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3 O ADICIONAL PREVISTO NO ART 45 DA LEI Nº 8.21 DE 1991

3.3 A natureza jurídica assistencial do adicional

A interpretação do art. 45 da Lei nº 8.213, de forma literal, permite a equivocada percepção de que o acréscimo inserido no dispositivo se trata de mais um benefício previdenciário que visa atender o disposto no art. 201, da CRFB/88. Impende ao operador do direito, porém, buscar a verdadeira intenção do legislador ao inserir essa disposição no corpo da lei, de forma que as consequências de sua aplicação atendam aos fins principais de sua criação.

Nesse sentido, dispõe ainda o art. 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657 de 1942) que: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Definir a natureza jurídica do adicional, portanto, é o primeiro passo para sua correta aplicação, mostrando-se imprescindível nessa tarefa a compreensão dos princípios que o instituto visa consagrar.

A jurisprudência pátria, conforme se depreende deste julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, tem adotado o entendimento de que o acréscimo previsto no art. 45 tem natureza assistencial:

PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO NA DATA DA APOSENTADORIA. ACRÉSCIMO DE 25% SOBRE O VALOR DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. DEVIDO.

1. O pedido de alteração de espécie de benefício é improcedente, eis que para a concessão da conversão da aposentadoria por tempo de serviço em aposentadoria por invalidez, o requisito exigido a fim de obter-se a procedência seria a comprovação, mediante perícia técnica, da invalidez permanente à época do deferimento da aposentação, o que não restou comprovado nos autos. 2. Quanto à possibilidade de incidência do acréscimo de 25% (vinte e cinco por cento), previsto no art. 45, caput, da Lei 8.2313/91, ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço recebido pela parte autora, em princípio, não seria devido, pois pela interpretação literal do dispositivo citado o acréscimo é deferido ao titular de aposentadoria por invalidez, quando necessitar da assistência permanente de outra pessoa. 3. Por essa razão, considerando a redação do dispositivo, orientava-me no sentido de que o art. 45 da Lei 8.213/91, ao tratar do referido adicional, restringiu a sua concessão apenas para majorar o benefício de aposentadoria por invalidez, especificamente, a ser destinado ao próprio titular da prestação, para custear gastos com seus cuidados pessoais. 4. Todavia, esta Décima Turma, passou a decidir que os segurados que comprovem a incapacidade total e permanente e careçam do auxílio de terceiros para a realização de tarefas inerentes ao seu cotidiano, fazem jus ao adicional de 25%, ainda que estejam em gozo de benefício de aposentadoria por idade ou tempo de contribuição, uma vez que a norma tem finalidade protetiva e o acréscimo reveste-se de natureza assistencial, o que atrai a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, valor fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF), para a seara da concessão dos benefícios previdenciários. Nesse sentido:AC

2015.03.99.019330 6/SP, Relator Desembargador Federal Batista Pereira, j. 04/08/2018. 5. Apelação da parte autora parcialmente provida. (Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação Cível nº Nº 0006038-53.2007.4.03.6114/SP; Relatora: Desembargadora Federal Lúcia Ursaia; Data de Julgamento: 25/08/2015, T10 – Décima Turma; Fonte: DJe 03/09/2015)(grifou-se)

O trecho ora destacado apresenta com clareza a natureza assistencial do adicional. A conclusão sobre sua natureza jurídica encontra razão, entre outros motivos, na inexistência de fonte para seu custeio, conforme se demonstrará a seguir.

De fato, não há na da Lei de Benefícios nem no Plano de Custeio da Seguridade Social (Lei nº 8.212 de 1991) nenhuma referência a lastro contributivo específico ou a outra fonte que se destine ao custeio do acréscimo previsto no art. 45.

O art. 19524 da CRFB/88, em seu parágrafo 5º, dispõe que nenhum benefício ou

serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio. Poder-se-ia pensar, à primeira vista, que a previsão do adicional no art. 45 da Lei de Benefícios constitui afronta ao Texto Constitucional, já que não há no arcabouço jurídico previdenciário qualquer indicativo da sua fonte de custeio.

Essa aparente contradição, no entanto, é afastada quando se admite a natureza assistencial do referido acréscimo, sobretudo ante o que dispõe o art. 20325 da Constituição

Federal. Esse artigo trata da política assistencial brasileira e determina que a assistência será prestada a quem dela necessitar independentemente de contribuição à seguridade social.

Logo, a inexistência de fonte de custeio do adicional não configura desobediência ao que dispõe Texto Constitucional no art. 195, § 5º, constituindo, em verdade, fator indicativo de sua natureza assistencial. Nesse sentido, destaque-se trecho do seguinte julgado da Turma Nacional de Uniformização:

[…]18. Ademais, como não há na legislação fonte de custeio específico para esse adicional, entende-se que o mesmo se reveste de natureza assistencial. Assim, a sua concessão não gera ofensa ao art. 195, § 5º da CF, ainda mais quando se considera que aos aposentados por invalidez é devido o adicional mesmo sem o prévio custeamento do acréscimo, de modo que a questão do prévio custeio, não sendo óbice à concessão do adicional aos aposentados por invalidez, também não o deve ser quanto aos demais aposentados. (Turma Nacional de Uniformização.

Pedido De Uniformização De Interpretação De Lei Federal nº 50008904920144047133; Relator: Juiz Federal Sérgio Queiroga; Data de Julgamento: 12/05/2016; Fonte: DJe 20/05/2016)(grifou-se)

O julgado ora analisado ainda menciona como a natureza jurídica do adicional se relaciona com a possibilidade de sua extensão às demais modalidades de aposentadoria. Dada sua natureza assistencial, isto é, de benefício que pode ser concedido sem a necessidade de

24 Art. 195 […] §5ºNenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

25 Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

contribuições em contrapartida, a ausência de fonte de custeio (art. 195, §5º) também não pode ser alegada para impedir concessão do adicional às outras modalidades de aposentadoria, desde que satisfeitos os requisitos postos em lei. Ademais, se não há fonte de custeio para o seu pagamento ao aposentado por invalidez, que usualmente contribui menos, com mais propriedade ainda deverá ser afastada a inexistência de fonte de custeio como empecilho ao seu pagamento aos demais aposentados (por idade, especial e por tempo de contribuição).

Ressalte-se ainda que, a ausência de fonte de custeio não é o único indicativo da natureza jurídica assistencial do adicional. Também os princípios da assistência social encontram expressão jurídica no instituto do art. 45 da Lei de Benefícios.

O parágrafo 4º da Lei nº 8.742 de 1993, Lei Orgânica da Assistência Social, elenca os princípios da Assistência social:

Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:

I – supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;

II – universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

III – respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; IV – igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V – divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.(grifou-se)

Perceba-se que os incisos em destaque, a saber, a universalização dos direitos sociais, o respeito à dignidade do cidadão e a igualdade de direitos no acesso ao atendimento, tem, no adicional do art. 45, um de seus instrumentos de realização.

Ao proporcionar ao aposentado inválido e dependente de terceiros amparo material que de algum modo permita condições mais dignas de vida, sem a correspondente exigência de contribuição, está-se promovendo a universalização dos direitos fundamentais sociais (assistência aos desamparados, art. 6º da CRFB/88), bem como o respeito à dignidade do cidadão segurado.

A garantia de auxílio extra a quem se encontre situação de grande invalidez, seja pela avançada idade ou por alguma deficiência, também constitui recurso para proteção da velhice e da pessoa com deficiência, semeando a igualdade sem discriminação de qualquer

natureza, sobretudo se este auxílio for prestado de fato a quem dele necessitar, sem distinções quanto às modalidades de aposentadoria.

Quanto às pessoas com deficiência, digna-se de nota ser o Brasil signatário da Convenção Internacional sobre o Direito das Pessoas com Deficiência26, que tem como

propósito a promoção, a proteção e a garantia do exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, bem como a promoção do respeito pela sua dignidade inerente. Em seu artigo 28, a Convenção reconhece o direito das pessoas com deficiência à proteção social, estabelecendo que cabe aos Estados Partes efetivar as medidas necessárias para promover e salvaguardar esse direito, o que inclui entre outras ações, a garantia de igual acesso das pessoas com deficiência a programas e benefícios de aposentadoria27.

Também sob esses comandos normativos, internalizados com força de norma constitucional, deve ser norteada a aplicação do disposto no art. 45 da Lei nº 8.213 de 1991, com o objetivo de proporcionar a mesma cobertura previdenciária aos segurados aposentados que sejam deficientes. Não caberá, diante dos princípios consagrados pela Convenção Internacional sobre os Direito da Pessoa com Deficiência, analisar esse artigo de maneira restritiva, contemplando apenas os portadores de deficiência dependentes de terceiros para os atos da vida diária que sejam aposentados por invalidez. Proceder dessa forma é destinar tratamento desigual aos portadores de deficiência que se encontram na mesma situação e carecem do mesmo auxílio por parte do Estado.

O Estatuto do Idoso, por sua vez, veda qualquer tipo de discriminação em relação aos idosos em seu art. 4

º

28. Essa vedação, decorrência direta do princípio da igualdade (art. 5º,

CRFB/88), possui tanto eficácia horizontal, isto é, na relação entre particulares, quanto vertical, referindo-se a relação entre Estado e particular. Em todo caso, o princípio da vedação de discriminação aos idosos procura impedir a discriminação negativa, isto é, que fira os direitos e as garantias dos idosos. No plano vertical, visa inibir inclusive o tratamento desigual

26 Promulgado pelo Decreto Presidencial nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, após aprovação pelo Congresso

Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 09 de julho de 2008, conforme o procedimento do § 3º do artigo 5º da Constituição, detendo, portanto, força de emenda constitucional.

27 Artigo 28 […] 2.Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à proteção social e ao exercício desse direito sem discriminação baseada na deficiência, e tomarão as medidas apropriadas para salvaguardar e promover a realização desse direito, tais como: […] e) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a programas e benefícios de aposentadoria.

28 Art. 4º Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. Lei nº 10.741 de 2003, Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.

dispensado pelo Estado por meio da lei, já que não raro pode o legislador incidir em equívoco, conferindo alcance restritivo a certos institutos jurídicos por meio da escolha inapropriada das palavras.

Dessa maneira, também à luz dos princípios consagrados no Estatuto do Idoso, não há lugar para a concessão do referido adicional apenas aos idosos aposentados por invalidez. Se os idosos aposentados encontram-se na mesma situação, isto é, de incapacidade e dependência, não pode a lei escolher, com base em critérios estritamente formais, parcela desses segurados idosos para serem privilegiados com o benefício do adicional de 25% (vinte e cinco por cento), ao passo que aos outros relega desamparo e desproteção, incorrendo, portanto, em nítida discriminação odiosa, vedada pela ordem jurídica constitucional de 1988.

4 A POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DO ADICIONAL ÀS OUTRAS MODALIDADES DE APOSENTADORIA DO RGPS

Elaborar normas é função complexa, que exige de seu realizador mais do que o conhecimento das regras técnicas e hermenêuticas. Cabe ao legislador a função de captar as necessidades e os riscos da sociedade de seu tempo, para que o produto de seu empenho corresponda a real tutela dos bens e valores eleitos pelo povo.

Nem sempre as normas apresentam essa correspondência entre o objetivo de fato alcançável pelo seu regramento e o fim social buscado. Some-se a isso o fato de que por mais acurada que seja a percepção do legislador, a sua função legislativa não ocorre de maneira simultânea e sincronizada com a dinâmica dos fatos sociais.

Como resultado, podem surgir normas que, a despeito da intenção de sua criação, apresentem-se em descompasso com a realidade. É o que ocorre quando o legislador quer proporcionar amparo jurídico à determinada categoria de pessoas, em razão de situação específica por elas apresentada, mas edita norma que abrange apenas de maneira parcial esta categoria, relegando à desproteção parcela que, detentora das mesmas particularidades, demanda igual proteção.

Nesses casos e em muitos outros, a jurisprudência emerge como fonte de direito para promover a atualização e integração legislativa, concretizando direitos e garantias fundamentais e proporcionando o reavivamento da essência que motiva as palavras da lei.

Trata-se do caso do art. 45 da Lei nº 8.213 de 1991. Intentado cobrir o evento da grande invalidez, o legislador criou adicional de natureza assistencial e o inseriu no cerne do Plano de Benefícios da Previdência Social, mas especificamente no âmbito da aposentadoria por invalidez. Esse fato permite a falsa interpretação de que teria o adicional sido destinado apenas a esta modalidade de aposentadoria, desconsiderando os aposentados nas demais modalidades desse benefício, igualmente detentores do fenômeno da grande invalidez.

Foi ciente desse equívoco que o Senador Paulo Paim apresentou o Projeto de Lei nº 8242/2012, intentando alterar a redação do art. 45 para os seguintes termos: “O valor da aposentadoria por invalidez, por idade, por tempo de serviço e da aposentadoria especial do segurado que necessitar da assistência permanente de outra pessoa, por razões decorrentes de doença ou deficiência física, será acrescido de vinte e cinco por cento”. O projeto encontra-se

atualmente na Câmara dos Deputados, aguardando Deliberação na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CPD)29.

Não obstante, até a concretização da mudança legislativa, deve-se procurar efetivar o direito ao acréscimo de 25% (vinte e cinco por cento) por outros métodos. Destarte, a jurisprudência nacional, consoante se verá adiante, primando pela interpretação sistemática das normas do ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo no que concerne à observância dos postulados da igualdade e da dignidade da pessoa humana, sem olvidar ainda os princípios assistenciais que norteiam o próprio instituto, defende o uso da analogia para permitir a extensão do acréscimo pecuniário do art. 45 do PBPS às demais modalidades de aposentadoria do Regime Geral de Previdência.

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