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3.6 1 RECLUS E KROPOTKIN: POR UMA GEOGRAFIA CRÍTICA

Reclus (1830-1905) e Kropotkin (1842-1921) diferenciaram-se muito de seus antecessores e muito de seus contemporâneos, as posturas críticas voltadas, sobretudo, para a minimização dos problemas de ordens econômicas e sociais, apontam estes dois geógrafos como responsáveis diretos para a construção de uma Geografia preocupada com as questões sociais, não mais atreladas à dicotomia geográfica (física e humana ou, ainda, regional e geral). Claro que ambos preocuparam-se muito com a natureza, todavia a mesma não estava mais isolada, dentro de aparatos limítrofes, tal como posteriormente a Geografia Quantitativista tentou realizar.

Ambos compactuavam de valores de uma esquerda anárquica, portanto, toda forma de poder era opressão e o Estado, mais do que tudo estava obrigatoriamente centrado no poderio das influências diretas das elites mundiais. Tanto para Reclus como para Kropotkin era necessário realizar as pesquisas geográficas voltadas para os problemas contemporâneos e não entender o espaço como estático e simplesmente composto por inúmeras paisagens, ou mesmo, ficar na tautológica disputa ideológica entre o possibilismo e o determinismo.

Piotr Kropotkin (1976) no seu ensaio “What geography ought to be?”, aponta caminhos nada convencionais para a Geografia naquele momento, já que as correntes francesas e alemães ainda eram predominantes, logo ou sua visão geográfica tateava os pressupostos ambientalistas ou os artificialistas.

Kropotkin (1976) neste ensaio preocupa-se com um ponto importantíssimo dentro da ciência geográfica: a transmissão do conhecimento, o ensino para crianças e jovens. Enumera, portanto, vários fatores possíveis para uma maior e melhor atenção por parte dos alunos quanto aos conhecimentos geográficos transmitidos em salas de aulas. Para isso, sugeriu conversas com pescadores e pessoas, em geral, que vivem cotidianamente inseridos na natureza.

Ainda quanto aos estímulos para as crianças no processo ensino- aprendizagem, o autor citado anteriormente, busca subsídios no exotismo da natureza e de outras culturas, objetivando uma maior concentração e questionamento de muitos pontos pelas crianças para entenderem o mundo em que vivem, tanto os aspectos naturais quanto humanos.

A sua grande contribuição está nas explicações posteriores que a Geografia fomentou nos alunos, ou seja, após realizar nos mesmo a “aventura geográfica” pelos caminhos do exotismo e do diferente, Kropotkin (1976) direciona os argumentos da Geografia, por meio dos professores, para um caminho de paz e tolerância entre todos os povos.

Elimina as teorias francesas e alemães, voltadas exclusivamente para suas nações, evidenciando uma postura atípica de tolerância entre os povos e de ferrenha crítica quanto aos países colonizadores, principalmente na missão dada por ele para a Geografia, no tocante a expulsão dos valores prejudiciais acumulados nas mentiras, ignorâncias e egoísmos. Desta forma, a Geografia escolar seria importantíssima para a anunciação de um novo mundo, já que a mesma transmitiria constantemente os mais sublimes valores de ética e dignidades para a humanidade.

Kropotkin (1976) não fica apenas no estímulo para o findar dos preconceitos entre os povos civilizados, vai além ao propor uma igualdade entre a civilização européia e os

“saveges”. A comparação e a igualdade dada por este teórico da Geografia, movimentou consideravelmente os círculos geográficos europeus, principalmente quanto à propagação negativa de suas idéias.

As principais formulações de Kropotkin (1976) favoreceram uma avaliação mais ampla por parte da Geografia quanto aos problemas mundiais, bem como capacitava os alunos para um dinamismo da realidade no mundo dialético.

Ao propor a formulação de uma identidade mundial, realmente confirma a nossas palavras a alguns parágrafos acima ao coloca-lo como revolucionário. Efetua, portanto, uma tentativa de evidenciar uma identidade mundial, ao escrever que somos, definitivamente, todos irmãos independentes da nacionalidade. Indubitavelmente, busca um rumar para uma visão crítica e ao mesmo tempo solidária de mundo, isto é, trata-se de uma visão de mundo normal para um teórico de esquerda.

Resumidamente, Kropotkin (1976) fita a natureza como uma extensão do homem e a diferença existente nas distantes partes do globo terrestre, são, simplesmente, formas naturais para impulsionar os alunos aos mistérios da natureza e da relação humana, ora com os próprios de sua espécie ora com as espécies naturais.

Reclus é um teórico banalizado em seu tempo, não foi nem muito lido e muito menos divulgado, todavia suas idéias libertadoras e nada conservadoras impulsionaram, posteriormente, uma bandeira de crítica ao mundo e suas multiplicidades.

Só na década de 60 e mais intensamente na de 70, com as divergências surgidas entre os marxistas e com a oposição de grupos marxistas à forma de aplicação do socialismo, é que Reclus e Kropotkin passaram a ser lidos e se tornaram novamente conhecidos (ANDRADE, 1985).

Reclus tinha seu posicionamento intelectual e político na divergência para com a situação de miséria e injustiças no mundo, desta maneira luta pelo fim da luta de classes de forma muito congruente com Marx, todavia a enorme de diferença entre os dois é

que Reclus era anarquista, fitava, portanto, a liberdade como fim máximo e possível para qualquer transformação do mundo (CLAVAL, 1974; ANDRADE, 1985 e 1992).

Como nossa discussão gira entorno do conceito de natureza, ficaremos mais próximo de tal discussão, uma vez que a obra de Reclus proporciona inúmeras dissertações e debates.

Na obra de Reclus (1985a) “O homem e a terra” ele abre seu primeiro capítulo com o sub-título: “O homem é a natureza adquirindo consciência de si própria”. Assim, Reclus consegue de forma ímpar unir o que estava separado, isto é, a Geografia não mais estava composta de forma dicotômica e sim apenas Geografia.

Até mesmo a obra de Engels sobre a dialética da natureza não foi tão disposta a subtração de paradigmas positivistas e conservadores, como já foi falado a algumas páginas anteriores, pois Reclus enxerga na relação homem e natureza (vice-versa) uma continuidade de ambos em ambas direções e não um fim, tal como Engels e muitas vezes o próprio Marx demonstrou.

Reclus (1985b) aponta que o homem sempre recebeu passivamente as relações da natureza, até que o homem conseguiu enxergar os elementos dados de maneira alheatória para cada sociedade e assim houve uma adaptação do homem para com a natureza, bem como o homem adquiriu capacidade de tomá-la e configurá-la conforme suas necessidades:

À medida que os povos se desenvolveram em inteligência e em liberdade, à medida que o compreenderam melhor a ação dessas forças que os arrastam, souberam reagir sobre o mundo exterior, cuja influência haviam recebidos passivamente; foram se apropriando gradativamente do solo e, tornados pela força da associação verdadeiros agentes geológicos, transformaram de várias maneiras a superfície dos continentes, mudaram a economia das águas correntes, modificaram até mesmo os climas, deslocaram fauna e flora (RECLUS, 1985b, p.41).

O grande problema levantado por Reclus está na direção da tomada da natureza pelo homem, uma vez que o mesmo tem a plena consciência de que não são todos os