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2. METODOLOGIA DE PESQUISA

3.4 A NATUREZA EPISTEMOLÓGICA DO CURSO DE PEDAGOGIA

Existe um debate de algumas décadas entre duas vertentes diferenciadas a respeito do objetivo do curso de Pedagogia: de um lado a ANFOPE – defendendo abertamente que a docência deve ser a base da formação e da identidade de professores –, portanto característica fundamental para o perfil de saída do curso de Pedagogia que é formar docentes que atuarão na educação infantil, no 1º ao 5º ano do ensino fundamental e na primeira etapa da Educação de Jovens e Adultos – EJA. Do outro lado da discussão, vários pesquisadores e estudiosos do campo educacional, como Libâneo (2011, 2011b), Pimenta (2011a, 2011b) e Franco (2011) argumentam que tal assertiva da entidade acaba por diminuir a Pedagogia a seu próprio campo investigativo.

Franco (2011, p. 127) é taxativa ao apontar um indicativo para a formulação dos currículos de Pedagogia no Brasil: “[...] a docência se faz pela Pedagogia e não seria correto afirmar que a Pedagogia se faz pela docência”. Na mesma direção, Pimenta (2011b) confirma a fala anterior e a endossa afirmando que a Pedagogia é um objeto inconcluso, só podendo ser captado nas diferentes manifestações dinâmicas no que a autora denomina pedagogia dialética, já que as reflexões em torno dos novos conhecimentos somente são produzidas e reconfiguradas na prática educativa: “O objeto/problema da Ciência da Educação (Pedagogia) é a educação enquanto prática social. Daí o seu caráter específico que a diferencia das demais, que é o de uma ciência prática – parte da prática e a ela se dirige” (p. 68 – grifos da autora).

Na contramão das reflexões anteriores, esse texto ancora-se em Saviani (2012c), que elabora uma trajetória histórica da Pedagogia no Brasil para confirmar sua natureza científica:

Parece, então, que o caminho para equacionar de modo adequado o problema do espaço acadêmico da pedagogia começa pelo resgate de sua longa e rica tradição teórica, explicitando, no conjunto de suas determinações, sua íntima relação com a educação enquanto prática da qual ela se origina e à qual se destina (p. 63).

É pertinente também a reflexão de Borges (2015b) para ratificar que a ciência do fenômeno educacional se constitui a partir da docência e não somente por ela, e muito próximo do que defende a ANFOPE, a autora aponta que a docência deve ser a base e não o todo do percurso que se espera de um profissional do campo pedagógico:

Não olvidamos as possibilidades e alternativas de atuação dos profissionais da educação ao defendermos a docência como base dessa formação e a escola como espaço primário e referencial do trabalho docente [...] O que significa dizer que existem demandas formativas e de atuação dos profissionais da educação para além da docência e da escola que precisam ser pautadas, debatidas e materializadas no âmbito das políticas públicas educacionais e das instituições formadoras, conquanto que esses espaços de formação e de atuação não secundarizem a docência em ambos os contextos (p. 1.182-1.183).

Não se pode disseminar ainda a ideia de que o campo pedagógico é o resultado da soma de várias teorias e conceitos de outros espaços de produção do conhecimento e que nele apenas se aplicam teses, métodos e metodologias de trabalho. Essa posição pode endossar o equivocado pressuposto de que não há ciência e, consequentemente, produção de conhecimento na teoria ou prática pedagógica, quando na verdade é o contrário:

[...] la Pedagogia se entiende en esta mentalidad como una disicplina científica autónoma porque se construye em función de su próprio objeto de estúdio (la educación) utilizando la forma de conocimiento científico-tecnológica, al igual que lãs demás disicplinas científico autónomas más consolidadas conmo pueden ser la Física, la Biología, la Psicología, la Sociología, etc. (MARTÍNEZ, 2006, p.45).

Talvez o embrião desse ideário, que concebe a Pedagogia como mero campo de aplicação de outras teorias, seja o contexto de publicações produzidas por Durkheim (1975) no final do século XIX e princípio do século XX. O filósofo acreditava na ordem gradual e progressiva da razão para garantir a formação do homem ideal e seu devido encaixe na organização social. Defendia que educação deveria ser:

[...] a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine (p. 41).

Novamente lembra-se das reflexões filosóficas de Saviani (2013a) para refutar as ideias anteriores de Durkheim e demarcar o território epistemológico da Pedagogia no qual essa pesquisa repousa:

[...] a pedagogia como teoria geral da educação, isto é, como sistematização a

posteriori da educação. Isto significa que não se trata de uma teoria derivada da

psicologia, da sociologia, da “filosofia”, da economia etc. Enquanto sistematização

a posteriori da educação, a pedagogia é uma teoria construída a partir e em função

das exigências da realidade educacional (realidade-processo e realidade-produto) (grifos do autor - p. 70-71).

A legislação vigente atual corporifica parte das contradições anteriormente discutidas, mas traz a docência como elemento norteador dos cursos de licenciatura em Pedagogia:

Art. 2º As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do

Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (BRASIL, 2006, p. 1 – grifos do autor).

Compreendem-se nos escritos do próprio Libâneo (2010a), a partir do crivo teórico de Saviani (2007a), o fato de a Pedagogia lidar com as várias instâncias do processo ensino e aprendizagem, sendo caracterizada como um campo do conhecimento sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade, e por este motivo, necessita estar estruturada a partir da docência, ou seja, o início dos estudos superiores da Pedagogia deve coincidir com a licenciatura para formar professores que atuarão na educação infantil, nos anos iniciais do ensino fundamental e nos diferentes campos onde a figura do pedagogo for necessária. Quanto à formação de cientistas da educação (pesquisadores), Saviani (idem) acredita que essa demanda seja realizada no espaço da Pós-Graduação (lato e stricto sensu). Portanto, a docência é ponto de partida, não de chegada.

Libâneo (2012) adverte que em toda manifestação docente tem-se o pedagógico unido ao epistemológico, e quando pensa-se o papel da didática geral e das didáticas específicas, é relevante refletir sobre o tema, porque nesse texto há o diálogo entre o ensino de História e o currículo que forma o pedagogo em que onde um profissional que não é habilitado nessa licenciatura necessita elaborar um saber sistematizado que vai além das diferentes idades dos estudantes atendidos que contemple a base para os estudos históricos.

Vale lembrar que o alinhamento entre o currículo da formação e o de atuação devem trilhar caminhos próximos, como já preveniu Borges (2010). Os debates sobre as disciplinas específicas de responsabilidade dos pedagogos para os anos iniciais devem estar cercadas pelos fundamentos teóricos e metodológicos que as caracterizam como área do saber, a História, por exemplo, mas também não se pode abrir mão de contextualizar os processos formativos no curso de Pedagogia com o currículo da escola.

Libâneo (2012) reafirma a urgente necessidade em promover o constante diálogo entre a didática geral (responsável por municiar pedagogicamente os docentes para o exercício de sua profissão: consolidar a aprendizagem de seus alunos por meio de técnicas e metodologias de ensinos próprios para cada nível, etapa e modalidade) e as didáticas específicas (próprias para cada área do conhecimento: Matemática, Geografia, História etc.). Na verdade, o referido autor sugere uma integração entre as duas didáticas tendo em vista que o centro do processo pedagógico é o próprio conhecimento, ainda que, por exemplo: planejar e ensinar História para crianças exija habilidades diferentes das que são esperadas no ensino de Matemática, logo:

A didática e as didáticas específicas têm, assim, a mesma tarefa: explicitar o processo docente do conhecimento por meio da investigação das leis e regularidades desse processo, da determinação de conteúdos da cultura a serem ensinados, dos métodos de sua transmissão e assimilação, [...] Essa forma de entender a atividade de ensino das disciplinas específicas requer do professor o domínio não apenas do conteúdo, mas também dos procedimentos investigativos da matéria que está ensinando e de formas e habilidades de pensamentos que propiciam uma reflexão sobre a metodologia investigativa do conteúdo que está sendo aprendido (LIBÂNEO, 2012a, p. 64-79).

Ainda sobre a relação entre Didática e suas manifestações nos cursos de Pedagogia e sobre o possível tratamento meramente técnico e praticista que muitas instituições podem praticar na relação entre a Didática Geral e didáticas específicas, tem-se em Santomé (1998) uma reflexão que provoca questionamentos sobre a existência de slogan referente à formação

dos professores baseado na prática que pode empobrecer os currículos e atuações

pedagógicas, ficando reduzidas a:

[...] aprendizagem de técnicas de mímica, construção de marionetes, cerâmica, dança, utilização da gráfica escolar, correspondência escolar, perícia na formulação de taxionomias de objetivos operacionais, etc., mas que ao mesmo tempo contribui para continuar divulgando entre o corpo docente a “inutilidade” das teorias didáticas, psicológicas e sociológicas (p. 119).

A próxima seção traz a análise a respeito do funcionamento dos cursos de Pedagogia escolhidos para estudo, a partir das reflexões extraídas dos documentos institucionais – incluindo-se os PPC’S – e ementas que por ventura dialoguem com a temática.

3. 5 A LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DO DISTRITO FEDERAL NA ESFERA