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2. METODOLOGIA DE PESQUISA

3.1 PENSAMENTO PEDAGÓGICO NA IDADE MODERNA E CONTEMPORÂNEA:

Os séculos XV e XVI marcaram uma ruptura, mas ao mesmo tempo resquícios de uma continuidade do pensamento pedagógico medieval. Nesse período histórico, a Europa passava

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Usar-se-á ao longo do texto a divisão clássica do quadripartite francês: História Antiga, Moderna, Medieval e Contemporânea, mas compreende-se que a própria historiografia já apresentou outras formas de conceber as continuidades e rupturas que a ciência histórica proporciona em seus processos de construção de entendimentos acerca das relações espaço, tempo, sujeito e fontes do ser humano, porém os autores que sustentam esta tese, sobretudo os da Educação, permanecem utilizando essa classificação, e por isso respeita-se a escolha.

pela efervescência dos embates religiosos, políticos, econômicos, sociais e educacionais provocados pelo fim do período medieval e início – do que se convencionou chamar na escola clássica historiográfica francesa – da Idade Moderna, marcada pela Reforma Protestante, o término do sistema feudal e o início do processo de urbanização das principais cidades europeias (CAMBI, 1999).

A história da Educação enriquecida pelas revoluções da ciência histórica agregou ao percurso da Pedagogia novos olhares sobre o entendimento dos fatos fundamentais do século XVI. Talvez o principal deles seja a permanência do humanismo enquanto corrente filosófica doutrinária que serviu aos interesses dos principais sujeitos históricos em direcionar as reflexões pedagógicas da época: os protestantes e os contrarreformadores católicos, cujo destaque deu-se pelo legado dos jesuítas e sua proposta curricular consistente, o Ratio

Studiorum (SAVIANI, 2007a).

Embora o pensamento renascentista moderno tenha avançado na política, na economia e nas artes, o mesmo não ocorreu no pensamento pedagógico, tendo em vista que os colégios ou mesmo a escola erudita secundária, seja de inspiração protestante ou de caráter contrarreformista católico, permaneceram com a missão de formar a índole do crente, concebendo a instrução como prática da salvação.

Os colégios representam parte da materialização desse projeto, tendo em vista que revelavam a possibilidade da nova classe social burguesa garantir formação adequada a sua prole, como também serviram aos interesses da aristocracia apoiada pelos reis e príncipes do Antigo Regime, ou ainda a consolidação da propagação da fé protestante. Lutero defendia uma pedagogia cristã para todos e todas, já que a salvação seria de graça, não por meio de obras, mas pela fé e livre leitura das escrituras sagradas.

Não obstante foi a contribuição de Comênio (1996) em sua obra singular: a “Didactica

Magna: o tratado pedagógico” que marcou a gênese da escola moderna delineando a

constituição do que são em parte os colégios atuais. O slogan era: “Ensinar tudo e a todos” e o holandês contribuiu sumariamente para a organização do trabalho pedagógico trazendo orientações gerais para que a arte de ensinar garantisse certa homogeneidade em todo o mundo. Percebe-se seu legado até os dias de hoje nas instituições educativas principalmente em aspectos do cotidiano escolar como: ordenação de programas, classes seriadas, uso de livros didáticos, gradação disciplinar etc, o que faz com que questione-se a necessidade de ruptura ou ressignificação dos processos pedagógico-didáticos atuais, posto que o didata escreveu para uma sociedade específica, num determinado período e contexto histórico-social.

Ainda que muitos constatem que a produção da escola pública contemporânea tenha provocado, entre tantas coisas, a perda da infância, ela trouxe também a precarização do trabalho docente, pois simplificou, objetivou, controlou e especializou esta atividade laboral (APPLE, 1995a; NOVOA, 1999).

Dal Rosso (2008, p.23) apresenta o conceito relevante de “intensificação do trabalho” que traduz parte do que significa ser professor atualmente, somado à concepção de precarização: “[...] Os processos de qualquer natureza que resultam em um maior dispêndio das capacidades físicas, cognitivas e emotivas do trabalhador com o objetivo de elevar quantitativamente ou melhorar qualitativamente os resultados. Em síntese, mais trabalho”.

O resultado foi o surgimento de professores que, utilizando livros didáticos simplificados, puderam dar aulas a uma maior quantidade de alunos e em menor tempo que os clássicos preceptores da Antiguidade e da Idade Média. Ao mesmo tempo em que a noção de classes, seriação, material didático e até currículo surgiam, irrompiam, de modo igual, as necessidades mercadológicas de formar mão de obra para o período histórico posterior: a Idade Contemporânea, marcada pela Revolução Industrial.

Se mesmo no alvorecer do século XX muitos defendiam a escola como extensão da fé, para outros ela, enquanto instituição laica e independente, estava consolidada, e restava a busca pelo seu novo desafio, dado que não havia mais ‘fantasmas’ das reflexões medievais, a saber: trazer aos homens a esperança de um futuro ideologizado pela igualdade econômica e social.

O pensamento pedagógico moderno ganhou vários desdobramentos, embora a maioria das propostas, tenha sido concebida a partir da retomada das ideais clássicas da antiguidade, o que resultou na configuração do humanismo ou neo-humanismo que tratou de posicionar o homem como centro das reflexões do período. Percebem-se continuidades da mentalidade medieval baseada na fé, mas também rupturas importantes com a proposição de repensar uma perspectiva de Educação/Pedagogia que contribua para o bem estar do ser humano aqui na Terra.

A partir de um pensamento autônomo, embora influenciado e produzido no contexto do século XVIII no qual viveu, o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) conseguiu elaborar uma pedagogia idealista com críticas fundantes aos empiricistas de seu tempo e simultaneamente discordar dos racionalistas. No pensamento de Aranha (2006, p. 180), em Kant o “[...] conhecimento humano é a síntese dos conteúdos particulares dados pela experiência e da estrutura universal da razão (a mesma para todos os indivíduos)”.

As categorias centrais na obra do pensador foram: consciência moral, razão, vontade,

disciplina e visão moral. A partir delas, desenvolveu sua própria classificação de Escola:

experimental e normal e de Educação: privada e pública. Todas devem cumprir uma missão para com os envolvidos nos processos educativos: imprimir os valores morais sobre os intelectuais nos jovens para fazer cumprir o projeto de ser humano ideal pensado pelo filósofo.

A França do século XVIII trazia um exemplo de como as ideias pedagógicas podem revelar qual projeto de sociedade se pretende constituir. A Educação antes da Revolução Francesa era responsabilidade dos párocos que tinham suas bases na fé. Após o levante, a ideia de educação pública como meio para resolver a suposta desordem e garantir desde a infância a paz social teve outro significado quando destinada às classes trabalhadoras, uma vez que os burgueses da época, para se manter no poder, passam de uma postura revolucionária para uma conservadora.

O que se percebe é que já nesse período histórico a educação reproduzia a divisão de classes: ao mesmo tempo em que prega-se a liberdade e a autonomia para o estudante, este é obrigado a adaptar-se à lógica de produção do capital, muitas ideias pedagógicas foram criadas para atender a essas demandas:

Enfim, vê-se que o irracionalismo, o individualismo e a alienação propagados pelos princípios educacionais de Pestalozzi e Froebel acabaram por se adequar de maneira perfeita à justificação das diferenças sociais cada vez mais gritantes de sua época, auxiliando no movimento de evangelização e contenção das massas, camuflando perfeitamente a grande contradição da sociedade burguesa e capitalista de sua época (ARCE, 2002, p. 211).

A publicação ora analisada resulta de uma tese de doutorado e aponta a existência de uma pedagogia acrítica e antiescolar baseada no desenvolvimento natural da criança, cuja gênesis está nos pressupostos dos autores acima citados. Tanto Pestalozzi quanto Froebel viveram as intempestades do período pré e pós Revoluções do século XVIII, época em que o poder econômico, social, religioso e filosófico, que era dividido entre a Igreja (romana) e a aristocracia – ambas em crise – agora cedia espaço para uma terceira via: a burguesia, que não demora em montar seu projeto de sociedade a partir da ideologia propagada nos estabelecimentos de ensino.

Embora as pedagogias de Pestalozzi e Froebel avancem – ao trazerem o aprendiz para o centro (base do movimento escolanovista) e utilizar categorias como: infância, jogos, brinquedos, brincadeiras, jardim de infância, fases psicológicas do desenvolvimento,

educação popular – sua teoria educacional permanece acrítica por não levar em conta a realidade social e política como propulsoras de uma mentalidade da época.

O mesmo movimento de mudança pedagógica ocorria em terras norte-americanas. O pensamento filosófico e a consequente ideologização dos escritos do filósofo, psicólogo e pedagogo estadunidense John Dewey floresceram e foram exportados juntamente com a sociedade capitalista do fim do século XIX e início do século XX, talvez por isso tenha tantas facetas, contradições analíticas e mesmo práticas (CUNHA, 2001).

Segundo Gadotti (1993, p. 149), essa corrente pedagógica: “Priorizava os aspectos psicológicos da educação, em prejuízo da análise da organização capitalista da sociedade, como fator essencial para a determinação da estrutura educacional”.

O filósofo trouxe para o campo da educação o liberalismo político-econômico dos Estados Unidos, não tendo questionado as raízes das desigualdades sociais. Apesar disso, tinha ideias consideradas progressistas: autogoverno dos estudantes, legitimidade do poder político e defesa da escola pública ativa (ARANHA, 2006).

Defendeu o pragmatismo, a quem chamou de “instrumentalismo pragmático”. Segundo este princípio, toda experiência científica, ou seja, toda aquisição de conhecimento só ocorre por meio da experiência. Resumindo: a experiência educativa ocorria por meio da interação entre o indivíduo e o meio ambiente já na própria escola que deveria ser a manifestação da vida e não a preparação para ela, conforme Dewey (1979).

No Brasil, suas obras foram amplamente lidas e divulgadas, sobretudo por pensadores como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, inspiradores do Movimento dos Pioneiros da Educação, em 1932.

Entretanto, a matriz pedagógica brasileira de base europeia inicia-se com a Companhia de Jesus ainda no período colonial e seu intento era constituir nas terras brasileiras uma obra econômica e catequética ligada aos valores ainda do medievo (SAVIANI, 2007a).

Nesse sentido, é necessário compreender as permanências e interrupções do pensamento pedagógico brasileiro quando inicia seu próprio caminhar nas terras brasilis com várias ordens religiosas, mas nenhuma com a hegemonia de quase dois séculos como os jesuítas, cuja influência filosófica e didática do Ratio Studiorum é sentida até os dias de hoje. A pedagogia no auge histórico dos jesuítas no Brasil – materializada pelo Ratio

Studiorum de concepção tomista e inspiração medieval escolástica – foi concebida

posteriormente como tradicional e essencialista, formando o complexo de elites modernas e contemporâneas em diversas regiões do mundo onde os colégios estabeleceram-se, inclusive no Brasil (SAVIANI, 2007a).

A influência da Coroa Lusa e a forte militarização catequista dos jesuítas impediram o surgimento das possíveis primeiras universidades na colônia brasileira, e a alegação é de que trariam a livre circulação das ideias, o que ameaçaria a unidade padrão de cultura estabelecida pela corte com relação ao Brasil (AZEVEDO, 1964).

O iluminismo de Portugal de base italiana era cristão e católico não revolucionário e anti-histórico, segundo Machado (2010), e isso resultou na letargia em se constituir os pilares da educação básica e superior aqui na colônia, mesmo após a independência. As ideias francesas de cunho revolucionário até chegavam, mas a realidade concreta era a convivência com uma constituição liberal e com oligarquias rurais e o trabalho escravo.

O resultado desse passado recalcitrante é esta sociedade que aí está: pobre, esgotada, ignara, embrutecida, apática, sem noção do próprio valor, esperando dos céus remédio à sua miséria, pedindo fortuna ao azar- loterias, jogo de bichos, romarias, “ex-votos”; analfabetismo, incompetência, falta de preparo para a vida, superstições e crendices, teias de aranha sobre inteligências abandonadas... Ou a putefração passiva, ou o agitar de interesses baixos, conflitos de grupos, dominados por um, utilitarismo estreito e sórdido (BOMFIM, 1993, p. 269).

Embora a citação expresse em um primeiro momento uma visão pessimista acerca da situação da América Latina, no mesmo texto de origem o autor aponta caminhos para que se superem as dificuldades estruturais que estão diretamente relacionadas ao modelo de colonização a que foram submetidas e Bomfim (1993) é enfático ao defender que é pela educação/instrução que mudam-se tais estruturas coloniais.

Durante a transição para a proclamação da república, houve uma influência considerável do positivismo comtiano nas constituições políticas e em larga medida educacionais. Trindade (2007) lembra que no Brasil houve uma fiel transcrição das bases epistemológicas da filosofia positiva francesa, o que nos diferenciou de outros países, como o México, por exemplo, que buscou constituir suas bases legalistas mais independentes.

Anísio Teixeira (2007), anos mais tarde, contribui para trazer o debate em torno da defesa pela democracia e da educação para a democracia, sobretudo em seu contexto de época – sob uma base de escola ativa, já que foi discípulo do norte-americano John Dewey – nota-se uma análise intelectual e política criteriosa do autor com uma concepção histórica e filosófica de sociedade e de ser humano, e talvez esta seja uma das maiores contribuições de Teixeira:21 tornar as discussões educacionais mais políticas.

A união teórica e política com Darcy Ribeiro trouxe, por exemplo, o projeto ideário e concreto do que seriam a Fundação Educacional do Distrito Federal – composta por Jardins

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Para mais detalhes ver a obra: TEIXEIRA, Anísio. Escolas de educação. In: Teixeira, Anísio. Educação e

de Infância, Escolas Parque, Escolas Classes, Centros de Ensino Fundamental e Centros Educacionais – e a própria Universidade de Brasília. Para a etapa básica já havia a experiência dos centros comunitários da Bahia, baseados na pedagogia ativa de Dewey. No Distrito Federal, em Brasília, a constituição do programa para a Rede Pública de Ensino se faz presente até os dias contemporâneos, embora carregue muitas contradições sociais, como por exemplo, o público-atendido nas Escolas-Parque e mesmo sua localização geográfica22.

No Brasil, as teorias pedagógicas que formaram o pensamento pedagógico estão organizadas a partir das concepções não críticas: tradicionais, escolanovistas, tecnicistas e as

crítico-reprodutivistas, expressas na teoria da reprodução e na teoria da escola dualista.

Encontram-se também alternativas baseadas no humanismo ligado à teologia da libertação, como a pedagogia libertadora de Paulo Freire e, por fim, a pedagogia histórico-crítica, que toma o pensamento pedagógico socialista como amálgama para repensar o desmantelamento do modo de produção capitalista a partir da aquisição das formas como o conhecimento escolar é produzido e difundido na escola pública. É uma teoria ainda em curso e elaborada pelo professor Dermeval Saviani. Esse texto repousa na última concepção teórica (SAVIANI, 2012b, p. xv).

A mesma busca, entre outras coisas, resgatar a longa e rica tradição teórica da Pedagogia na história das Ciências Humanas e Sociais e vencer a ambiguidade contemporânea que insiste em rivalizar o debate pedagógico apenas entre teoria e prática, Saviani (2012c) previne para os perigos do ativismo pedagógico que nubla as grandes questões da educação. Na verdade, o cerne para superar este dilema é esclarecer que,

[...] o que se opõe de modo excludente à teoria não é a prática, mas o ativismo, do mesmo modo que o que se opõe de modo excludente à prática é o verbalismo e não a teoria. Pois o ativismo é a “prática” sem teoria e o verbalismo é a “teoria” sem a prática. Isto é: o verbalismo é o falar por falar, o blá-blá-blá, o culto da palavra oca; e o ativismo é a ação pela ação, a prática cega, o agir sem rumo claro, a prática sem objetivo (p. 109-110).

Na mesma obra, o autor é enfático ao defender que é papel da pós-graduação em educação contribuir para a solidificação do status científico da pedagogia: “[...] seria o de levar a pedagogia à condição de ciência da e para a prática educativa” (p. 137). Além disso, não podem restar dúvidas quanto ao objeto de estudo da Pedagogia, admite-se discussões em torno de sua delimitação, mas sua existência não pode ser questionada, já que a Pedagogia “[...] como teoría sustantiva de la educación, tiene como objeto describir, explicar, interpretar,

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A exceção da cidade de Ceilândia, considerada região periférica do Distrito Federal, que desde 2014 conta com um modelo de Escola Parque, todas as outras unidades encontram-se localizadas apenas na Região

comprender (dimensión teórico-científica) y transformar (dimensión normativo-tecnológica) el proceso educativo general” (LÓPEZ, 2002, p. 22).

Cabe salientar, a partir da crítica de Silva (2007), que vive-se um período histórico em que a teoria é sabotada e, ao mesmo tempo, existe uma campanha em favor de “[...] uma militância política supostamente valorizada” (p. 8). O resultado são reflexões despovoadas de fundamentação teórica que pouco contribuem para a emancipação dos sujeitos:

Marginaliza-se o pensamento teórico para buscar refúgio numa envergonhada prática paternalista e assistencialista disfarçada de intervenção política. Deixa-se de lado a teorização política para buscar abrigo num movimento moralista destituído de qualquer tentativa de compreensão mais lúcida das causas estruturais de nossa miséria (idem).

Diante desse breve levantamento das principais correntes históricas do pensamento pedagógico que influenciaram o Brasil, advoga-se a necessidade do retorno aos clássicos para revelar a essência (SILVA, 2015c) do objeto maior que é a educação contemporânea, que deve buscar, entre outras coisas, consolidar uma consciência de sujeito histórico para os envolvidos com a pesquisa acadêmica no campo educacional.

3.2 NAVEGANDO POR CONCEITOS HISTÓRICOS E PEDAGÓGICOS ENVOLVIDOS