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A mudança de paradigma e o papel de mediador do

Parte I – Enquadramento teórico

3. A Biblioteca Escolar e o seu coordenador em tempos de mudança

3.5. A mudança de paradigma e o papel de mediador do

A passagem de um “paradigma bibliográfico” para um paradigma que se centra na perspectiva do utilizador e nas suas necessidades é indispensável, tanto mais que houve alterações na própria forma de encarar a informação: passou-se da “informação- como-coisa” para a “informação-como-processo” (“information-as-thing” e “information-as-process”, Kuhlthau, 2004:2). Contudo, não obstante haver esta consciência, “the bibliographic paradigm and system approach for providing physical acess remains predominant” (idem:3).

A mudança de paradigma pressupõe uma sólida base teórica. Para Carol Kuhlthau, a teoria permite que o profissional baseie a prática em princípios gerais

7 A visão de conjunto também se encontra presente ao longo de todo o documento de Avaliação da

Escolas da Rede de Bibliotecas Escolares (2008).

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sólidos, em vez de depender exclusivamente de pressentimentos e intuições: “Experience solidly grounded in an understanding of theory is the basis for making sound diagnoses and designing services that respond to dynamic needs of clients and users” (idem:XV; realçado nosso). Diz estar a emergir uma “theory of librarianship”, que se baseia na investigação sobre processos construtivistas de utilizadores que procuram sentido e não apenas informação.

Para esta autora, é preciso conhecer o complexo processo de aprender, o que se prende com o conhecimento da psicologia da aprendizagem. A visão construtivista da aprendizagem, “which offers insight into what the user experiences, is a particularly valuable way to understand information seeking from the user‟s perspective” (idem:14). Relembra, a propósito, alguns dos ensinamentos de Dewey, cuja actualidade é assinalável, para quem a aprendizagem é vista como um processo individual activo, não como alguma coisa feita a alguém mas antes como alguma coisa que a pessoa faz; para quem a educação tem a ver como um processo activo e construtivo, com pensamento e reflexão, em que todos os aspectos da experiência são mobilizados.

A autora descreve as etapas pelas quais os sujeitos passam durante um processo de investigação, cujo conhecimento é de primordial importância para quem se encontra a acompanhá-lo9, uma vez que o papel de mediador no desenvolvimento de uma pesquisa da informação é de natureza complexa. Kuhlthau chama a atenção para a diferença entre “intermediário” e “mediador” – enquanto o primeiro põe em contacto a informação e o utilizador, sem haver necessidade do envolvimento de mais nenhuma interacção humana, o segundo assiste, guia, capacita, ou seja, intervém no processo de pesquisa de informação de outra pessoa. E isto faz toda a diferença para um coordenador de uma Biblioteca Escolar. Para Kuhlthau, existem cinco níveis de mediação – “Organizer; Locator; Identifier; Advisor; Counselor” (idem: pp. 114-120) – sendo o quinto o mais abrangente, pois envolve um processo de intervenção na pesquisa construtivista. Trata-se de uma experiência holística, que pressupõe cooperação em todas as fases: identificação do problema; diálogo; definição de estratégias; identificação das fontes; estabelecimento de sequências; redefinição.

9 Curiosamente, à medida que progredíamos na leitura da sua obra Seeking Meaning, íamo-nos

identificando com as diversas fases pelas quais fomos, nós próprias, passando, na elaboração do presente trabalho.

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Mas quando intervir? E intervir de que forma? Estas questões têm, para nós, a maior pertinência, porque nos debatemos com elas ao longo do acompanhamento constante que fizemos ao longo do ano lectivo a alunos do 12.º ano de Área de Projecto. Nem sempre os alunos queriam a intervenção, ou não a queriam naquela altura. Embora lhes reconheçamos toda a lógica, não é fácil proceder de acordo com as afirmações de Kuhlthau: “Identifying when intervention is needed and determining what mediation and education are appropriate is the professional‟s art, the role of the reflective practitioner” (idem:128). A autora avança o conceito de “zona de intervenção”10

, para além da qual não se deve intervir porque ela será vista pelo indivíduo como intrusiva e será, por isso, ineficaz e contraproducente. É difícil a tarefa de “counselor”; pressupõe muita reflexão-na-acção, assim como muita experimentação e enquadramento teórico entre os profissionais reflexivos. O enquadramento teórico passa também por conhecer os sentimentos que acompanham as diversas fases do processo construtivista: incerteza, angústia, ansiedade, falta de confiança. Não se trata tanto de os fazer desaparecer, mas de os encarar como naturais e apoiar o indivíduo em todas as fases do processo: “If we think of uncertainty as a sign of innovation and creativity, the goal of library and information services shifts from reducing uncertainty to suporting the user‟s

constructive process” (idem:200/201; realçado nosso).

O princípio da incerteza, os níveis de mediação e o conceito de zona de intervenção constituem o enquadramento teórico para a prática da mediação por parte de um coordenador. Atender um utilizador da Biblioteca Escolar envolve determinar em que altura do percurso de construção do saber aquele se encontra, a fim de lhe dar o apoio adequado. Nem de mais, nem de menos.

O acesso directo às fontes que os utilizadores hoje têm pressupõe um menor contacto com o coordenador. Porém, “there is a growing need for professional information counseling for seeking meaning and understanding from vast amounts of conflicting information” (idem:209).

Numa obra posterior (2007), Carol Kuhlthau, Leslie Kuhlthau Maniotes e Ann Kuhlthau Caspari reafirmam a importância do processo construtivista da aprendizagem

10

Trata-se de: “that area in which an information user can do with advice and assistance what he or she cannot do alone or can do only with great difficulty (idem:129)

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e avançam o conceito de “terceiro espaço” – aquele em que se encontram e interseccionam diversos aspectos que se mobilizam no acto de aprender.

Fonte: Third Space in Guided Inquiry (Kulthau, 2007: 32)

O “primeiro espaço” é o conhecimento pessoal e cultural; é aquele que se adquire fora da escola; é aqui que se situa também a forma individual de aprender. O “segundo espaço” é o conhecimento curricular oficial; é igualmente a forma como a escola leva os alunos a aprender. O “terceiro espaço” é onde os dois primeiros se sobrepõem, ligam e fundem para criar uma forma híbrida, completamente nova. As linhas tracejadas representam uma fronteira permeável à volta das formas de aprender – a oficial e a própria – que não são fixas. Pelo contrário, estão em contínua transformação.

When we think of classrooms as hybrid spaces that use outside-of-school knowledge to make sense of the curriculum, inside school knowledge, we find that new ways of talking and learning occur in third space (Maniotes, 2005). This requires educators to pull away from the either/or of child centered learning or curriculum-centered teaching. […] Escaping from this binary has the potential to transform schools into reaching the third space. Within third space, students

can construct new worldviews rather than having to take on the teacher‟s perspective or those mandated by the curriculum textbook (idem:32; realçado

nosso).

As autoras debruçam-se sobre as características que deve ter uma equipa que conduz e orienta a aprendizagem dos alunos; os recursos (interiores e exteriores à

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escola), a fim de criar um ambiente de aprendizagem rico; a relação estreita entre o processo construtivista de aprendizagem que o “guided inquiry” constitui e o desenvolvimento de competências em literacia de informação; a possibilidade de ir ao encontro dos critérios (standards) enunciados para os conteúdos das diversas áreas curriculares; a avaliação que este tipo de aprendizagem construtivista requer; o tipo de intervenções a fazer pela equipa orientadora da aprendizagem. E finalizam realçando que é indispensável ir ao encontro dos (e dar resposta aos) desafios colocados no século XXI.

Afirmam que, actualmente, uma percentagem elevada dos alunos abandona a escola porque esta instituição lhes provoca aborrecimento e que esta “epidemia silenciosa” resulta numa inacreditável perda de talento e potencial humanos. E questionam: “What can be done to solve the serious problem of students who see no relation between their schoolwork and their actual lives?” (idem:148). É indispensável implementar uma nova configuração de ensino e da aprendizagem nas escolas, de tal forma que se desenvolvam pensadores capazes de inovar, que saibam localizar, avaliar e utilizar a informação crítica e sensatamente, como trabalhadores, como cidadãos e, também, no seu dia-a-dia. O resultado será a obtenção de níveis mais elevados de literacia, que vão muito para além da mera procura de factos, os quais se relacionam com a construção de compreensão profunda e com significado, com repercussões na aprendizagem ao longo da vida. Evidentemente que há que redefinir os papéis do aluno, do corpo docente e do coordenador da Biblioteca Escolar – desempenhando este um papel central no que à implementação do “Guided Inquiry” diz respeito. Na equipa, todos precisam de ser altamente qualificados e ter um compromisso constante com a melhoria da aprendizagem. E concluem: “Only you can make it happen, by joining together as a powerful team with the competence and conviction to re-create your school. It is time to move forcefully to meet the demands of the far-reaching structural changes called for the in 21st-centuary learning” (idem:150).

Tudo isto nos diz muito, em particular. Revendo actividades desenvolvidas na Biblioteca no passado e a nossa forma de “dar aulas” (a expressão em si está cheia de significado), apercebemo-nos de que nos faltou sempre este enquadramento teórico e, por isso, não era fácil ajudarmos os alunos a atribuir sentido a tudo aquilo que, na nossa perspectiva, lhes íamos ensinando e, eles, aprendendo. Não é fácil deixar de “dar aulas”

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e passar a ser um guia num grupo de aprendizagem – quer como professora, quer como coordenadora da Biblioteca Escolar.

Uma vez em posse da teoria, como é que se passa para uma prática orientada por estes princípios? Esta foi sempre a grande questão que se nos foi colocando à medida que íamos progredindo na elaboração da presente dissertação.