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A Multiescalaridade e a Temporalidade

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1. CAPÍTULO 1: CONCEITOS E ELEMENTOS FORMADORES DO MEIO

1.3. O ORDENAMENTO TERRITORIAL

1.3.4. A Multiescalaridade e a Temporalidade

Tanto no âmbito urbanístico quanto no cartográfico, a questão escalar não se limita a definições dos campos da matemática ou da geografia, pois, este conceito vai além da representação gráfica dimensional do território e, da mesma maneira, a questão temporal ultrapassa os significados meteorológicos dados pelas ciências da terra.

2TXHVHYrKRMHQmRpDSHQDV³DGHVWUXLomRGHQRVVDVUHIHUrQFLDVHODoRV WHUULWRULDLVD³GHVWHUULWRULDOL]DomR´PDVVLPDLQVWDXUDomRGHXPDQRYDH[SHULrQFLD

GHHVSDoRHWHPSR´ +$(6%$(57S± grifo do autor). No processo de territorialização-desterritorialização-reterritorialização é fundamental distinguir as escalas, sejam elas espaciais (local ou global, nacional ou mundial), sejam temporais (de curta, média ou longa duração), já que uma desterritorialização pode ocorrer simultaneamente a uma reterritorialização (HAESBAERT, 1995, p. 181).

Nessa relação com o território, o problema das escalas se insere na disputa SHORSRGHU³HPVXPDDHVFDODpFHQWUDOHGHFLVLYDPDWHULDOHSROLWLFDPHQWHSDUD HVWUXWXUDU SURFHVVRV´ %5$1'­2 , p. 210). ³(OHPHQWR UHVSRQViYHO SHOD territorialização das relações de produção, o planejamento, em todos os níveis e HVFDODVPD[LPL]DRSRGHUGHTXHPGHWpPVXDVUpGHDV´ 6$17$1$S 

Os ideais de um planejamento,

quando da formulação de políticas voltadas para a área social, em todas as instâncias administrativas (federal, estadual e municipal), que estes novos elementos e suas implicações, que ultrapassam a dimensão meramente demográfica, sejam tratados como variáveis fundamentais para o diagnóstico dos processos sociais em curso e para a seleção das ações a serem implementadas (IBGE, 2009, p. 40).

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 18, considera União, estados e Distrito Federal e municípios entes federados e dotados de autonomia, estabelecendo as especificidades para cada uma dessas escalas. Esse mesmo instrumento legal determina as diversas competências desses entes e institui a União como responsável pelas diretrizes genéricas para a matéria urbana, incluindo nela diretrizes de ordenamento territorial, acesso à moradia e promoção social, deixando a critério estadual a complementaridade dessas normas.

Resta à esfera municipal, a inserção de parâmetros específicos de ocupação físico-territorial. ³2³RUGHQDPHQWRWHUULWRULDO´HRSODQHjamento e/ou as políticas que o acompanham seguiram rumos semelhantes, assimilando abordagens mais micro ou VHWRULDLV QmR LQWHJUDGRUDV GH WUDWDPHQWR GR HVSDoR JHRJUiILFR´ +$(6%$(57 2006, p. 118 ± grifo do autor).

É certo, de todo modo, que mudar a cidade, a partir de [um] certo patamar de ambição, não depende só de forças e trunfos inscritos na escala local, seja lá onde for. 5HSXGLDUXPDLGHRORJLDORFDOLVWDLQJrQXDQRHVWLOR³SHQVDU JOREDOPHQWH DJLU ORFDOPHQWH´ RX DLQGD SLRU SHQVDU H DJLU ORFDOPHQWe), é apenas uma das tentações a serem evitadas para que o planejamento e a gestão urbanos sirvam como meios efetivos de promoção do desenvolvimento urbano (SOUZA, 2010, p. 519).

(TXLYRFDGDPHQWH ³Sassaram a ser valorizados mais os micros do que os macropoderes, mais a micro do que a macroeconomia, mais a subjetividade do que

a objetividade, mais os localismos do que as visões global-WRWDOL]DQWHV´ (HAESBAERT, 2006, p. 118). Isso motivou a perda da consideração multidimensional, multidisciplinar e multiescalar do processo de planejamento urbano.

Por isso é necessário entender essa lógica localista de uma escala intramunicipal ± e ainda mais limitada, a escala intraurbana ± como imprópria a um bom planejamento, pois, os interesses locais são específicos e limitados, e maiores que o próprio município são as escalas intermediárias (intermunicipais e intrarregionais) e, mais ainda, a abrangência das escalas nacional e internacional.

8P ³UHRUGHQDPHQWR WHUULWRULDO´ LQWHJUDGR KRMH p QHFHVVDULDPHQWH multiescalar e multiterritorial, no sentido da combinação não simplesmente GRV HVSDoRV SROtWLFR HFRQ{PLFR FXOWXUDO H ³QDWXUDO´ PDV GDV P~OWLSODV escalas e formas espaciais (incluindo os territórios-rede) em que eles se manifestam. Ignorar esta complexidade é retornar mais uma vez a políticas paliativas e setoriais de pensar a relação entre a sociedade e seu espaço (HAESBAERT, 2006, p. 123 ± grifo do autor).

3DUD %UDQGmR ³FDGD SUREOHPD WHP D VXD HVFDOD HVSDFLDO HVSHFtILFD e preciso enfrentá-lo a partir da articulação dos níveis de governo e das esferas de SRGHUSHUWLQHQWHVjTXHODSUREOHPiWLFDHVSHFtILFD´ (2007, p. 208). Portanto,

atacar as desigualdades socioespaciais, por um novo ordenamento territorial, significa atacá-las em seus múltiplos níveis, a começar pelo intraurbano, especialmente no caso das grandes metrópoles nacionais, passando depois pelo mesorregional e chegando até o macrorregional, onde está incluída, de forma mais ou menos implícita, a própria relação nacional-global (HAESBAERT, 2006, p. 122).

Assim sHQGR³as desigualdades espaciais não são um fenômeno que pode ficar restrito ± ou mesmo ser priorizado ± em termos de uma escala específica, como DHVFDOD³UHJLRQDO´´ +$(6%$(57S ± grifos do autor). Já em meados do século SDVVDGR³R[s] avanço[s] dos sistemas de comunicações que eliminaram os limites entre municípios, cidades e estados, e criaram interesses para vastas regiões que são econômica e socialmente articuladas impõem a abrangência regional do SODQHMDPHQWR´ )(/'0$1S 

Hoje, embora os municípios tenham autonomia para tratar das políticas públicas urbanas, a grande maioria não se estruturou adequadamente e, o que se vê é a prevalência de gestões diversificadas em vários campos e de interesses fragmentados, focados na escala intermunicipal, sobre as demais escalas. Devemos reconhecer que ³YLYHPRV SURFHVVRV GH GHVWUXLomR GDV HVFDODV LQWHUPHGLiULDV H R

mundo estaria confirmando a tendência bipolar das escalas espaciais ± DSHQDV³R ORFDO´H³RJOREDO´´ BRANDÃO, 2007, p. 183 ± grifos do autor).

Todas as escalas devem ser revitalizadas e comunicar-se entre si, pois, cada uma delas tem sua importância e sua função. Elas foram perdendo, ao longo dos anos, espaço para localismos imediatistas, principalmente, as escalas intermediárias e a nacional. Como relata Brandão,

fica patente hoje a necessidade de reconstrução, teórica e política, de nossa reprodução social e material em bases nacionais, ou melhor, a reconstrução da própria escala nacional, atingida duramente por políticas antinacionais e antipopulares há décadas (2007, p. 184).

Ressalta-se assim, que, um território não pode se reduzir a uma única escala, especialmente um país de dimensões continentais como o Brasil, nem mesmo à conjuntura das escalas federal e municipal. Nesse país de grande diversidade, faz-se necessária a implantação de escalas intermediárias, que foquem uma determinada região, que pode ser a macrorregião ou a microrregião.

O estado federativo, como um campo de disputas latentes entre as elites locais de dominação de seus territórios, nem sempre consegue administrar essa intermediação escalar adequadamente, sendo imprescindível a implantação de regiões metropolitanas ou outras regiões que tenham interesses em comum num mesmo município, estado ou uma associação deles. Assim,

o grande desafio da proposta multiescalar é aprender a tratar dialeticamente as heterogeneidades estruturais (produtivas, sociais e regionais) de um país continental, periférico e subdesenvolvido, como o Brasil, a fim de fazer operar essa sua imensa diversidade e criatividade no sentido do avanço social, político e produtivo (BRANDÃO, 2007, p. 204).

Dependendo do referencial, até mesmo os países precisam se unir em escalas intermediárias para serem ouvidos no contexto global. A globalização pode definir um território sem fronteiras, mas não sem barreiras. Para alcançar interesses comuns, os países em desenvolvimento, como o Brasil, precisam de aliados políticos e de incentivos econômicos para enfrentar as barreiras e os corporativismos dos países mais desenvolvidos.

Santana ressalta que, ³por ser e estar imbuída de contradições, e de acordo como os interesses estratégicos momentaneamente hegemônicos, a ação do planejamento regional constrói/produz uma espacialidade marcada por continuidades e inovao}HV´  S   E conclui: ³a escala regional do planejamento talvez seja a que, de forma mais contundente, expresse os conflitos

presentes no processo, já que possibilita a atuação de agentes normalmente H[FOXtGRVGRSODQHMDPHQWRHPHVFDODQDFLRQDO´(IDEM, p. 28).

Vivendo num país de grande heterogeneidade, é perceptivo que os interesses com relação a essas diferenças espaciais de escalas se esbarrem em restrições capitalistas, pois, as elites empreendedoras detêm o poder de fazer e permitir fazer apenas o que é de seu próprio interesse, chegando ao ponto de iludir os agentes políticos fazendo com que eles próprios acreditem possuir em suas mãos o poder que, na verdade, pertence aos empresários capitalistas.

Assim como a escalaridade, a temporalidade é outro fator de grande importância no contexto do ordenamento territorial e determina uma generalidade necessária à elaboração dos instrumentos legais. Como afirma Souza, o território é construído dentro das mais diversas escalas temporais, que podem ser permanentes ou periódicas (1995, p. 81). Todo bom planejamento trabalha com a temporalidade ampliada, o que é contrário ao lucro imediatista a que o mercado imobiliário visa e define leis que abrangem genericamente as questões urbanas e não necessitam ser constantemente reformuladas por superação dos seus princípios.

O planejamento urbano deve ser focado em longo prazo e a reavaliação dos instrumentos legais de ordenamento territorial deve respeitar uma temporalidade de, no máximo 10 em 10 anos. Mas isso determina a necessidade de revisões periódicas, muitas vezes, produzindo regulamentações e projetos específicos, prevendo a mutabilidade das ações humanas no território.

O planejamento deve buscar nos instrumentos de ordenamento territorial estudos específicos sobre e entre as diversas dimensões (econômica, social, ambiental e outras) envolvidas no processo, visando abranger a espacialidade global e a temporalidade contínua. (YLGHQWH TXH ³D KLSRWpWLFD FRQFLOLDomR HQWUH R crescimento econômico moderno e a conservação da natureza não é algo que possa ocorrer a [em] curto prazo, e muito menos de forma isolada, em certas atividades, ou em locais espHFtILFRV´ 9(,*$S 

As múltiplas escalas e a diversidade temporal devem ser analisadas com especial atenção em todo o processo de planejamento urbano, pois, é evidente que ³QmRH[LVWHWHPSRVHPHVSDoRPDVVLPTXH as novas velocidades de transporte e comunicação permitiram a supressão ± ou pelo menos o enfraquecimento ± de um dos entraves espaciais mais importDQWHVDGLVWkQFLDItVLFD´(HAESBAERT, 2006, p. 119), relativizando o espaço e dando imediatismo ao tempo.

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