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A morosidade judicial e a pouca eficácia do instituto

O Jornal Nacional (2017) realizou neste ano, no mês de abril, uma série de reportagens que mostra os caminhos para a adoção no Brasil, “um processo de construção da família a partir do amor; uma jornada que precisa de paciência e apoio”.

O Cadastro Nacional de Adoção (CNA), do Conselho Nacional de Justiça (BRASIL), tem cerca de 7.200 crianças cadastradas para adoção no país, seus pais biológicos perderam definitivamente o poder familiar, paralelo a esse número de crianças que se encontram a espera de uma família, existe uma fila bem maior esperando por um filho, esse é um caminho que exige muita paciência, como mostrou a edição da reportagem. Esta afirmou que o Brasil tem mais interessados em adotar do que crianças e adolescentes disponíveis para adoção. A média no cadastro nacional é de cinco pretendentes para cada criança disponível para adoção e, mesmo assim, muitas passam a vida nos abrigos. É que elas nem sempre se encaixam nos desejos dos adotantes, Veja-se no mapa, Jornal Nacional (2017).

Resta evidente, com todo o exposto, que o processo de adoção no Brasil, apesar de já ter evoluído muito, em toda a sua trajetória, carece de muita evolução a fim de que seja atendida a sua real necessidade, qual seja atender com primazia os interesses da criança e do adolescente, nesse sentido, no que concerne à possibilidade de ter uma família, que garanta a esse ser em desenvolvimento, sobretudo, um desenvolvimento sadio, livre de abandonos que lhe causem prejuízos irreparáveis.

Com base nos estudos realizados até então, têm-se claro que com a introdução da Lei 12.010/09, adveio com o objetivo de aprimorar o instituto da adoção, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, o que de fato aconteceu, todavia tal procedimento ainda necessita de muitas melhorias no que tange a celeridade e eficácia, visando sempre atender ao melhorar interesse da criança e do adolescente, qual seja nesse sentido o de ser acolhido por uma nova família, que venha lhe assegurar a segurança e o amor necessário para o seu sadio desenvolvimento.

Desta feita passa-se a analisar alguns dos entraves do instituto, sendo um deles a burocracia. Segundo Coimbra (2012), visando atender ao melhor interesse da criança, o legislador preocupou-se em criar uma série de requisitos e formalidades, para que a adoção de fato se concretizasse, desde a fase de habilitação, até a fase de instrução do processo adotivo.

Ocorre que tais entraves burocráticos por vezes acabam por emperrar o procedimento e ao invés de agilizar a possibilidade de a criança poder estar convivendo com uma nova família, de acordo com a legislação vigente retardam tal possibilidade, o que ocasiona um maior tempo para as crianças e adolescentes permanecerem institucionalizadas, esperando para serem adotadas.

Neste sentido é o entendimento de Maria Berenice Dias (2009), a habilitação à adoção transformou-se em um processo a parte (ECA 197-A), inclusive com petição inicial que deve ser acompanhada de uma série de documentos, entre eles: comprovante de renda e de domicílio; atestado de sanidade física e mental; certidão de antecedentes criminais; e negativa de distribuição cível.

No mesmo sentido Eunice Ferreira Rodrigues Granatto(2010, p.87), discorre:

[...] as exigências para o cadastro são excessivas. Não se pode esquecer que o cadastramento da pessoa significa, apenas, que ela integra um cadastro, com muitas pessoas à sua frente e que, diferentemente do que parece se ler na lei, que a pessoa vai ser logo chamada para adotar, às vezes a demora é de anos, quando, então, as condições do pretendente já se modificaram, perdendo aquele trabalhodocadastro a sua utilidade.

Todo esse tempo gerado pelo entrave burocrático, e consequentemente a maior permanência do adotando em lares e abrigos, por não raras vezes transforma inclusive o perfil da criança, o que fica fora dos padrões almejados pelo adotante. Sendo assim tais etapas burocráticas deveriam ser abreviadas, ou ao menos que se estipulasse um prazo, visando agilizar o processo de adoção, evitando um maior prejuízo principalmente ao adotando.

Outro fator que desencadeia a demora nos processos adotivos, é sem dúvida alguma a lentidão nos processos de Destituição do Poder Familiar.Pertinente a esse assunto é a manifestação deCunneo (2010, p. 8):

Não raro, nos abrigos, a criança permanece anos aguardando uma definição, sem saber se será reintegrada à família de origem, colocada em família substituta através de adoção ou mesmo se permanecerá na instituição sem perspectivas de acolhimento familiar. [...] Impor-lhes longos períodos de abrigamento, tornando-as vítimas da burocracia judiciária ou mesmo do caos familiar que impede o desfecho final da destituição do poder familiar significaria penalizá-las duplamente.

Conforme Coimbra (2012, [n.p.]), não se pode justificar razoavelmente a demora procedimental na destituição de poder familiar com relação àquelas crianças as quais não possuem qualquer referência familiar, já que estas, potencialmente, já possuem condições para serem adotadas, prescindindo apenas da chancela do judiciário.

Diante de tais apontamentos, pode se evidenciar que a morosidade nos processos de adoção existe, e consequentemente acarreta na pouca eficácia do instituto, dentre outros fatores, o que urge medidas urgentes do poder público, frente a tamanha relevância da questão.

Pode-se ainda salientar diante dos estudos realizados, o instituto da adoção no Brasil, continua eivado de preconceitos, os quais, por vezes, advêm próprios adotantes, outras da sociedade, e esse é mais um fator decisivo para a deficiência dos processos adotivos.

Conforme Pezzini (2015), toda a burocracia que é utilizada no processo de adoção, consequentemente acarreta na lentidão, e afeta diretamente aos maiores interessados nasituação, privando-os do que lhe é mais importante, a convivência familiar, e sobretudo interferindo de forma muito negativa ainda, no direito de toda uma família, que poderia ter sido criada, não fossem todos esses entraves do processo de adoção.

Outrossim, de acordo com o artigo 227 da Constituição Federal (BRASIL, 1988):

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O referido dispositivo Constitucional tratou de cuidar da prioridade absoluta, que deveria ser dispensada a criança e ao adolescente, inclusive no que concerne ao direito a convivência familiar, a não observância de tal dispositivo acaba por ferir inclusive o princípio da Prioridade Absoluta, introduzido no Brasil através, da Convenção dos Direitos Humanos, e materializado artigo 227 da CF, supracitado.

Refere Pezzini (2015, [n.p.]):

O processo de Adoção tem-se provado muito lento no Brasil apesar das modificações que sofreu ao longo do tempo. Isso acaba por desmotivar os adotantes que possuem o desejo de formar uma família. Afetando igualmente e de forma excessiva a estrutura das crianças e adolescentes sujeitados a aguardar em uma “fila de espera” dos cadastros de adoção, que em circunstâncias nenhuma parece diminuir.

Todos esses empecilhos, como podem de certa forma, ser definidos, a burocratização, a lentidão e a pouca eficácia para que um processo judicial de adoção chegue ao deslinde esperado podem agravar a situação do que é conhecido por adoção tardia, que é quando a adoção acontece para crianças maiores, de maior idade. A adoção tardia continua sendo um dos maiores entraves nos processos de adoção no Brasil, e precisa com urgência ser regulado e efetivado com maior eficácia.

Conforme apontamentos de Vargas (1998, p. 35), “tardia é a qualidade utilizada para intitular a adoção de crianças maiores. A adoção é considerada tardia quando a criança tiver

mais de dois anos”. Estas crianças ou foram abandonadas tardiamente pelas mães e pelos pais, que por circunstancias pessoais ou socioeconômicas, não puderam continuar se encarregando delas, ou foram retiradas tardiamente dos pais pelo poder judiciário que os julgou incapazes de mantê-las em seu pátrio poder.

Há ainda uma terceira hipótese, talvez a mais cruel e mais evidenciada nos espaços de abrigamento distribuídos pelo Brasil, que são as “crianças “esquecidas” pelo Estado desde muito pequenas em orfanatos”. Estas crianças, muitas vezes em função do passar do tempo e da morosidade dos processos de adoção acabam deixando de se “enquadrar” no perfil preferencial dos adotantes no Brasil, que são de crianças menores.

Para Pezzini (2015), a criança pode ser definida como maior, na adoção tardia, quando já consegue-se particularizar, distinguindo-se das demais, isto é já possuem certa autonomia para desenvolver e lidar com os seus anseios, levando em consideração muitas vezes o que vivenciaram até então.

Resta claro que a morosidade num processo de adoção, vai muito além do que deveria, e que atinge diretamente as crianças e adolescente que nesse contexto serão sem dúvida alguma serão os maiores prejudicados, e que tal prejuízo poderá acarretar a sua permanência por longo período de tempo em lares, abrigos e instituições de acolhimento, chegando por muitas vezes a nem saírem, antes de que atinjam a maioridade.

Segundo apontamentos de Pezzini (2015, [n.p.]):

O Ministério Público tem o papel de fiscalizar o andamento do processo de adoção de crianças e adolescentes, assim como apurar as condições em que as mesmas vivem nos abrigos, a titular da 7ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude Antônia Lima Sousa (MP/CE), aponta que, em alguns casos, crianças e adolescentes ficam à espera de uma família por até quatro anos. Segundo ela é “inaceitável que uma criança, que já tem em sua essência a rejeição materna e por isso carrega um dos piores traumas da vida, tenha que viver tanto tempo institucionalizada. O que ela precisa é ser muito amada, porque já foi machucada pelo abandono”.

Há que se concordar, com o posicionamento acima colacionado, acerca do pensamento da Titular da 7ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude Antônia Lima Souza (MP/CE), de que é inaceitável que uma criança que já passou por tantas dores, traumas e abandonos, passe por tanto tempo em instituições, afastada da possibilidade de ter um novo lar, uma nova

chance, enfim, uma nova família, por motivos administrativos e burocráticos nos processos judicias de adoção, eis a certeza de que o processo ora vigente para a adoção no Brasil, necessita de mudanças urgentes, visto que está muito aquém de suprir as reais expectativas e necessidades.

Para Pezzini (2015, [n.p.]):

Constata-se uma demasiada burocracia acarretada pela lei nacional de adoção obstruindo o direito ao convívio familiar da criança e do adolescente indefesos e esquecidos em instituições de acolhimento, uma vez que é a agilidade do procedimento que deveria assegurar esta convivência. Desse modo tal burocracia, além disso, esgota os adotantes, impedindo os candidatos de terem a oportunidade de participar da primeira infância do filho, por aguardarem anos na fila de adoção. A inexistência de uma mãe ou de um pai na formação do filho afetara muito o reconhecimento da criança, o que é considerado indispensável para sua socialização.

Sabe-se, que o assunto adoção é extremamente importante e delicado e por isso requer maior atenção e cuidados para sua efetivação, não sendo possível muitas vezes pensar somente em agilizar o processo, se fazendo necessário sempre uma maior observância e capacidade de identificar cada caso como sendo único frente as suas particularidades. Não é possível pensar somente em facilitar para que a adoção se concretize, tem que existir um equilíbrio, pois nem sempre a adoção vai fazer bem, ao adotado, que é o que se espera de fato.

Segundo Vargas (1998, p.35), “no momento em que a sociedade nega a criança o direito de inserir-se num contexto familiar, está provendo uma interferência determinante em seu processo de constituição e, consequentemente em seu modo de ser e estar no mundo”.

Segundo Liberati (1991, p. 21), o princípio da Prioridade Absoluta para a criança e o adolescente deveria assegurar que eles se encontrassem em primeiro lugar na lista de prioridades dos governantes, assim como nas prioridades da sociedade como um todo, a morosidade no processo de adoção atinge em cheio tal princípio, uma vez que a criança permanece em uma fila de espera por anos, esperando a oportunidade de ter uma família, o que vai em desencontro total do que é vislumbrado por tal princípio.

É nítida a grande problemática no que se concerne ao tempo de espera para que uma adoção se concretize no Brasil, problema este que acaba por muitas vezes fazendo que os possíveis pais de uma criança, desistam, se frustrem com tamanha dificuldade e burocracia,

impossibilitando assim um novo lar, para aquela criança que poderá permanecer em um abrigo até atingir a sua maioridade, e depois disso acabar talvez nas ruas, sem uma base familiar, aumentando assim os problemas sócias, e também da criminalidade, este problema deve ser visto e entendido de forma mais abrangente possível, sendo que a impossibilidade gerada pela não adoção, pode acarretar a muitos outros problemas sociais, ao longo da vida de quem foi privado de ter uma família, e por que não dizer que os problemas também existir para quem foi privado de ter um filho.

Ainda, pode ser que essa criança, que logo passará a fase da adolescência, não permaneça institucionalizada, devido aos seus próprios traumas e rancores, venha até mesmo a fuga, e a partir de então passe a viver nas ruas, a margem da sociedade, aumentando os problemas sociais do país.

É inadmissível que na atualidade, não tenham sido diagnosticados os principais fatores que entravam a adoção na prática, e que posterior a isso se dê a relevância devida, ora, não se está falando apenas de números, se está falando de vidas, vidas em desenvolvimento que merecem o maior respeito e tratamento especial, prioritário, como referem diversos dispositivos legais, tais como Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 12.010/09, entre outros.

Todo processo deve ter um tempo razoável para o seu deslinde, muito mais se esse processo tratar dos interesses de uma criança ou adolescente, haja vista, a doutrina da proteção integral inaugurada através do artigo 227 da Constituição Federal de 1988, bem como o princípio do melhor interesse que assegura que, em qualquer situação ou problema que envolva crianças, seja sempre buscada a alternativa mais apta a satisfazer seus direitos, para que seus interesses estejam sempre em primeiro lugar.

De acordo com o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990, grifo do autor):

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Diante de tais premissas, vê-se que sempre os interesses da criança e do adolescente devem ser atendidos com primazia, não pode isso ser diferente nos processos judicias, muito menos se tratando de processos relacionados à adoção, que trata de assunto que visa proporcionar o direito a convivência familiar, ao direito de ter uma nova família, direito a receber e dar amor, direito relacionado diretamente ao seu sadio desenvolvimento.

Eis que urge a necessidade de intervenção, de mudanças para garantir a facilitação no processo de adoção. A morosidade judicial nos processos de adoção no Brasil se deve a vários fatores, elencados no presente trabalho, e o instituto não apresenta a eficácia esperada, mesmo com toda a evolução que já passou ao longo da história da humanidade.

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