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4 A CIDADE POSSÍVEL / A CIDADE DA REPRESSÃO: o Corpo de

4.2 Garantir a Regularidade e o Aformoseamento

4.3.2 A moralidade pelas ruas da cidade

Era reprimido pelos legisladores locais o insulto ou injúrias com palavras ou ações obscenas a qualquer pessoa nas ruas da cidade, já que isso não condizia com a moralidade que se pretendia implantar na urbe ludovicense. No entanto, essa disposição não foi possível de ser concretizada completamente pelos moradores do espaço citadino. A tabela abaixo indica o não cumprimento do disposto, principalmente por parte dos escravos.

187 Postura nº 85 – Em conformidade com o determinado nos art. 281 do Código Penal ficam absolutamente

proibidos neste município todos os jogos de parar, sejam de cartas, dados ou de outra qualquer natureza, inclusive rifas. São permitidos, porém, na forma da Lei, todos os jogos de vaza, bilhar e tabulas em tabuleiros de gamão(MARANHÃO. Edital..., 1842. p. 13).

TABELA 19

INFRATORES DA POSTURA Nº 32188

GÊNERO CONDIÇÃO JURÍDICA

HOMEM MULHER LIVRE ESCRAVO

05 (83,3%) 01 (16,7 %) 01 (16,7%) 05 (83,3%)

FONTE: CORPO DE POLÍCIA DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Partes Gerais das Novidades do Dia. [São Luís], 1842-1866.

Segundo os registros contidos no Quartel do Corpo de Polícia, o preto Veríssimo, escravo de D. Anna Francisca Franco de Sá, por exemplo, foi preso pela 5ª Patrulha às 9 ½ horas da noite no beco do Teatro, por “estar com uma preta em posição desonesta, a qual não foi presa por se evadir” (CORPO DE POLÍCIA... PGND, 19/08/1844).

Outro exemplo, é o caso da preta forra Brígida, presa à 1 ½ hora do dia, na rua da Estrela, pelo soldado da 2ª Companhia do Corpo Fixo, que se achava de guarda em Alfândega, por dirigir palavras obscenas a uma negra na mesma rua (CORPO DE POLÍCIA... PGND, 19/12/1848).

A tranqüilidade dos moradores também era desejada. Sendo assim, a promoção de barulho em vão no espaço citadino era reprimida. Porém, na cidade possível, essa prática não refletia o desejado, de acordo com a tabela a seguir:

TABELA 20

INFRATORES DA POSTURA Nº 45189

GÊNERO CONDIÇÃO JURÍDICA

HOMEM MULHER LIVRE ESCRAVO

10 (100%) 00 (0 %) 02 (20%) 08 (80%)

FONTE: CORPO DE POLÍCIA DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Partes Gerais das Novidades do Dia. [São Luís], 1842-1866.

Essa prática pode ser exemplificada pelo caso do preto menor de idade Bernardino, escravo de D. Ritta Serra, que foi preso pela 1ª Patrulha, às 8 ½ horas da noite, na

188 Postura nº 32 – Todos os que publicamente insultarem ou injuriarem com palavras ou ações obscenas a

qualquer pessoa serão multados em mil réis(MARANHÃO. Edital..., 1842. p. 5).

189

Postura nº 45 – Fica proibido apitar ou dar assobios à noite e mesmo outro qualquer sinal de que só devem usar as patrulhas e oficiais rondantes: pena de dois mil réis (MARANHÃO. Edital..., 1842. p. 7).

rua dos Afogados, por assobiar em um pífano (CORPO DE POLÍCIA... PGND, 27/04/1846), como também pelo caso do Guarda Nacional destacado Justino Raymundo, preso pela 16ª Patrulha às 10 horas da noite na rua das Hortas, “por ser encontrado apitando pela rua sem necessidades” (CORPO DE POLÍCIA... PGND, 11/03/1850).

A moralidade desejada para a cidade ludovicense não acatava o ato de “andar nu pelas ruas”. No entanto, essa idéia de moralidade disposta na legislação local não conseguiu coibir essa prática comum entre os negros, nem mesmo aqueles que já se encontravam na condição de livres, conforme a tabela abaixo.

TABELA 21

INFRATORES DA POSTURA Nº 49190

GÊNERO CONDIÇÃO JURÍDICA

HOMEM MULHER LIVRE ESCRAVO

20 (83,3%) 04 (16,7%) 01 (4,2%) 23 (95,8%)

FONTE: CORPO DE POLÍCIA DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Partes Gerais das Novidades do Dia. [São Luís], 1842-1866.

A preta Maria Ritta, escrava de D. Maria Isabel, por exemplo, foi presa pela 4ª Patrulha às 10 horas da manhã no largo da Igreja de São João, “por andar nua da cintura para cima” (CORPO DE POLÍCIA... PGND, 22/05/1843). O preto Antonio, escravo de João Antonio de Lemos Guimarães também foi preso pela 3ª Patrulha às 11 ½ horas da noite na Praia Pequena, “por ser encontrado nu da cintura para baixo” (CORPO DE POLÍCIA... PGND, 30/08/1849). “Por estar nu, ofendendo a moral pública e os bons costumes”, o Cabo do Corpo Fixo prendeu às 8 horas da noite, na rua do Sol, o preto forro Anacleto Antonio (CORPO DE POLÍCIA... PGND, 16/02/1850).

“Por andarem indecentes”, as pretas Amélia e Cândida, escravas de D. Juliana Serra Pereira de Burgos, também foram conduzidas para o quartel pela 3ª Patrulha às 10 horas

190

Postura nº 49 – Toda a mulher encontrada nua, de forma indecente nas ruas e praças desta cidade, pagará mil réis de multa e sendo escrava pagará seu senhor a mesma multa; e o mesmo se entenderá com os homens livres ou escravos, que forem encontrados nus da cintura para baixo (MARANHÃO. Edital..., 1842, p. 7).

da manhã da Fonte das Pedras, por mandado do soldado da 4ª Companhia, que se achava de sentinela na mesma fonte (CORPO DE POLÍCIA... PGND, 17/11/1846). O mulato Raimundo, escravo de Jerônimo Jozé Tavares foi conduzido preso ao quartel pela 5ª Patrulha, às 8 horas da noite da rua do Giz, por mandado da 14ª Patrulha, “por estar ébrio e andar nu pelas ruas” (CORPO DE POLÍCIA... PGND, 05/05/1847).

Essa questão também era recorrente na imprensa local. Na coluna de publicações a pedido do jornal O Constitucional, de 21/02/1863, “O inimigo do Entrudo”, ao protestar acerca da correspondência dos senhores proprietários de uma súcia191 de escravos que andavam a “entrudar” pelas ruas da cidade, publicada no Publicador Oficial da Cidade, solicitando ao presidente da Província a demissão do Delegado de Polícia da Capital por ter ousado mandar prender a referida súcia de escravos após a queixa de uma preta acometida pelo entrudo por eles promovido sendo gravemente por eles ofendida ao passar pela rua.

No que concerne à queixa da preta e a atitude tomada pelo Delegado de Polícia, “O inimigo do Entrudo” relatou:

Desligada a pobre escrava da tal súcia de escravos embriagados, dirigiu-se ao Dr. Delegado de Polícia e queixou-se das ofensas recebidas. S. S., como lhe cumpria, mandou prender a súcia de escravos que incomodavam aos transeuntes e a moralidade pública pelo estado de nudez em que estavam e as palavras obscenas que proferiram contra os que resistiam a brutal brincadeira, que tanto servia de divertimento aos seus senhores.192 Após aos escravos já presos comparecem perante

o Dr. Delegado os dignos signatários da correspondência apadrinham a brutal brincadeira e justificam o procedimento criminoso de seus escravos. Partes interessadas, não prestou-lhes o Dr. Delegado inteiro crédito, e mesmo porque o estado da preta ofendida atestava o contrário.

[...] E porque o Dr. Delegado de Polícia não atendeu, de preferência à utilidade e moralidade pública, os pedidos dos seis senhores de tais escravos embriagados, deve ser demitido; nada mais justo, porque tamanho desaforo deve ser rigorosamente punido pelo presidente com uma demissão sob proposta do imparcial Chefe de Polícia Interino, com cuja proteção contam os signatários dos direitos aos escravos entrudantes, como dizem eles.

Assim corre o mundo. Não há Maranhão como este...

O inimigo do Entrudo. (O DELEGADO..., 21/02/1863, p. 2).

191 Súcia: corja (multidão de pessoas desprezíveis ou de malfeitores). 192 Grifos meu.

Embora se refira a querelas entre os proprietários de escravos e a polícia da cidade, o protesto acima revela uma observação pertinente acerca da discussão sobre o hábito que os escravos tinham de andar nu pelas ruas da cidade ludovicense.

A comodidade e a seguridade idealizada pelos legisladores tinham a intenção de dar à cidade a segurança, ao limitar a circulação e o lazer dos escravos no espaço citadino, assim como buscava dar à cidade um ar de civilidade, que perpassava pela idéia de dar um ar de moralidade espaço citadino. No entanto, as infrações registradas junto ao Corpo de Polícia denotam que ela foi fortemente corrompida, pelos conflitos ocorridos com o intuito de implementá-la no espaço citadino ludovicense.