional (ou ao menos não pode ser disfuncional) para “a economia”, isto é, para a (re)definição da posição das classes e frações na estrutura social, ao mesmo tempo em que teve de ser instrumental para as finalidades políticas a que se propunha: transferir poder político e influência política de uma facção da elite a outra. (CODATO, 2008, p. 161)

O arranjo institucional, em constante movimento, é influenciado pela dinâmica histórica e pelas necessidades estruturais da sociedade na qual se insere. A escolha do formato político-institucional busca garantir, além de estabilidade ao governo, também eficiência à estrutura administrativa e legitimidade aos poderes instituídos. Oferece, portanto, capacidade ao próprio poder de coordenar as dinâmicas sociais, ou seja, de exercer este poder. Desta forma, mudanças no contexto político ou econômico de determinada sociedade restringem a quantidade, tipo, disposições e competências dos diversos aparelhos e instituições.

Esta leitura nos permite compreender que no campo do planejamento urbano o grau de liberdade das escolhas voluntárias dos agentes estatais, entre eles os técnicos situados dentro dos órgãos de planejamento, varia de acordo com as condições políticas: o poder efetivo que reúnem e o prestígio “intelectual” que suas soluções desfrutam frente ao conjunto da sociedade.

Outra questão que merece destaque no que tange as instituições diz respeito ao próprio processo de institucionalização, que funciona, segundo LAWRENCE, WINN & JANNINGS (2001) a partir de padrões relativamente estáveis, representados na figura 02. Tais padrões conformam um ciclo de vida institucional e são encontrados na maior parte das instituições por eles estudadas. Para os autores, são reconhecidas quatro fases consecutivas em um processo de institucionalização: (1) fase inicial de inovação; (2) fase de rápida difusão; (3) fase de saturação e legitimação completa; e (4) fase de desinstitucionalização.

Figura 2: Ciclos de uma instituição

A fase de inovação ocorre quanto a estrutura nascente permanece ligada a um grupo restrito de pessoas e disputa, dentro de uma diversidade de outras correntes, um lugar de destaque no imaginário social. Com o passar do tempo cresce o percentual de adoção e a estrutura entre em nova etapa, de difusão. Se a inovação é o “marco zero” do processo, a legitimação apresenta-se como o último nível antes do declínio ou o início do processo de desinstitucionalização.

Este ciclo é perceptível tanto no IPUF quanto no IPPUJ. Mesmo que cada realidade condicione resultados específicos, é importante destacar certa semelhança (com ritmos e intensidades diferentes) no processo de institucionalização destes órgãos. Ambos representaram inicialmente um desejo de inovação da estrutura administrativa da prefeitura, motivado por atores e grupos específicos da cidade. Em um segundo momento estes órgãos passam por uma rápida ampliação, entrando no período de difusão, o que ocorre logo nos primeiros anos de vida. Em seguida inicia-se um caminho mais tortuoso de conquista de legitimidade frente à sociedade. Em Florianópolis o final o início da década de 90 e em Joinville os anos 2000, marcam o princípio de um período relativo declínio destas estruturas, mais fortemente sentido no primeiro do que no segundo. Este declínio indica certa fragilidade na reprodução de legitimidade destes órgãos frente às forças sociais e dentro da própria estrutura de governo. Decifrar as causas e dinâmicas destas transformações é o objetivo principal desta pesquisa. Do ciclo de vida das instituições, uma das questões mais importantes de análise diz respeito às estratégias de difusão e de legitimação. Para ZUCKER (1991) a construção da legitimidade de uma instituição passa pela criação de um universo de senso comum compartilhado pelos diversos atores e grupos sociais. A continuidade de transmissão deste imaginário potencializa a institucionalização. A reprodução da legitimidade seria,

portanto proporcional ao grau de disseminação da estrutura. GUERRA & ICHIKAWA (2011) compartilham esta visão:

Os grupos de interesses são os defensores da estrutura e executam duas importantes tarefas: divulgam a existência de fracasso e insatisfação de determinadas organizações e fazem um diagnóstico, fornecendo uma solução ou tratamento para o problema dessa determinada organização. As evidências podem ser colhidas de uma variedade de fontes (noticiários, observações). (GUERRA & ICHIKAWA, 2011, p. 347)

Para SELZNICK (1971) uma das técnicas mais importantes para se criar uma instituição é a elaboração dos mitos que a promovam socialmente. O autor compreende que, quando uma organização adquire identidade própria, distinta, torna-se uma instituição. Isso envolve a afirmação de valores, de maneiras de agir, que servem para sua própria salvaguarda, o que implica uma estreita relação entre difusão de valores e autopreservação.

A construção de imagens idealizadas de determinada estrutura é uma característica presente no planejamento urbano institucionalizado no Brasil de todas as épocas. Também o sentido de autopreservação é importante na compreensão das dinâmicas recentes de atuação dos órgãos municipais de planejamento: colabora no entendimento de parte das continuidades e resistências que emergem dos quadros técnicos no que tange a disseminação do ideário democrático e participativo.

Segundo BERGER E LUCKMANN (1996) mesmo que as instituições percam legitimidade frente às forças sociais, a tendência é que elas perdurem. Isto só não ocorrerá se uma instituição passar a ser problemática. Para os autores, quanto maior o nível de institucionalização e quanto mais abstrato for o caráter da estrutura, mais difícil para esta institucionalização se desinstitucionalizar.

Outra força que trabalha a favor da manutenção de determinado arranjo institucional são os atores, inseridos nestas estruturas, e que detêm poder. Suas atitudes geralmente invocam resistência à mudança da ordem vigente pelo fato do risco eminente de perda das competências e da capacidade de influenciar os processos e decisões. Como veremos, esta característica será recorrentemente lembrada ao longo da investigação.

Outro elemento importante de análise é a tendência à semelhança entre as organizações, o que os autores da Teoria das Instituições chamam de isomorfismos. Para POWELL & DIMAGGIO (1991), autores de uma corrente chamada novo-institucionalismo, as formas institucionais apresentam geralmente três tipos de dinâmicas isomórficas: 1) isomorfismo normativo; 2) isomorfismo coercitivo; e 3) isomorfismo mimético.

1. Isomorfismo normativo é derivado principalmente da profissionalização, o que abordaremos no próximo capítulo. Os autores interpretam a profissionalização como “a luta coletiva de

membros de uma profissão para definir as condições e os métodos de seu trabalho (...) para estabelecer uma base cognitiva e legítima para a autonomia de sua profissão” (p. 70).

2. Isomorfismo coercitivo resultante de pressões, tanto formais quanto informais, exercidas pelas organizações das quais a instituição é dependente. Deriva, portanto, de influências políticas e da legitimidade.

3. Isomorfismo mimético, muito comum no campo do planejamento urbano institucionalizado e que resulta de incerteza que encoraja a imitação. Quando as ações e técnicas não são compreendidas, as metas são ambíguas ou o ambiente cria uma incerteza simbólica, as organizações tendem a tomar outras organizações, seus

instrumentos e modos de atuação, como modelo. Tanto o IPUF quanto o IPPUJ são representações claras deste isomorfismo mimético. O IPUF por ter o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba - IPPUC, condição também assimilada pelo IPPUJ posteriormente.

Para POWELL & DIMAGGIO (1991) a postura de isomorfismo mimético e a busca por um modelo, geralmente significa vantagens quanto à otimização dos esforços, porém pode ser perigoso quanto aos resultados obtidos. O problema não está em copiar mas sim em importar algo sem critérios e consideração das possíveis consequências envolvidas.

Estando o isomorfismo normativo associado à profissionalização, cabe destacar o papel do apoio da educação formal e da legitimação produzida pelo ensino superior formal – as universidades e instituições de treinamento profissional - que apresentam-se enquanto centros de desenvolvimento de normas organizacionais. Abordaremos com mais profundidade este aspecto no próximo capítulo.

Não podemos, no entanto, incorrer no erro de analisar as transformações de uma instituição somente a partir de sua lógica interna. Não é possível fazer a leitura de uma estrutura de forma específica e isolada sem compreender os processos gerais que operam externamente. É o conjunto de instituições, relacionadas entre si, que são capazes de moldar processos, acontecimentos, decisões, etc.

Deste encaminhamento específico partiremos nos próximos tópicos para a análise das estruturas e transformações políticas, que serão aqui tratadas segundo dois níveis de compreensão: 1) a partir das alterações da estrutura administrativa pública, que poderíamos chamar de desenho institucional; e

2) a partir das evoluções da estrutura vinculada ao ensino e profissionalização do planejamento urbano.

1.2 O planejamento como técnica de administração pública

A institucionalização do planejamento urbano pode também ser compreendida dentro de um processo mais amplo de institucionalização do próprio planejamento como técnica da administração pública. O planejamento como técnica pode ser considerado, por sua vez, como uma aproximação entre a burocracia estatal e o conhecimento especializado, ou de forma mais ampla, entre ciência e política. Estas relações tornam-se mais intensas a partir do momento de constituição do que autores como CASTELLS (1999) chamam de “sociedade do conhecimento”.

Trataremos os fundamentos da tecnocracia mais à frente, cabe por ora indicar que a institucionalização do planejamento urbano fundamenta-se principalmente em uma transformação na concepção do Estado e da administração pública baseado em ideais racionalistas. Este fenômeno foi sentido em grande parte das nações modernas, em períodos diferentes da história, tanto em países situados no espectro socialista quanto capitalista.

WEBER (1971) apresenta uma leitura importante deste fenômeno. Ele atribuía ao capitalismo o papel de catalisador no processo de racionalização da sociedade e da administração pública. Para ele a nova forma de estruturação das relações sociais necessitava de uma organização funcional e imparcial que somente um “governo de experts” poderia conseguir. A modernidade significava um caminhar no sentido da racionalização, da complexidade e da especialização crescente. Neste contexto, pensava que o surgimento de grupos sociais altamente especializados em determinada tecnologia era um processo inevitável.

Quanto mais se complica e se especializa a cultura moderna, tanto maior é a necessidade de um expert dotado de objetividade para sua organização. A burocracia oferece as atitudes requeridas pela organização racional da cultura moderna (...) a razão decisiva que explica o progresso da organização burocrática tem sido sempre sua superioridade técnica sobre qualquer outra organização. Um mecanismo burocrático perfeitamente desenvolvido atua em relação às demais organizações, da mesma forma que uma máquina com relação aos métodos não mecânicos de fabricação. A precisão, a rapidez, a univocidade, a oficialidade, a continuidade, a discreção, a uniformidade, a rigorosa subordinação, a declínio dos atritos e custos objetivos e pessoais, são infinitamente maiores em uma administração severamente burocrática. (WEBER, 1971, p. 265) Se seguirmos o raciocínio de Weber perceberemos que a tendência de racionalização crescente é acompanhada por outra igual no sentido de “burocratização” e na direção da profissionalização. Esta é uma das preocupações do sociólogo alemão: compreender como tais tendências de especialização podem entrar em conflito com a democracia.

O progresso da burocratização da administração estatal é um fenômeno paralelo à democracia (...) a democratização não supõe uma participação mais ativa dos governados na autoridade da estrutura social (...) a democracia entra inevitavelmente em conflito com a burocracia porque não exige de seus candidatos eleitos um tipo especial de conhecimentos. (WEBER, 1971, p.277)

Se nos detivermos ao contexto brasileiro, percebemos que a cultura institucional nacional é profundamente marcada pelos valores trazidos pelo positivismo, cuja formatação é transposta de maneira idealizada para o Brasil. Sobre o fascínio exercido pela magia das idéias, HOLANDA (2002) escreve:

De todas as formas de evasão da realidade, a crença mágica no poder das idéias pareceu-nos a mais

dignificante em nossa difícil adolescência política e social. Trouxemos de terras estranhas um sistema complexo e acabado de preceitos.” (HOLANDA, 2002, p. 1062)

Para o autor, essa transposição de idéias significou a propagação de um ideal iluminista de liberdade em terras marcadas pela escravidão. Verificamos aí uma característica importante das formas institucionais brasileiras, muito presente também no campo do planejamento urbano institucionalizado: a transposição acrítica de modelos, idéias e normas produzidas em contextos outros que o brasileiro.

A transposição dos ideais liberais e racionalistas do positivismo para o contexto brasileiro não ocorre, no entanto, sem expressão de contradições. Uma dinâmica repleta de ambigüidades se acomoda, conforme nos apresenta HOLANDA (2002) aqui interpretada por CANDIDO (1996):

Trabalho e aventura; método e capricho; rural e urbano; burocracia e caudilhismo; norma impessoal e impulso afetivo – são pares que o autor destaca no modo de ser ou na estrutura social e política, para analisar e compreender o Brasil e os brasileiros. (CÂNDIDO,1996, p. 13)

Esta composição de contrários é uma chave importante de interpretação das formas assumidas pelas instituições públicas no Brasil, pois insere um caráter mais dinâmico e complexo da nossa história, apontando para um processo dialético de formação da identidade nacional.

Faremos, no entanto, um recorte temporal importante, enfocando o período que consideramos mais importante para a compreensão dos caminhos que levaram à incorporação do discurso racionalista na estrutura administrativa e na profusão do modelo tecnocrático de estruturação do Estado no Brasil contemporâneo.

Este recorte nos leva à década de 1950, que representou a tentativa de consolidação de um projeto desenvolvimentista, cujas raízes podemos encontrar no Estado Novo de Getúlio Vargas, período marcado pela ampliação do aparelho de Estado brasileiro e pela busca por valores tecnocráticos de gestão.

Essa participação foi viabilizada pela presença de representantes de alguns grupos sociais nos diversos órgãos criados naquele contexto de reforma

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