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2. METODOLOGIA DE PESQUISA

3.3 BREVE HISTÓRICO DA ORIGEM DO CURSO DE PEDAGOGIA NO BRASIL

Saviani (2012c) apresenta para o período colonial três fases pelas quais a Pedagogia brasileira passou: “pedagogia brasílica” (1549-1599), caracterizada pela ação prática de catequizar o que incluía também a imposição da língua portuguesa, atitude liderada pelos jesuítas, mas com presença também dos franciscanos e beneditinos; “pedagogia jesuítica ou

do Ratio Studiorum” (1599-1759), de caráter universalista, clássico, humanístico e elitista, o

que posteriormente se convencionou chamar na modernidade de “pedagogia tradicional” e a “pedagogia pombalina”, caracterizada pela expulsão da ordem jesuítica do Brasil e criação improvisada das aulas régias.

Franco (2003) apresenta três caminhos históricos pelos quais a Pedagogia passou no Brasil: tratada como arte da educação, ciência da educação e ainda ciência da arte educativa. Segundo a autora, atualmente as discussões do campo pedagógico concebem que a Pedagogia brasileira aponta para a consolidação, não harmônica, de um caráter científico com uma tríplice configuração: a pedagogia filosófica (baseada na metafísica, social e idealista- dialética), a pedagogia técnico-científica (baseada no positivismo) e a pedagogia crítico- emancipatória (baseada na dialética marxiana, incorporando elementos da teoria crítica da Escola de Frankfurt). Essa última tem familiaridade com a proposta de Saviani (2012) quando defende a pedagogia histórico-crítica.

Durante o século XIX, o parlamento brasileiro aprovou a Lei das Escolas de Primeiras Letras em 1817 e chamou atenção para a necessidade de “instrução pública” e preparo técnico dos professores para o exercício da função. Após o Ato Adicional de 1834, que determinou ser responsabilidade das províncias a instrução primária, o Rio de Janeiro inaugura a primeira Escola Normal do Brasil em 1835, na cidade de Niterói (SAVIANI, 2012c).

Em 1901, a Ordem dos Beneditinos de São Paulo criou a primeira Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, trazendo consigo, em anexo, o Instituto de Educação. Segundo Brzezinski (1996) “[...] prenunciava a audácia dos católicos que manteriam a solidez do futuro sistema particular das Universidades Católicas Brasileiras” (p. 21), mesmo com o fechamento décadas depois desse espaço, e sendo ele de caráter privativista, a autora acredita que foi embrionário para a criação do curso superior de Pedagogia na recém-fundada USP.

No Final da “República Velha”, a questão da educação superior ganha novo fôlego a partir dos acontecimentos da “Revolução de 30” e da gestão de Vargas e de seu ministro Francisco Campos ao contribuir para a aprovação do Decreto nº. 19.851/31, que baixou o

Estatuto das Universidades Brasileiras. O caminho aberto para a criação de novos cursos superiores e universidades estava inaugurado (SAVIANI, 2013a).

As primeiras experiências oficiais de formação pedagógica ocorreram por meio da criação de Institutos de Educação, como o do Distrito Federal “[...] concebido por Anísio Teixeira e dirigido por Lourenço Filho, em 1932; e do Instituto de Educação de São Paulo, criado um ano depois por Fernando de Azevedo” (CRUZ, 2011, p. 30).

Em 1939, o país teve sua primeira legislação específica sobre a criação do curso de bacharelado em Pedagogia, o Decerto-Lei nº. 1.190 de 4 de abril de 1939, que organiza a Faculdade Nacional de Filosofia e reorganiza seu funcionamento em quatro seções: Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia, somadas ainda a de Didática. Saviani (2012c) explica com detalhes esta gênese do curso de Pedagogia:

Enquanto as seções de filosofia, ciências e letras albergavam, cada uma, diferentes cursos, a de pedagogia, assim como a seção especial de didática, era constituída de apenas um curso cujo nome era idêntico ao da seção. Está aí a origem do curso de pedagogia (p. 34).

Nessa mesma legislação foi dado o caráter de bacharelado para a Pedagogia com a duração de três anos, mas quem desejasse se tornar licenciado deveria estudar mais um ano no curso de Didática. “Está aí a origem do famoso esquema conhecido como ‘3+1’” (ibidem, p.

37). Isso assegurou, segundo Brzezinski (1996, p. 37), o “[...] caráter profissionalizante,

prático e técnico [...] a vocação do curso criado em 1939 era de formar professores primários”. E nessa fase a experiência da USP e da recente Universidade Federal de Minas Gerais seria o germe da prática pedagógica em nível superior.

A partir deste marco legal, a formação de professores primários foi delegada às Escolas Normais, enquanto no curso superior de Pedagogia formavam-se os bacharéis, técnicos da educação e professores para o nível secundário e para as próprias Escolas Normais (CRUZ, 2011).

A LDB, Lei nº. 4.024/61, garantiu a manutenção do bacharelado e reorganizou a Pedagogia por meio do Parecer do Conselho Federal de Educação (CFE) nº. 251 de 1962 que trouxe o anúncio do fim do “esquema 3+1” (ibidem) e invocou a discussão sobre a necessidade da formação superior do professor primário. O resultado da ação legal, no entendimento de Silva (2003), foi a falha de não ter sido caracterizado nos documentos legais da época o perfil de egresso do curso e a afirmação da identidade da Pedagogia que já existia como campo científico consolidado. Nas reflexões de Franco (2003, p. 71), isso produziu um esvaziamento teórico do curso, e anos mais tarde:

A prática educativa foi sendo gradativamente colonizada, interpretada, avaliada, consumida pela ótica de diferentes profissionais, com diferentes perspectivas científicas, que atuaram desconsiderando a necessidade de fomentar a interpretação da ideologia que esteve subsumida a essas ciências auxiliares, em cada momento histórico.

Em 1968, a lei da reforma universitária (Lei nº. 5.540/68) trouxe uma nova regulamentação para o curso de Pedagogia, oficializada pelo Parecer nº. 252/69 do CFE de autoria de Valnir Chagas, que resultou na Resolução CFE nº. 2/69 e estabeleceu a duração do curso e os conteúdos curriculares mínimos do bacharelado. A regulamentação manteve a formação de professores para o Ensino Normal e garantiu oficialmente a existência das habilitações como: Orientação Educacional, Administração Escolar com ênfase no 2º grau, Supervisão Escolar de 2º grau, Inspeção Escolar de 2º grau, Ensino das disciplinas e atividades práticas dos Cursos Normais, da estrutura e funcionamento do ensino de 1º grau, Administração Escolar com ênfase no 1º grau, Supervisão Escolar de 1º grau e Inspeção Escolar de 1º grau (SAVIANI, 2012c).

O caráter da lei em formar técnicos, segundo Saviani (ibidem, p. 45-46) tencionava superar o caráter generalista do curso, mas o tempo mostrou as fragilidades e inconsistências da referida lei. Na verdade, a Pedagogia, assim como muitos cursos superiores no Brasil, traduz a “[...] ‘concepção produtivista de educação’ que, impulsionada pela teoria do capital humano formulada nos anos 50 do século XX, tornou-se dominante em nosso país a partir do final da década de 1960, permanecendo hegemônica até os dias de hoje”.

Os anos de 1970 trouxeram a aprovação da nova LDB, Lei nº. 5.692, de 11 de agosto de 1971 sendo que o texto legal caminhava pela tentativa de substituir o curso de Pedagogia pelos “estudos superiores de educação”, o que na concepção do idealizador dessa reforma, Valnir Chagas, traria um caráter mais completo para o curso. Esse debate percorreu os anos 70,80 e 90 do século passado, e mais especificamente na década de 1980, entidades educacionais como a ANFOPE, ANPED e ANPAE passaram a problematizar sobre a identidade e a organização da Pedagogia, temas que tentaram ser respondidos em 1996 com a aprovação da atual LDB, Lei nº 9.394, mas que ainda carecem de profícuo debate.

A atual LDB, Lei nº 9.394, porém, revelou um impasse em seu artigo 64 ao exigir minimamente para a atuação no magistério a formação superior, embora admita as formações adquiridas em nível médio nas Escolas Normais. O advento legal trouxe também a possibilidade de formação pedagógica nos Institutos Superiores de Educação e a criação das Escolas Normais Superiores.

Em 2005, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação – CNE/CP o Parecer nº. 5/2005, complementado pelo Parecer CNE/CP nº. 3/2006, que estabeleceu – via Resolução CNE/CPP nº. 1/2006 – as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, que passaria a ter a responsabilidade de funcionar em caráter generalista, ou seja, extinguindo-se as habilitações e passando-se a licenciar o portador do diploma para o exercício do magistério, na forma da lei em curso com duração mínima de 3.200 horas.

De acordo com Saviani (2012c), essas DCN’S apresentam um paradoxo, de serem:

[...] ao mesmo tempo extremamente restritas e demasiadamente extensivas: muito restritas no essencial, isto é, àquilo que configura a pedagogia como um campo teórico-prático dotado de um acúmulo de conhecimentos e experiências resultantes de séculos de história. Mas são extensivas no acessório, isto é, dilatam-se em múltiplas e reiterativas referências à linguagem hoje em evidência, impregnada de expressões como conhecimento ambiental-ecológico; pluralidade de visões de mundo; interdisciplinaridade, contextualização, democratização, ética e sensibilidade afetiva e estética; exclusões sociais, étnico-raciais (p. 58).

O que se defende é que o profissional licenciado em Pedagogia consiga ter, a partir da formação inicial, os elementos que constituem a base de sua identidade docente – muitos autores como Libâneo (2006) denunciam que o texto das DCN’S para a Pedagogia não esclarecem o significado do próprio curso – mas que também sejam desenvolvidas práticas que contribuam para a construção de pesquisas para o campo educacional em seus variados desdobramentos, afim de que possam ser ampliadas no exercício da docência e nos Programas de Pós-Graduação, sobretudo, stricto sensu.

Em pesquisa sobre a natureza do curso de Pedagogia, Evangelista (2008) pondera que atualmente vive-se um período histórico em que são múltiplas as ações políticas e pedagógicas que tencionam humanizar o capital e catalisar as mentes para contribuir com sua lógica de exploração, situação rotineira nas instituições formativas de profissionais da educação. Isso se deve ao abandono da razão e pelo “[...] recuo da inteligência nacional em relação à perspectiva histórico-crítica pela adesão a um pensamento gelatinoso, pragmático e relativista” (p. 551).

Esse cenário se corporifica nos cursos de Pedagogia pelo empobrecimento teórico de algumas formações que se apropriam de maneira equivocada das legislações ou mesmo que centram sua rotina num pragmatismo irresponsável. Para Evangelista e Triches (2012), “[...] essas imprecisões e ampliações são os motivos que nos levam a discutir o processo de alargamento do conceito de docência e de reconversão do professor em superprofessor – muitas tarefas somadas à formação precária” (p. 189), termo anteriormente debatido por Moraes e Torriglia, 2003.

O “superprofessor” (TRICHES; EVANGELISTA, 2012) é caracterizado ainda por ser “[...] multifuncional, polivalente, flexível, tolerante, portanto, reconvertido [...] essa junção corrobora para a [...] desintelectualização dos professores e à desconfiguração do Curso de Pedagogia” (p. 1), além de alargar e esvaziar a função mister do professor: ensinar (MORAES e TORRIGLIA, 2003).

Atualmente, vive-se o período de implementação do Parecer nº CNE/CP 2/2015 que originou a Resolução nº 02/2015 e instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica. A pretexto de ampliar a oferta de cursos de licenciatura, o documento regulamenta a coexistência de três cursos voltados para o magistério: a) cursos de graduação de licenciatura (1ª formação), b) cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados e c) cursos de segunda licenciatura. A polêmica está na estrutura, principalmente dos cursos de formação pedagógica para profissionais não licenciados, porque a carga horária máxima prevista varia de 1.000 a 1.400 horas, mesmo sendo formações de caráter emergencial e provisório.

A crítica que se faz é em relação ao fato de que a autonomia para validar os cursos que serão aceitos nessa modalidade é da própria instituição de ensino, o que pode significar um verdadeiro esvaziamento teórico e didático da Pedagogia, pois o tempo para conclusão, nesse formato, equivale a menos da metade do gasto pelos estudantes que ingressam na primeira licenciatura.

Por conseguinte, o curso de licenciatura em Pedagogia necessita ser correntemente discutido uma vez que aqui o olhar se detém na relação entre o currículo que forma o pedagogo – preferencialmente com base na escolarização (BORGES, 2012) –, a conexão entre o ensino de História para os anos iniciais do ensino fundamental. No entanto, o campo educacional alimenta muitos problemas que envolvem a formação inicial de professores pelo país e a própria pedagogia apresenta dificuldades que dialogam com o objeto dessa pesquisa, tais como:

(a) o caráter “tecnicista” do curso e o conseqüente esvaziamento teórico da formação, excluindo o caráter da Pedagogia como investigação do fenômeno educativo; (b) o agigantamento da estrutura curricular que leva ao mesmo tempo a um currículo fragmentado e aligeirado; (c) a fragmentação excessiva de tarefas no âmbito das escolas; (d) a separação no currículo entre os dois blocos, a formação pedagógica de base e os estudos correspondentes às habilitações (LIBÂNEO; PIMENTA, 2011a, p. 23-24).

O espaço curricular do Estágio Supervisionado estabelece-se como meio que também irá possibilitar a prática dos estudantes na atuação dos diferentes componentes curriculares, desde que rompa com a ideia de que o estágio é o local do abandono pedagógico dos

estudantes e que represente um mundo estranho ao estudado nas instituições de ensino superior. Na verdade, o estágio deve ser o momento de aproximação da realidade em que os futuros pedagogos irão atuar (PIMENTA, 1994). Mais uma faceta que cerca o debate epistemológico em torno do curso de Pedagogia, temática a ser explorada na próxima seção.