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2.5 O ANTIREALISMO DE RICHARD GOLDSCHMIDT

2.6. A MOLECULARIZAÇÃO DA BIOLOGIA

Segundo Falk (1986), a pesquisa em Genética foi inicialmente moldada por uma dialética entre duas visões, aquela de Müller, que interpretava o gene como um mapa projetado da realidade, e aquela de Morgan, entre outros, que interpretava esta teoria como uma premissa que fornecia somente os princípios do mapeamento genético. Com o avanço dos conhecimentos em Genética, as bases materiais do gene foram cada vez mais investigadas e a idéia que se tornou predominante foi de que o gene representava uma entidade real cujos detalhes estavam por ser descobertos pela pesquisa.

A interpretação realista da natureza do gene está inserida em um contexto de molecularização da biologia, a qual se deu pelo desenvolvimento de métodos físicos e

químicos para resolução de problemas da biologia, em especial, aqueles da Genética. A partir dos avanços nas investigações em Genética, a atitude instrumental foi substituída por uma compreensão material do gene. A seguir, analisaremos algumas pesquisas que pavimentaram o caminho para o predomínio da interpretação realista do gene. O campo da biologia molecular surgiu da convergência de trabalhos de biólogos, físicos e químicos estruturais para o problema da estrutura e função do gene. Portanto, pode-se dizer que a busca pela realidade material do gene e o nascimento da biologia molecular, na esteira da proposição do modelo da dupla hélice por Watson e Crick, em 1953, não decorreu somente do interesse de biólogos.

Vimos que Müller deu um dos primeiros passos na interpretação realista do gene, ao considerar que as mutações causadas por raios-X atingiam genes como objetos concretos e reais. Guiado por sua convicção na natureza concreta do gene, Müller passou a publicar, a partir de 1916, estimativas do número de genes no genoma e das dimensões dos mesmos. (Falk 1986).

Segundo Falk (1986), provavelmente os esforços mais explícitos para medir a dimensão de genes foram os estudos Timoféeff-Ressovsky, Zimmer e Delbrück. Eles também assumiam uma visão realista sobre os genes, considerando que eles eram discretos e quantificáveis e, logo, poderiam ter suas dimensões medidas por métodos físico-químicos. Em 1935, estes pesquisadores publicaram um artigo no qual concluiam que os genes eram grupos de átomos. Este artigo (coloquialmente chamado de “Dreimännerarbeit”) foi entendido como a primeira demonstração experimental conclusiva do tamanho molecular do gene (Beyler 1969). Contudo, em 1952, vários pesquisadores, incluindo Müller, mostraram claramente que havia muitas lacunas na cadeia de argumentos (Beyler 1969) e, posteriormente, as conclusões cetrais do artigo não foram consideradas relevantes pela comunidade científica. O trecho a seguir resume a visão realista sobre gene destes três pesquisadores:

“A integração da Genética com a pesquisa citológica mostrou que o gene, originalmente uma representação simbólica de uma unidade mendeliana, pode ser localizado no espaço e seus movimentos podem ser analisados. A analise refinada em

Drosophila levou a estimativas de tamanhos de genes que são comparáveis àqueles

das maiores moléculas conhecidas... quando nós falamos de genes como moléculas, estamos pensando, de modo geral, em uma bem definida união de átomos (em vez de uma molécula quimicamente definida).” (Timofeef-Ressovsky, Zimmer e Delbrück, citados em Falk, 1986 pp. 152)

Vale mencionar que a medição de entidades inobserváveis é também argumento importante do realismo científico (Hacking 1983). Segundo os realistas, quando se mensura alguma coisa, a mensuração deve referir-se a algo real na natureza. A possibilidade de

medição dos genes seria, então, uma evidência de sua real existência. Para os instrumentalistas, por sua vez, as medições são instrumentos do modo como teorizamos. A medição não implica necessariamente na existência da entidade, é apenas uma prática útil para a elaboração de teorias.

No contexto realista de predomínio da interpretação material do gene, a busca pela natureza do gene consistia na tentativa de compreender sua estrutura e também seu funcionamento. Um passo importante nesta direção foi o trabalho desenvolvido com o fungo Neurospora por George Beadle e Edward Tatum (1941). Eles mostraram que mutações em genes poderiam causar efeitos em vias metabólicas, propondo, a partir daí, uma correlação entre genes e enzimas. Com avanços posteriores da biologia molecular, a relação entre genes e proteínas teve sua compreensão transformada, primeiro quando se constatou que genes estavam associados não apenas a enzimas, mas a proteínas de uma maneira geral e, depois, quando se tornou claro que proteínas poderiam ser formadas por vários polipeptídeos, cada qual associado a um gene distinto (chegando-se à hipótese ‘um gene um polipeptideo’).

Contudo, embora a pesquisa sobre as bases da herança tivesse avançado muito nas décadas de 1930 e 1940, não houve avanços significativos quanto à compreensão do que exatamente era um gene. O principal empecilho para se chegar a tal resposta sobre a estrutura responsável pela hereditariedade era o fato de ainda não se saber qual seria o melhor candidato a material genético, entre os componentes dos cromossomos. Nesta época, as proteínas, ao invés do DNA, eram, para a maioria dos cientistas envolvidos na busca por uma base material da herança, as melhores candidatas a este papel. Isso porque, sendo formadas por 20 aminoácidos diferentes, elas pareciam capazes de abrigar a quantidade de informações que parecia necessária para que uma molécula funcionasse como um veículo de transmissão do potencial para o desenvolvimento de características de uma geração a outra. O DNA, por sua vez, sendo constituído por apenas 4 nucleotídeos, não parecia capaz de dar origem a toda a diversidade de características encontradas nos organismos.

2.7. O MODELO DA DUPLA HÉLICE: PREDOMÍNIO DA VISÃO