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1.1 TEORIA DA VARIAÇÃO E MUDANÇA LINGUÍSTICA

1.1.4 A narrativa para Labov e o conceito de vernáculo

A sociolinguística tem como um dos seus principais objetivos estudar a língua em seu estado mais natural e espontâneo e, para tanto, precisa capturar o vernáculo dos informantes selecionados. Para cada pesquisa, essa não é tarefa fácil, pois a presença do pesquisador e do gravador (em coletas de dados orais) proporciona um grau de formalidade que dificulta o relaxamento necessário para que o informante produza sentenças o mais próximo possível do seu vernáculo, utilizado em conversas com amigos e familiares em situações descontraídas.

Por vernáculo, Labov (1972, p. 245) entende “o estilo em que o mínimo de atenção é prestado ao monitoramento da fala” Para que se conseguisse capturar o vernáculo, então, é que as narrativas de experiência pessoal se tornaram uma ferramenta importante em termos metodológicos para o pesquisador-sociolinguista. O trabalho pioneiro de Labov e Waletsky (1967) intitulado Narrative Analysis: oral versions of personal experience introduziu os estudos das narrativas à Sociolinguística e depois deste muitos outros se seguiram transformando esse tema em um dos mais frutíferos para os estudos do discurso em razão da estrutura dos eventos de fala que subjazem a narrativa.

Segundo Labov e Waletsky (1967), uma narrativa pode ser definida “como uma maneira particular de reportar/contar eventos passados, em que a ordem da sequência de sentenças independentes é interpretada como a ordem dos eventos que são referidos” (LABOV, 2006, p.1) pelo narrador. Para esses autores, o que distingue narrativas de outros jeitos de reportar/contar o passado é o que eles mesmos denominam de “conjuntura temporal”, que é a relação entre o antes e o depois que envolve duas sentenças independentes e que combina a ordem dos eventos no tempo. (LABOV, 2006, p. 1).

Em narrativas de experiência pessoal, espera-se que o informante se preocupe mais com o conteúdo do que está sendo contado do que

propriamente com a forma como está contando. Assim, o pesquisador procura suscitar perguntas que envolvam situações de emoções mais intensas, como por exemplo, casos em que o informante tenha corrido algum risco de vida ou uma situação que tenha marcado sua adolescência.

Em qualquer narrativa há uma estrutura comum que a constitui, cujas partes foram assim subdivididas por Labov e Waletsky (1967): resumo, orientação, complicação da ação, avaliação e coda. As unidades mínimas que compõem cada uma dessas partes são chamadas de “orações narrativas” e cada uma delas tem papel importante para a constituição/construção da narrativa.

O primeiro passo para se construir uma narrativa, segundo esses autores, é escolher algo que deva ser contado/reportado; o segundo passo é construir uma série recursiva de eventos que precedem “o evento mais importante” a ser reportado, que deve ser conectado com os fatos que se sucedem. Essa cadeia recursiva de eventos conectados irá gerar a complicação da ação. O terceiro passo é localizar um evento em que a pergunta “Por que isso aconteceu” torna-se desnecessária. A orientação é uma seção, em geral no início da narrativa, que informa o interlocutor sobre o tempo, lugar, participantes e definição de comportamento dos participantes, que pode estar inserida ou não no resumo feito pelo narrador. O fim da narrativa é frequentemente assinalado pela coda, uma declaração que retorna os acontecimentos para o tempo presente (LABOV, 2006).

Em que momento se encaixa o passo da avaliação na construção de uma narrativa? A avaliação procura responder à potencial pergunta do interlocutor “Mas e daí?”. É a parte da narrativa na qual o narrador procura mostrar seu ponto de vista, sua intenção com a narrativa e que busca motivar o interlocutor de seu relato a valorizar a sua história. Tarallo afirma que

Nossa experiência em narrar garante-nos que uma estória “bem contada” sempre é recompensada por interjeições ou locuções interjetivas de surpresa ou de admiração, do tipo: “Nossa!”, “Minha nossa!”, “É mesmo?”, “Que loucura!”, “Meu Deus!”. A uma estória “mal contada” e de pouco interesse para o ouvinte, o narrador fatalmente receberá um desconcertante “E daí?” ou um irônico “É mesmo?!”. Cabe, portanto, ao narrador,

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uma vez iniciado um relato, evitar que sua narrativa seja mal recebida. (TARALLO, 2012 [2007], p. 24-25).

Para evitar que sua narrativa seja mal recebida, o narrador precisa elaborar uma pré-construção da narrativa em que possa ter a priori a resolução do problema universal de “Por onde eu devo começar” e estabelecer uma relação inversamente proporcional entre a “reportabilidade” e a “credibilidade”. Labov e Waletsky (1967) trazem esses conceitos para o estudo da narrativa para mostrar que um evento de fala será tanto mais reportável, mais interessante a ponto de ser contado a alguém, quanto menos crível um acontecimento é ou parece ser. Assim, é que histórias de acontecimentos fantásticos e inusitados são mais propensas a se tornarem narrativas mais bem recebidas por seus destinatários/ouvintes do que histórias mundanas.

As narrativas são, quase sempre, proferidas em resposta a algum estímulo de fora e estabilizadas sob o ponto de vista de um interesse pessoal. A prática de narrar revela ao outro a identidade pessoal do narrador, quem é, o que pensa, o que deseja e, por isso, se torna tão elementar para capturar o seu vernáculo, para mostrar quem ele é a partir de sua língua em uso. Estimulado pelo pesquisador a contar histórias (seja na oralidade ou na escrita) emocionantes que viveu, o informante produz narrativas que exibem mudança de estilo à fala monitorada, de maneira que haja fusão entre forma e conteúdo e que o vernáculo emirja.

A questão fundamental da metodologia variacionista é suscitada pela necessidade de entender o motivo de alguém dizer alguma coisa. Assim, para que se possa chegar à observação, análise e descrição dos fenômenos linguísticos encontrados no vernáculo do informante, são utilizados como referência teórica os cinco axiomas metodológicos propostos por Labov (1972, p. 243):

(i) Alternância de estilo. Não existe falante de estilo único. Todos os falantes alternam algumas variáveis linguísticas enquanto mudam o contexto social em que estão inseridos e o tópico sobre o qual estão discorrendo, tanto na fala quanto na escrita.

(ii) Atenção. Os informantes prestam menos atenção ao modo como falam ou escrevem quando estão envolvidos em um assunto mais emocionante. Quando monitoram sua própria

fala e/ou escrita, ou avaliam criticamente algum assunto, os informantes prestam mais atenção à linguagem. A depender do grau de atenção, o estilo vai se alternando. (iii) Vernáculo. É o estilo que emerge de situações de menor

monitoramento da fala e da escrita (a depender do estilo do gênero escolhido, como por exemplo, peças de teatro ou relatos de experiência pessoal etc), quando os informantes prestam o mínimo de atenção. Esse estilo é mais interessante para os linguistas, pois oferece dados mais sistemáticos para a análise da estrutura linguística.

(iv) Formalidade. É o contexto em que os informantes conferem mais atenção à sua língua. Situações de maior monitoramento como uma entrevista, uma apresentação de trabalho ou um texto elaborado para avaliação escolar revelam maior monitoramento quanto ao estilo empregado que o de uma conversa com amigos, uma briga com a família ou um texto escrito nas redes sociais.

Ao utilizar a concepção de narrativas de experiência pessoal proposta por Labov e Waletsky (1967) em diferentes contextos conversacionais, como por exemplo, uma entrevista ou uma aula, é possível capturar empiricamente os cinco axiomas metodológicos propostos por Labov (1972): Quando um informante narra um acontecimento emocionante de sua vida, está prestando menos atenção à fala e mais ao conteúdo do que está contando, dessa forma despendendo menos formalidade. Devido à mudança de tópicos durante a narrativa, os informantes alternam o seu estilo, o que favorece a emersão do vernáculo, originando a obtenção de bons dados para a observação e análise de fenômenos linguísticos.

Tocante à presença do vernáculo nas questões de ensino10, Faraco (2008) afirma que a língua é um conjunto de variedades em si e que, portanto, não pode ser dividida em uma modalidade que pode e outra que não deve ser ensinada. Por isso, é de responsabilidade da escola ensinar a norma culta sem deixar de ensinar o vernáculo, respeitando aqueles diferentes falares e escritos que os alunos trazem de casa.

10 As questões sobre o cenário da educação na sociedade de brasileira e as questões sobre variação linguística e ensino de Língua Portuguesa serão exploradas mais detidamente no Capítulo 2 deste trabalho.

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Para entendermos melhor como acontecem as mudanças na língua, na próxima seção, trataremos dos fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística, propostos por WLH (1968).

1.2 FUNDAMENTOS EMPÍRICOS PARA UMA TEORIA DA