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Alguns apontamentos críticos

Visto através de todo o estudo realizado que a adoção existe desde os tempos mais remotos da antiguidade, sendo que naquela época o instituto tinha cunho principalmente religioso, haja vista vislumbrar atender o culto dos antepassados, a adoção visava à época dar continuidade a família, principalmente para aqueles casais que não podiam ter filhos, se sobressaindo o direito do adotante ao do adotando, obviamente, nesse período destacavam-se os Códigos de Hamurabi, Leis de Manu e a Bíblia, tendo em vista que todos tiveram algum registro sobre a adoção em suas passagens. (MANFREDINI, 2014)

Ainda, no início do surgimento do instituto da adoção, o que se visava principalmente era atender aos interesses de quem adotava, seja por questões religiosas, para dar continuidade à família não deixando que seus nomes morressem quando não podiam ter filhos, atendendo naquela época claramente aos interesses de quem adotava em primeiro lugar.

A adoção foi demonstrada inclusive em histórias clássicas infantis, como a exemplo, os contos Cinderela, João e Maria e o Patinho Feio. Também é possível relacionar o tema da adoção com a passagem bíblica de Moisés. (PRESTES, 2008, p. 1).

Nas palavras de Prestes, (2008, p. 1),

Apesar da variação entre uma história e outra, é sempre possível detectar a existência de certos matizes que se repetem, donde podemos colher fios de narrativa que apontam para as mesmas temáticas: rejeição, redenção e acolhimento. Acolhimento também se faz presente em Pinóquio, sob a perspectiva da adoção de uma criança que, longe de ser a ideal, é aquela que é dada em atendimento mágico ao anseio de paternidade, e é por isso amada e recebida carinhosamente.

Conforme Prestes, (2008, p. 1):

Tais contos podem ser correlacionados com o tipo de literatura contemporânea dedicada à adoção, que, fundamentalmente, se caracteriza como uma ferramenta de auxílio para pais adotantes no processo de revelação da condição de adotado às crianças. Assim, propomos um estudo comparativo, tomando como base etnográfica as histórias de alguns clássicos infantis em contraposição com esta literatura voltada para pais e filhos adotivos, procurando matizes de semelhança e diferenças na abordagem das temáticas da adoção e do acolhimento de uma criança.

Conforme já demonstrado anteriormente, o Brasil tinha, em 2013, 44 mil, crianças e adolescentes vivendo em abrigos, segundo o CNCA (BRASIL, 2013), e de outro lado, um número ainda maior de pessoas dispostas a adotar. Fica cada vez mais fácil de notar, que um dos principais motivos para que isso ocorra é sim a discrepância entre o perfil que os possíveis pais, idealizam para seus possíveis filhos, fato que torna o instituto de adoção, como sendo de alta complexidade, admite o CNJ (BRASIL, [s.d.]).

Conforme Jarduli (2016), além da burocracia no processo de adoção no Brasil, se encontram outros fatores problemas, como o preconceito referente ao perfil escolhido por quem deseja adotar, sexo, idade, cor, são coisas que pesam na hora de que a adoção aconteça. Nestes termos, pode-se se identificar as incompatibilidades, entre o que se espera pelos adotantes e o que é realmente o perfil das crianças que aguardam adoção nos abrigos Brasileiros. O que se vislumbra é a existência de um “perfil idealizado”, segundo o qual os desejos dos adotantes são de crianças brancas, menores de quatro anos, saudáveis e sozinhas, no entanto, este não é o perfil das crianças disponíveis para a adoção no Brasil.

Sobre a perspectiva da autora, pode-se fazer a crítica acerca de um dos entraves para a efetivação da adoção no momento atual no Brasil, qual seja o preconceito, frente à idealização de um perfil para a criança a ser adotada, o que acaba por gerar a impossibilidade de muitas crianças serem adotadas, por não se encontrarem no perfil desejado de quem pretende adotar.

Sobre a constituição deste perfil idealizado, Souza (2012) já afirmava em 2012, quanto às características das crianças pretendidas para adoção, que 91% dos pretendentes queriam adotar crianças brancas, 61% pardas, 36% tinham preferência por crianças amarelas, 34% aceitavam crianças negras e 33% adotariam indígenas. A maioria, 82% das pessoas inscritas no CNA, pretendia adotar uma criança, enquanto que somente 16% desejavam duas crianças e 0,77% da amostra se dispunham a adotar três crianças.

Conforme sintetiza Gurgel (2016), para cada criança cadastrada para adoção há quase 6 famílias dispostas a acolhê-la. Se for contabilizado apenas dentro do perfil desejado de até 12 anos, esse número aumenta para 16 famílias por criança. Porém, a diferença entre o perfil idealizado e o mundo real é o grande obstáculo à redução da enorme fila de espera. Segundo a autora, outro elemento que costuma ser sério entrave à saída de crianças e adolescentes das instituições de acolhimento é a baixa disposição dos pretendentes para acolher grupos de irmãos, principalmente os acima de dois. Entre as crianças aptas à adoção, 47%, fazem parte de grupos de irmãos e a prioridade é de que elas não sejam separadas, o que diminui as chances de encontrarem família. Além disso, as condições de saúde vêm a ser outra barreira, muitas vezes difícil de ser vencida.

Uma das características mais difíceis de serem correspondidas é a idade. Em um dos últimos levantamentos divulgados pelo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os dados apontam que apenas 6% das crianças aptas a serem adotadas no Brasil têm menos de um ano de idade, enquanto 87,42% têm mais de cinco anos, faixa etária aceita por apenas 11% dos pretendentes.

No caso de Porto Alegre, por exemplo, o CNA indica que cerca de 90% dos casais pretendentes desejam adotar uma criança entre zero e cinco anos, mas apenas 4,61% dos disponíveis para adoção se encaixam nesse perfil. Do total de crianças e adolescentes que aguardam por uma família, no Brasil, 67,5% têm entre 11 e 15 anos de idade.

Nesse sentido, afirma Gurgel (2016), evidencia-se um nítido preconceito com relação às crianças maiores, pois os pais adotantes acreditam que não podem moldar o comportamento delas, uma vez que elas têm um passado, uma história e, assim, mais consciência dos traumas vivenciados, além de personalidade mais definida. Em contrapartida, a maioria das relações pessoais são com pessoas de criações diferentes e, dessa forma, cresce-

se e aprende-se com elas. Os candidatos a pais alegam também que evitam a adoção tardia pela adaptação à família poder ser mais difícil e trabalhosa

A importância e delicadeza do assunto poder ser outro fator que contribua para o aumento da burocracia nesses processos. Refere Camargo (2005, [n.p.]):

Os mitos que constituem a atual cultura da adoção no Brasil, apresentam-se como fortes obstáculos à realização de adoções de crianças "idosas" e adolescentes (adoções tardias), uma vez que potencializam crenças e expectativas negativas ligadas à prática da adoção enquanto forma de colocação de crianças e adolescentes em famílias substitutas. A criança recém-nascida, e como nos apontam os números, é mais procurada pelas famílias postulantes à adoção. Tal fato se justifica pelo encontro de "possibilidades" e "expectativas" que nas mesmas se materializam, porque representam. (...).

Ainda segundo os dados do Cadastro Nacional, das crianças e adolescentes que aguardam por pais em todo o Brasil, 8,53% possuem algum tipo de deficiência mental e 3,96%, deficiência física. Há ainda crianças com HIV, que representam 1,65% do total, e outros 10,89% têm algum outro tipo de doença detectada. Estas também constituem crianças muito rejeitadas pelos pretendentes à adoção.

Por tudo isso, afirma Gurgel (2016), o fato de os pretendentes definirem um perfil clássico à adoção, que é de acolher um bebê, gera um tempo considerável de espera para que a adoção aconteça. A reflexão que os futuros pais precisam ter na hora de escolherem o perfil, no tocante à idade, precisa ser cautelosa, pois eles têm de analisar duas variáveis importantes para eles: de um lado, o desejo deles de acolher um bebê; de outro, o tempo de espera para ter seu filho. O perfil não deve ser definido exclusivamente em função do tempo de espera. É preciso que a família encontre um equilíbrio entre o perfil desejado – com a possível ampliação para a adoção tardia, de grupos de irmãos e de crianças com necessidades específicas de saúde ou deficiências – e os recursos emocionais ou financeiros que possui, a fim de garantir o verdadeiro acolhimento dessa criança ou adolescente como filho.

Na longa trajetória do instituto da adoção no Brasil, já muito se avançou, porém ainda são necessários muitos ajustes tanto na própria legislação vigente, quando em aplicação de políticas sociais relacionadas a esse tema, a fim de que seja facilitado o processo de adoção, no que tange a ser mais ágil, e mais eficaz, com menor rigorismo, visando sobretudo alcançar sempre o melhor interesse da criança e do adolescente.

A lei precisa de mudanças, mas a aplicação da lei também precisa de mudanças, as pessoas devem estar devidamente preparadas para se candidatar a adotar, conhecendo antes, e melhor acerca do instituto, e, mais do que isso, estando dispostas a superar velhos preconceitos que travam o processo.

É bem verdade, que a morosidade judicial, é um grande entrave na efetivação das adoções, porém é necessário uma análise de todos os ângulos, não se trata de um processo simples, haja vista ser tratado diretamente de entregar a criança, uma vida em desenvolvimento, a uma família, nova família, que até esse momento lhe era estranha, frente a isso tudo, o processo deve ser muito bem avaliado.

Sobre o posicionamento de Camargo (2005), é necessário que se mude a cultura sobre a adoção, é preciso trabalhar de forma conjunta a outra face da adoção, qual seja o abandono de crianças e adolescentes.

Portanto, leciona Camargo (2005, [n.p.]) que:

[...] já tarda um novo olhar para as políticas de atenção à mulher e de atenção à família. Se não olharmos para as instituições de acolhimento à criança ainda em vigor e se não olharmos para a atual cultura da adoção, e se estes nossos olhares não forem críticos e construtivos, a fim de remeter-nos a um engajamento científico, político e social, para que o cuidado com as crianças e adolescentes brasileiros torne-se mais humano do que estigmatizado, mais ético e estético do que maquiado de uma realidade que nos custa caro aos olhos internacionais, então amargaremos, por décadas e séculos, a incomodaria consciência de que não fizemos o que poderíamos ter feito.

Concorda-se com o posicionamento de Camargo (2005), de que a mudança sobre a adoção deve ir além das mudanças na legislação, tais mudanças devem atingir a cultura da sociedade, devem atingir aos governos, a promoção de políticas públicas, não só diretamente ao assunto da adoção, mas a assuntos relacionados à mulher, a família, a fim de que crianças sequer cheguem a condição de ser adotados.

Faz-se necessário o entendimento, de que assuntos relacionados à criança e ao adolescente sejam sempre, priorizados, em todas as situações. Não se deve preparar um filho para uma família, e sim uma família para um filho, imperioso é a mudança de pensamentos, a forma de ver, enxergar de maneira panorâmica o assunto de modo que seja possível prevenir

situações de abandono, e consequentemente de problemas sociais graves, como a exemplo a criminalidade.

Veja-se o que tratou o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em relação à Apelação Cível nº 70074687989 (Nº CNJ: 0232913-51.2017.8.21.7000):

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. ADOÇÃO. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.

Configurando-se, por um lado, os pressupostos da destituição do poder familiar (art. 1.638, II, do CCB, c/c arts. 22 e 24 do ECA) e, de outro, estando evidenciado que o melhor interesse da criança (art. 227, CF) estará protegido com a adoção que foi deferida, outro caminho não resta a não ser a confirmação da sentença de procedência.

NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.

[..] a criança se encontra plenamente adaptada, identificando os autores como pais. O sólido e estável laço de afinidade construído reciprocamente, com benefícios deste convívio à menina, permitem a procedência da ação, uma vez que há cuidado e segurança no núcleo familiar, trazendo proveitos ao desenvolvimento pleno da infante.

O amplo e duradouro vínculo comprova a relação filial, com todas as necessidades supridas no ambiente familiar, pelo que o instituto da adoção vai integralmente ao encontro dos interesses de S., uma vez que está sendo bem criada, cuidada e amparada pelo casal. Assim, com base no acervo probatório dos autos, o pedido prioriza o bem-estar e garante a proteção integral da criança, regularizando situação que de fato já está consolidada.

Logo, por tudo o que foi exposto e tendo em conta que deve ser resguardado o melhor interesse da infante, imperiosa é a manutenção da sentença que destituiu a genitora do poder familiar sobre a filha e deferiu o pedido de adoção feito por J. M. C. M. e M. E. S. M..

Isso posto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação.

Des. Ricardo Moreira Lins Pastl - De acordo com o (a) Relator (a). Des. Rui Portanova (PRESIDENTE) - De acordo com o (a) Relator (a).

DES. RUI PORTANOVA - Presidente - Apelação Cível nº 70074687989, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."

Julgador (a) de 1º Grau: MARCELO MAIRON RODRIGUES

O presente acórdão, evidenciou com clareza que se deve sempre, buscar atender em primeira ordem os interesses da criança e do adolescente, em relação aos direitos dos adultos, tendo negado provimento a apelação, e mantido a sentença que destituiu o poder familiar do apelante, e deferiu o pedido de adoção apelado, visando resguardar sobretudo, o melhor interesse da infante.

Contudo, cabe frisar, que após os estudos até aqui realizados resta evidenciado que muito já se avançou, no tocante a aplicação do instituto da adoção no Brasil, tanto em se tratando de legislação, como até mesmo de aspectos da política e cultura, a respeito do tema, embora ainda se tenha a necessidade de muitos avanços, a fim de que se garanta o que a própria lei já preconiza.

Não é admissível, que continuem vitimizados, criança e adolescente por demasiado tempo de espera em abrigos e instituições de acolhimento, esperando por uma família, por pais.

Faz-se urgente um trabalho intensivo com o cunho de conhecer e buscar alternativas que visem minimizar as problemáticas, que colaboram para que os entraves, no instituto da adoção continuem a acontecer.

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