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BREVE DEBATE: POSSIBILISMO VERSUS DETERMINISMO?

O PENSAMENTO GEOGRÁFICO E O CONCEITO DE NATUREZA

3.3 A NATUREZA NO POSSIBILISMO

3.3.1. BREVE DEBATE: POSSIBILISMO VERSUS DETERMINISMO?

A natureza tanto no possibilismo quanto no determinismo tem particularidades; assim, no primeiro a natureza surge como um palco e também como um elemento para ser explorado pelo homem, delimitado pelo homem.

O determinismo toma a natureza como aquela que determina o sujeito e principalmente a organização social e política, enfim, para os deterministas a propriedade da nosso trabalho. Ele utiliza esta palavra na mesma citação em outra parte, todavia não dá o sentido de avanço como nós pretendemos e assim realizamos.

natureza é responsável até mesmo pela formação de um Estado (WITTFOGEL, 1992a). E como exemplo a tentativa de Adolf Hitler em criar o III Reich, não simplesmente dominando qualquer espaço, sim se apropriando de territórios com capacidades naturais compatíveis com o seu projeto de espaço vital.

Ratzel compreendeu o espaço nunca em primeiro plano, ou melhor, não busca o espaço em si, procura antes de tudo verificar as condições naturais e as condições sociais determinadas pelas primeiras (SPOSITO, 2004).

Ratzel possibilitou a natureza ser entendida enquanto recursos naturais, já que a mesma, conforme o determinismo, interfere nas organizações políticas, econômicas e sociais dos países.

Também no possibilismo a natureza é tida como recursos naturais. Toda a natureza está direcionada na intencionalidade humana, na forma como que o homem busca entendê-la para superá-la, assim escreveu Brunhes, Sorre, La Blache, De Martonne, Cholley e outros.

A natureza tanto no possibilismo como no determinismo surge como recursos naturais disponíveis para o homem. Como sabemos o próprio Ratzel interferiu em muitos pontos da teoria possibilista de La Blache, principalmente na relação da formação dos Estados Políticos (LA BLACHE, 2002). Deste modo, ambas escolas tomaram a natureza como forma de sobrevivência num primeiro momento pelos homens, posteriormente com o desenvolvimento de Estados e organizações institucionais figurando a natureza como elemento para se sobressair aos demais Estados.

A natureza possui, para ambas escolas, uma finalidade, tal como já escreveu Ritter, conseqüentemente a natureza só existe para o homem e cumpre seu papel cosmológico designado por algo ou por alguém na medida que a mesma tem utilidade para o homem e

cumpre o papel de determinado na própria evolução darwinista e positivista (VANUCCHI, 1977).

No determinismo a predominância da natureza sobre o homem, toma o território como muito maior do que o homem e este não tendo muita independência para tocar seu destino.

A inferiorização do indivíduo para com a natureza, proporcionou ao capitalismo uma excelente justificativa de subordinação dos homens ao mundo já dado, muito bem modelado e impossível de ser modificado. A grande justificativa, que perdura até hoje, é que as coisas realmente são assim, isto é, pobreza e riqueza sempre existiram no mundo e assim continuará.

O determinismo modificou sua roupagem, não são agora questões relacionadas ao “biologismo” e a evolução das espécies, o determinismo agora é econômico e é impossível sair desta teia compacta de dominação. Tudo indica que o mundo está assim, por causa do determinismo, um novo determinismo, ou seja, tudo que acontece no mundo tem suas causas primárias nas questões relacionadas a economia, assim um país não pode modificar suas bases econômicas por causa da econômica global, que determina a diferenciação de cada país do mundo.

O determinismo com sua nova roupagem assumiu uma postura muito forte, pois a maioria da mídia, dos livros didáticos e outros, acreditam realmente que o mundo é moldado e configurado de acordo com as normas e padrões DETERMINADOS pela economia contemporânea (economia das bolsas de valores, das ações, das flutuações cambiais e das oscilações de P.I.B).

Para Quaini (1983) a relação entre o determinismo e o capitalismo encaixou-se perfeitamente, até mesmo de forma orgânica, ou ainda parafraseando Machado de Assis: o determinismo e o capitalismo se uniram tão bem quanto à mão e a luva.

“No fundo o determinismo geográfico reflete de forma mistificada a condição de alienação do território em relação ao homem”. (QUAINI, 1983, p. 46).

O território torna-se propriedade das grandes corporações internacionais motivadas pela economia e por sua rendição aos ditames do grande capital. Assim, como escreveu Barbosa (2004, p. 4):

O mundo pertence ao FMI, ao BIRD, ao GATT, às grandes corporações transacionais. Com isso, o território se transnacionaliza e todas as estruturas e infra-estruturas são realizadas não para o bem comum de todo o território nacional e seus habitantes, e sim, para as empresas mundiais.

A configuração territorial passa a ser justificada pela determinação do capital atuando sobre o mesmo e a população de um país é “acalmada” por meio da justificativa ideológica sobre a economia, isto é: o que realmente determina a situação de pobreza ou riqueza em um país é o CAPITAL internacional e suas múltiplas relações.

Conseqüentemente, as populações dos países, principalmente mais pobres, acreditaram profundamente que o capital é imorredouro e as coisas, definitivamente, realmente são da maneira que foram descritas e justificadas pelas classes dominantes e políticas de seus respectivos países.

Desta maneira a interferência humana na natureza é também mui justificável pelas classes dominantes e políticas. Como exemplo temos a década de 1960 e 1970, principalmente, nas quais o governo brasileiro desejava que o país se modernizasse e tivesse uma maior capacidade de comunicação entre as regiões mais ermas, portanto, a atenção do governo fixou-se na região norte do Brasil.

Assim, devemos destacar os projetos de interferência direta na vida selvagem da floresta Amazônica: rodovias, cidades, hidrelétricas, zonas industriais, agricultura e muitos outros. Tudo isso justificado pela economia, pelo bem de todos os republicanos brasileiros, ou seja: a intervenção no norte do Brasil foi determinado pela inevitabilidade do aspecto econômico que geria e gere os países mundiais.

“Com o sistema capitalista, o território, isto é, o conjunto das condições materiais do trabalho (a cidade, o campo, etc.) torna-se “outra coisa” em relação, ao homem, embora sendo uma criação do trabalho humano.” (QUAINI, 1983, p. 46).

O território não pertence mais aos homens, de um modo geral, pertence agora a uma força superior, que, indubitavelmente para aqueles que a fizeram, determina a própria configuração espacial.

O território pertence ao comando daqueles que detém não mais apenas os meios de produção, também aqueles que possuem as formas para dominar o território por meio de justificativas, não apontando os fatores sociais e históricos das diferenças sociais e econômicas, sim enumerando como fator principal à determinação econômica.

Logo, as grandes interferências do homem sobre a natureza sempre são justificáveis por causa do determinismo atual: a economia. Tudo gira em volta da economia e é isso que determina o mundo.

O possibilismo, por sua vez, incorpora ao seu discurso, como já foi dito, uma vontade política intencional. O território não determinava mais o desenvolvimento de um local, uma vez que o homem se sobrepõe ao mesmo e consegue, enfim, deter poderes que possibilitem a construção de um local adequado para se viver.

A natureza está pronta para ser explorada, para ser dominada pelo homem. Tanto o possibilismo como o determinismo justificam de alguma maneira as intenções e ações dos homens sobre a natureza.

Há uma complementaridade tímida entre os pontos do determinismo e do possibilismo quanto à relação homem e natureza, pois no primeiro o homem é inferior e são as forças naturais que o moldam, daí surge a justificativa do ordenamento das palavras superiores e inferiores quanto a países civilizados e não civilizados. Como exemplo temos a expansão européia para a África e sua total dominação e subjugação econômica, política e social (ANDRADE, 1991).

Será que podemos dizer que realmente existiu um debate antagônico entre o possibilismo e o determinismo, pois ambos sempre compactuaram de ideologias e vontades em dominar outras porções do mundo, por meio da superação, primeiro, militar e atualmente econômica e até política.

O possibilismo influenciado pelos feitos de Galileu e Newton, bem como das expedições geográficas de Humboldt apostou na superioridade do homem sobre o território. Só que não estavam falando sobre qualquer homem e/ou qualquer território, pois

para os mesmos o homem tinha que expandir no território sua civilização e tal só era européia, bem como seu modo de vida, o qual La Blache (1954) chamou de gênero de vida.

O determinismo justifica os problemas em cada território com seus respectivos moradores, o possibilismo enxerga formas para superar possíveis problemas quanto aos fatores geográficos impostos pelo território.

A ação humana é direcionada não por sua própria iniciativa, sim pelas razões históricas e socialmente determinadas, somadas a isso o posicionamento econômico. O resultado de tais ações é a configuração que é dada ao território e tudo que é contido no mesmo: natureza, população...

Para Santos (2002a, p.94):

“[...]os resultados da ação humana não dependem unicamente da racionalidade da decisão e da execução. Há sempre, uma quota de imponderabilidade no resultado, devia, por um lado, a natureza humana, e por outro lado, ao caráter humano do meio”.

O homem acaba por tornear seu espaço, ao mesmo tempo não consegue ser indivíduo e acaba moldando31 e sendo moldado por forças externas e estranhas aos mesmos, atualmente tais forças são frutos do capitalismo e sua multiplicidade de feitos sobre a mente humana e conseqüentemente sobre o território.

Tanto o determinismo como o possibilismo foram teorizados por pessoas preocupados com o processo civilizatório europeu e a expansão de seus territórios. A natureza, neste caso, adentrava na possibilidade de recursos naturais e posteriormente serão transformados em recursos econômicos (GUIDUGLI, 1984).

Tal visão economicista da natureza perdura até a atualidade e isso tentaremos evidenciar nos livros didáticos de Geografia, nos quais há muitas partes dos seus respectivos capítulos tomando a natureza como simples recurso natural e tal visão foi fortemente iniciada por ambas escolas até aqui mencionadas.

31 Realmente podemos falar de modelar, pois as coisas vão sendo feitas no espaço de forma muito mecânica

No próximo ponto deste capítulo evidenciaremos a transformação do olhar do geógrafo sobre a natureza, enxergando-a de forma múltipla e muitíssima variada. Destacaremos no próximo ponto Hettner e Hartshorne.