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2.1 O conceito de natureza de Galileu a Kant.

2.2 A Natureza no Romantismo alemão

Capel (2004) afirma que a Geografia moderna nasceu sob os auspícios dos acontecimentos científicos ocorridos na Alemanha, por meio dos dois geógrafos Alexander Von Humboldt (1769-4859) e Karl Ritter (1779-1859).

As contribuições desses geógrafos (MORAES, 1989) foram muitas, principalmente na transformação da Geografia quanto aos métodos e as metodologias de análises (BAUAB, 2001), ou seja, deram à Geografia um caráter sistemático, consequentemente uma metodologia própria (FERREIRA & SIMÕES, 1986).

Tal metodologia não surgiu do nada, tanto Humboldt como Ritter sofreram as influências filosóficas, científicas e ideológicas de sua época, por isso, tentaremos de forma breve elucidar suas influências e posteriormente quais as influências de ambos na construção da Geografia.19

As influências de sua época foram sobretudo os ideais românticos do século XIX, com destaque os poetas: Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), Friedrich von Schiller (1759-1805), Heinrich Heine (1797-1856), Friedrich Hebbel (1813-1863) e Theodor Storm (1817-1888) dentre outros (MEURER, 1995).

Dentre os poetas alemães românticos citados anteriormente, há que se destacar Goethe e Schiller, indubitavelmente, ambos realmente influenciaram muitos conceitos e idéias filosóficas, atingindo principalmente Humboldt e grande parte de sua concepção de natureza.

Em Goethe seus poemas fitavam a natureza e dão a mesma a suas concepções subjetivas, assim a natureza existe, mas o homem modifica-a segundo suas definições e necessidades espirituais.

Os poetas agrupam a natureza na vontade do poeta, conseqüentemente na suposta vontade do ser humano. Portanto, a natureza em si é a natureza do homem sobre a mesma.

Como exemplo do que falamos até agora temos Goethe (MEURER, 1995, p. 26-27) com seu poema Herbstgefühl (Emoções de Outono) escreve:

Eleva a cor verde saturada, Ó tu, folhagem dos parrerais, Quero-te à minha janela alçada! Cerrai-vos, rápido, ainda mais, Vinde maturar, luzindo ao sol! Gerou-vos da luz poente o olhar, Vos ajunta o céu em frutos densos Da lua a magia vem banhar. E vos umedece, ai de mim, Este pranto de meus olhos tensos, Vivificante do amor sem fim”.

Assim, segundo Bornheim (1978), a natureza dos românticos é um devir espiritual, entendida enquanto manifestação do absoluto. Aqui, o absoluto não deve ser entendido enquanto divindade, sim como uma força poderosa que move a natureza, portanto, a natureza é movida por uma força interior e orgânica da própria natureza.

Quando Goethe, no poema citado acima, escreve seus sentimentos ele utiliza a natureza para se beneficiar, por meio das folhagens, da lua, do úmido da noite (sereno), enfim, tudo para si numa força própria da natureza, força essa que parece ser subordinada aos ditames egocêntricos do poeta, mas na verdade o que ele faz é apenas enxergar a natureza no seu percurso habitual e se apropriar momentaneamente de sua unidade orgânica.

Em outro poema de Goethe (MEURER, 1995, p. 40-41) chamado Gegenwart (Presença), o poeta escreve:

Esplêndido, vem emergindo o sol E, espero, já tu o segues sem demora [...] [...] Ó sol! A mim também concede a graça De os mais magníficos dias desfrutar. Eis o que é a vida, eis o que é o eterno.

Assim, o romantismo de Goethe revela a força da natureza como forma do absoluto, aqui chamado de eterno e o contínuo movimento orgânico da mesma. Não é o poeta que faz a natureza, ele apenas a segue, todavia dá nítidas interferências na formulação do quadro da mesma. E Humboldt se apropria desses elementos, como daqui alguns parágrafos será verificado.

Os românticos enxergam a natureza como superior, pois para eles ela é a plena e total manifestação do absoluto e também a manifestação do sujeito, nesse sentido a manifestação dos atributos do poeta, do filósofo e do geógrafo (VOLOBUEF, 1998).

Em lugar de um mundo físico apático ou indiferente ao sujeito, a Natureza do romantismo alemão é uma continuação do indivíduo. A essência dessa conexão está na capacidade de esse indivíduo ultrapassar seus próprios limites (desatando as amarras que o prendem ao terreno e prosaico) e entregar-se aos eflúvios da criatividade, expansão interior e elevação intelectual. A natureza deixa, então, de ser um ente estranho e torna-se um membro dilatado do indivíduo. É o sujeito moldando a Natureza à sua

imagem e semelhança (VOLOBUEF, 1998, p.123-124, grifo nosso).

Os românticos entendem a natureza como perfeita, dotada de forças próprias e contínuas, movimentos ininterruptos, mas o próprio homem pode interferir na mesma, moldando-a20 segundo suas intenções e objetivos, transmitindo para os leitores emoções provindas de suas intenções.

Humboldt tanto nos Quadros da Natureza como no Cosmos transmite emoções ao descrever e analisar a natureza. Percebe-se, portanto, uma influência direta da filosofia kantiana e de autores como Goethe, Schelling e Schiller. Outra influência marcante na obra de Humboldt foi filosofia de Hegel, a qual introduziu a dialética nas análises geográficas e históricas.

Segundo Moraes (1989) o método utilizado e influenciador de Humboldt é a articulação da observação com a descrição, resultando em possibilidades teóricas. Nunca abandona a observação, todavia ao trabalhar com a evolução temporal nos aspectos geográficos é obrigado a utilizar o racionalismo muitas vezes primeiro do que o empirismo, e o segundo acaba por confirmar.

Ainda segundo Moraes (1989) a elaboração teórica e a generalização da mesma sobre os materiais investigados e observados é o último passo. Tudo isso, deve ser iniciado na simples observação da paisagem e a partir daí perceber o que sentimos e o que tais sentidos provindos do fitar paisagístico corroboram no contato pessoal com a razão e com a experiência.

Portanto, o valor subjetivo sugerido por Humboldt na avaliação, investigação e observação da paisagem (da própria natureza) é, indiscutivelmente, influência direta dos românticos germânicos.

Uma das grandes influências sobre Humboldt foi o poeta e também filósofo Friedrich W. J. Schelling (1775-1854) (1973), o qual considerava a natureza suficientemente capaz de ser natureza, ou seja, a natureza é por si uma força poderosa, uma força objetiva, da qual devemos partir e retornar a mesma de forma espiritualizada.

Isso significa, conforme Schelling (1973) que a natureza não depende de interferências humanas para ser natureza, ela é ponto final; todavia, o homem para compreender melhor a natureza precisa converte a objetividade em subjetividade, resultando na identificação do próprio homem com a natureza. Há a convergência do mundo objetivo (a natureza) no intelecto, captura-se o externo e molda-o no interno.

Assim, Schelling pelo viés romântico e por meio do método dedutivo, tenta em toda a sua obra não dissociar o homem da natureza e vice-versa.

Segundo Merleau-Ponty (2000) essa indivisão do sujeito para com o objeto, ou seja, do homem para com a natureza é importante para o filósofo, pois considera tudo uno na esfera da organicidade da própria natureza. Todavia, tal indivisão é superada pela reflexão do próprio homem, que precisa superar o primitivismo da natureza e voltar a mesma com respostas superadoras do estágio primitivo da mesma, ou seja como já foi dito a alguns parágrafos anteriores há necessidade de entender a natureza para espiritualizá-la (leia-se formação das subjetividades na natureza).

Entender a natureza para Schelling significa que: “[...] ela caracteriza uma atitude a respeito do ser dado”. (MERLEAU-PONTY, 2000, p. 78). Para Schelling a natureza não é distante do homem, uma vez que cabe ao homem tomar a natureza constituindo-a a partir de suas visões próprias, para isso o ser humano precisa ser natureza, ou seja, apenas encontrará a mesma quando estiver simultaneamente sendo tal, não necessitando ir além de si para verificar os elementos naturais do cosmos; assim, há um tombar para o idealismo mítico, o ideal poético.

Tal idéia poética e romântica da natureza perdura até os dias de hoje.Não podemos crer de forma parcial e errônea no distanciamento de um conceito lançado no discurso da construção da ciência, bem como da Filosofia. Seria ingenuidade aceitar o aniquilamento conceitual do romantismo na natureza, basta analisarmos os meios atuais de comunicação (escrito, falado ou televisionado) para entendermos a permanência do espírito ideal romântico da natureza.

Os ideais românticos, segundo Bauab (2001), influenciaram a construção científica da Geografia de Humboldt. Oposto a esse pensamento, Lourenço (2002) não enxerga a marcante influência romântica na obra do decano. Todavia, na própria tese de Lourenço (2002) há o destaque da palavra Weltanschauung, a qual é traduzida por concepção

de mundo, ou seja, o mundo compreendido não apenas pelas observações geográficas, sim o mesmo entendido enquanto observações do sujeito.

Quanto à influência romântica na obra de Humboldt, temos muitos exemplos distintos e seguros da mesma, tal como o segundo volume da obra Cosmos, na qual um dos subtítulos é: meios de inspiração para o estudo da natureza. Destacando a comparação entre ciência e arte na descrição e entendimento da natureza, assim a natureza poderia ser entendida enquanto subjetividade do artista cujo laborou sobre a mesma por meio de sua visão particular.

O próprio Lourenço (2002, p. 34) escreveu:

O olhar dos poetas sobre a natureza fornece a Humboldt a impressão estética da linguagem sobre a paisagem, bem como o grau de determinação do imaginário sobre a realidade, transformada aqui, num sentido amplo, também em paisagem. Pela poesia é possível vislumbrar uma síntese que não seria obtida apenas como ciência. Para Humboldt a poesia trará uma possibilidade de configurar, tal qual na pintura, um quadro da natureza.

Mais adiante trabalharemos melhor com Humboldt e suas respectivas influências. Neste capítulo objetivamos evidenciar os precursores das idéias de natureza, que posteriormente ou em simultaneidade influenciaram a construção e emprego de tal conceito pela Geografia.

Outro filósofo que compôs o romantismo alemão no final do século XVIII e início do XIX foi Fichte (1762-1814). Segundo Vita (1964), o respectivo filósofo tem suas preocupações centradas nas condições de experiências (aqui uma crítica a Kant, principalmente a sua Crítica da Razão Prática) e na incompatibilidade entre a causalidade natural e a liberdade moral. Assim, a natureza em Fichte é construída tal como foi apresentada durante grande parte desse capítulo, ou seja, construída e entendida pelo método hipotético dedutivo, partindo sempre de hipóteses até alcançar uma dedução que será lançada na forma de axioma. Fichte, como romântico, entende as hipóteses da natureza por meio do sensual humano (dos sentidos), do eu autêntico. O homem fitcheano é o que é: racional no sentido de

ser o que se é, ou melhor, de forma crítica podemos dizer que Fichte quer que o homem seja apenas o que é, impossibilitando o mesmo de lutar contra o mundo que aí está.

O ideal romântico de Fichte produz uma filosofia idealista no modelado hipotético dedutivo, partindo de premissas para desvendar o conhecimento e alcançar de forma adequada o saber. Leiam a citação abaixo e ficará muito mais nítido o que estamos falando até agora com relação a filosofia de Fichte, assim esse filósofo escreve na primeira introdução à Teoria da Ciência:

“Concentra-te em ti mesmo. Desvia teu olhar de tudo o que te rodeia e dirige-o ao seu íntimo. Eis aqui a primeira petição que a filosofia faz a seu aprendiz. Não se vai falar de nada que esteja fora de ti, mas exclusivamente de ti mesmo”(FICHTE apud VITA, 1964, p. 212)

Fichte propõe ao filósofo falar de si, ou seja, para tal entendimento o homem não precisa ir além de si para entender o mundo, conseqüentemente a natureza é apresentada como o próprio homem, não no sentido de unidade compreensível, mas no sentido de dependência do mundo exterior para com o mundo interior. Há, inquestionavelmente, uma subordinação absoluta do cosmos para com o homem, portanto, surge uma natureza relativa e dependente da apropriação conceitual realizada pelo homem.

Até aqui conseguimos identificar dois grupos de filósofos: os idealistas e os materialistas, quanto aos românticos (Fichte, Schelling,...) são completamente idealistas, bem oposto ao que ocorreu com muitos iluministas no século XVIII. Por muitos séculos a luta travada entre aqueles que acreditavam no entendimento do cosmos como derivado do espírito humano e outros que trabalhavam seus conceitos e teorias sob os auspícios do cosmos enquanto elemento cognoscível. No afã de resolver tais problemas e influenciado por inúmeras mudanças estruturais, sociais e tecnológicas que ocorriam no mundo, o filósofo A. Comte tentou efetuar uma filosofia e ao mesmo tempo uma metodologia científica que

conseguisse ir além do idealismo e do simples materialismo, eis o positivismo. Então, vamos entender Comte.

2.3 O POSITIVISMO DE COMTE

Auguste Comte (1798-1857) foi um dos grandes pensadores que influenciaram a construção da ciência moderna, aqui devemos entender ciência enquanto ciências, ou seja, as ciências humanas foram tragadas por esse filósofo e direcionadas conforme sua posição metodológica (RUSSELL, 2001), tal influência nas ciências humanas, nesse caso na Geografia, tiveram enormes repercussões teóricas e conceituais tanto na metodologia geográfica quanto no processo ensino-aprendizagem dessa ciência.

Verdenal (1974) evidencia Comte e toda sua filosofia como resquício da sociedade francesa revolucionária (a Revolução Francesa de 1789), o filósofo tentou superar uma sociedade árcade e extremamente religiosa, buscando inspirações na queda do poder francês através da revolução contemporânea e também na visualização da superação dos estágios inferiores de conhecimento e de aplicabilidade dos mesmos.

Comte considerava sua filosofia um remédio para uma sociedade doente e degenerada, buscava incessantemente ser o grande reformador universal encarregado de alcançar a ordem definitivamente (soberanamente) (VERDENAL, 1974).

Comte preocupou-se em criar um método único e capaz de entender por completo o mundo, assim laborou suas idéias por meio da necessidade em possuir o entendimento do real, ou seja, aquilo que pode ser experimentado, ou melhor, posicionado pelos sentidos. Foi muito além de Descartes e também dos empiristas (Berkeley, Bacon e Hume), todavia não abandonou o legado newtoniano para entender o mundo, “adaptou” as