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A necessidade antrópica da perfeição e da beleza

Capítulo III: Teorias de Tudo: Principais dificuldades

3.5. A necessidade antrópica da perfeição e da beleza

Somos seres simultaneamente antropogénicos, antropomórficos e antropocêntricos. Estamos condicionados pela nossa génese particular, pela forma humana como vemos e entendemos o mundo, submetendo-o ao crivo da nossa razão138.

que quer que seja. O exemplo do comboio em andamento e do sujeito parado na estação é um clássico da relatividade. Uma outra consequência é a de que, ao contrário do que outros previram antes e nisso acreditaram, para Einstein, o espaço é curvo pelo que a distância mais curta entre dois pontos deixa de ser uma linha recta como julgava a geometria Euclidiana, mas uma curva com raio próximo do infinito, mas uma linha curva. Por outro lado, o veículo mais rápido que conhecemos de transmissão é a luz e, a sua velocidade, sendo altíssima, é finita. A luz tem uma trajectória curva e não recta, e este facto já foi experimentado através do fenómeno da deflexão. Poder-se-ia dizer, de igual forma, que esta teoria carrega consigo algumas consequências ao nível filosófico ou, pelo menos algumas interrogações: o tempo é único e interior à nossa sensibilidade como afirmava Kant, ou existem tantos tempos quantos o que se queiram considerar?

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A palavra Quântica deriva do termo «quantum» que significa «quantidade elementar» quer de energia electromagnética (Fotão), quer de campo gravitacional, quer como partícula elementar subatómica, de acordo com o emprego que dele se fizer.

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De facto, a nossa razão está condicionada pela nossa circunstância de seres biológicos, possuidores de um cérebro que, tem de ser limitado:

«A razão humana, num determinado domínio dos seus conhecimentos, possui o singular destino de se ver atormentada por questões, que não pode evitar, pois lhe são impostas pela sua natureza, mas às quais […] não pode dar resposta por ultrapassarem completamente as suas possibilidades» (Kant, 2008:3).

Nada nos diz o Universo sobre se temos ou não razão, ou seja, se as teorias que criamos para entender o mundo correspondem a alguma forma da realidade ou se, pelo contrário, apenas dispomos de uma forma humana de descrição do mundo, entre, provavelmente, muitas outras possíveis mas, naturalmente incognoscíveis para nós139.

As considerações anteriores, muito sumárias, pretendem fundamentar uma das ideias que nos nortearam sempre ao longo do desenvolvimento não só da Filosofia como da Ciência. Referimo-nos em primeiro lugar ao ideal de perfeição.

A perfeição ou a procura da perfeição sempre preocupou aqueles que genuinamente se interessaram pelo Mundo e pelo seu funcionamento.

Entre inúmeros exemplos, podemos mencionar «en passant» a concepção de Ptolomeu sobre o Universo, concepção essa que atrasou consideravelmente o avanço da ciência.

Temos demasiada dificuldade em conceber uma teoria que não corresponda ao nosso ideal de perfeição140. Isso passa-se, por exemplo, com a Mecânica Quântica.

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De certa forma isso está em consonância com o Princípio Antrópico segundo o qual qualquer teoria válida sobre o universo tem que ser consistente com a existência do homem. A Natureza parece estar ajustada para a possibilidade de vida no nosso planeta e, obviamente, para a vida humana. Qualquer alteração ínfima de forças como, por exemplo a da gravidade, eliminaria a vida tal como a conhecemos começando por nós mesmos. Em suma, vemos o Universo como o vemos porque, de contrário nem sequer estaríamos aqui para o ver.

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Tomemos o exemplo de Pitágoras. Como sabemos, Pitágoras era um esteta que defendia o número como origem da realidade, do todo. A substância de tudo reduzia-se à forma e esta ao número. Pitágoras entendia que o Universo era belo porque, na sua concepção da realidade, era matemático. Foi Pitágoras o primeiro a estabelecer ligações entre a música e a matemática:

«[Pitágoras] evitava que seus discípulos se envolvessem […] em teorias abstractas [sobre a] matemática […] mas fazia, primeiro, com que aprendessem a apreciar as sensações agradáveis, as belas cores e a beleza das formas e dos sons. Após demonstrar-lhes o poder da música no mundo material, explicou-lhes as razões matemáticas invisíveis dessas manifestações». (Gorman, 1979:182).

Einstein sempre se recusou a admitir a probabilidade quântica porque, segundo ele, Deus é perfeito e não admite probabilidades mas certezas: «Deus não joga aos dados», diz-se que dizia.

Ainda hoje existem cépticos mesmo entre a comunidade científica sobre tal teoria. Porém, a matemática diz-nos que esta teoria prevê o funcionamento do Universo que, de resto, é um funcionamento quântico.

Destes e doutros (muitos) exemplos podemos deduzir que a perfeição não pode nem deve ser um critério científico, entendendo-a como nós, humanos a entendemos.

Quase o mesmo se passa com a beleza das teorias. Para muitos cientistas uma teoria tem mais possibilidades de ser credível se for «bela» ou «elegante». Mais uma vez nos encontramos perante nós mesmos e as nossas limitações que nos causam não poucas perplexidades.

Por que razão uma teoria tem de ser bela? Na realidade, ninguém dispõe de uma resposta satisfatória para esta interrogação pela simples razão de que a noção do «belo» é uma noção antropomórfica, faz parte da nossa maneira de ver o mundo. Dificilmente os cientistas renunciam a uma teoria bela.

Por isso mesmo, tudo isto pode muito bem querer dizer que, ao pretendermos introduzir critérios científicos como «perfeição» e «beleza» nas teorias que elaboramos podemos muito bem (ou talvez não) estar a laborar num erro que nos poderá impedir ou introduzir bloqueio epistémicos e até ontológicos na procura do «tudo». É uma hipótese de trabalho respeitável que tem de ser admitida e ponderada.

Pode haver mundos desconhecidos para além de tudo o que conhecemos onde, por exemplo, não existem «leis» ou «regularidades» no sentido em que são entendidas por nós.

Aquilo que para nós é ou parece caótico ou aleatório pode muito bem «funcionar», mas já não no sentido da inteligibilidade humana, num mundo diferente deste, talvez noutro hipotético Universo. É que nada nos diz que o Universo que conhecemos ou julgamos conhecer seja único.

3.6. As limitações matemáticas: O Teorema da Incompletude, de