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A «Elegância» das teorias científicas

Capítulo I: introdução ao conhecimento científico

1. Questões preliminares

2.2. Alguns conceitos indiciadores da possibilidade de uma GUT

2.2.6. A «Elegância» das teorias científicas

Paul Dirac, quando leccionava ou visitava uma universidade tinha a miúdo um conceito para transmitir aos estudantes de Física: «Ele aconselhava os estudantes

de Física] a preocuparem-se apenas com a beleza das suas equações» (Weinberg,

1996:125).

A verdade é que a elegância de uma teoria tem estado presente muitas vezes ao longo da história da Física. Na concepção de uma teoria existe muito de intuição a tal ponto que a razão pode ser suplantada. Popper escreve, a este propósito, o seguinte

«Deveria ser evidente que a objectividade e a racionalidade do progresso na Ciência não se devem à racionalidade e objectividade pessoais do cientista. A Grande Ciência e os grandes cientistas, como os grandes poetas, são muitas vezes inspirados por intuições não racionais. O mesmo acontece com os grandes matemáticos […]. Uma [equação ou sistema de equações] matemática pode ser [estabelecida] e descoberta por tentativas inconscientes, guiadas por uma inspiração de carácter […] estético e não pelo pensamento racional. Isto é verdadeiro e importante. Mas, é evidente que [isto] não torna o resultado, a prova matemática, irracional» (Popper, 2009: 45).

Numa primeira leitura, esta ideia parece-nos não só estranha como inverosímil. Mas, de facto, não o é: Kepler, por exemplo, est abeleceu as suas 3 leis cósmicas pensando na geometria Pitagórica, fazendo depender essas leis da natureza geométrica que concebeu para o Universo.

A verdade é que essas leis explicam o movimento dos planetas de uma forma exacta e admirável, para além de geométrica102. E os planetas movem-se segundo essas 3 leis. Já o caso de Ptolomeu é diferente.

Ptolomeu deixou-se seduzir e conduzir pela ideia de perfeição que vigorava no seu tempo. Ora, um círculo, na Idade Média dominada pelo pensamento religioso tinha de ser103 mais perfeito do que um não-círculo

Mas, aqui, os planetas não se comportaram como Ptolomeu havia previsto104. Ora, o que hoje acontece, na concepção e formulação de teorias, é a generalização da ideia de «elegância» ou de «beleza» nos meios da «intelligentzia» científica, em particular, na Física.

Ora, acontece que isto não é simplesmente um capricho dos físicos mas algo de suma importância na noção que desde finais do Século XIX se tem de como deve ser uma teoria científica.

A teoria da Relatividade, por exemplo, seria de mais difícil aceitação se fosse de apreensão rebuscada e muito complexa:

102

1ª Lei: Os planetas descrevem órbitas elípticas com o Sol num dos focos da elipse. 2ª Lei: o raio vector que liga um planeta ao Sol, descreve áreas iguais em tempos iguais;

3ª Lei: Os quadrados dos períodos de revolução são proporcionais aos cubos das distâncias médias do Sol aos planetas.

Esta questão coloca-nos de novo um problema tão antigo como controverso e não resolvido: É o Universo matemático? O homem criou a matemática ou ela já existia antes dele?

103

Cursiva nossa.

104

Aqui, a sua intuição simplesmente falhou. Isto significa também que a noção de beleza de uma teoria pode não ser condição suficiente para o seu sucesso. E, na verdade, algumas vezes não o é.

«A aceitação global da Relatividade Geral foi devida, em grande arte, à atracção da própria teoria, ou seja, à sua beleza» (Weinberg, 1996:96).

A noção de beleza ou de elegância de uma teoria científica nada tem que ver, contudo, com a noção corrente que temos destes termos:

«Quando um físico afirma que uma teoria é bela, não o diz exactamente no mesmo sentido em que se diz que determinado quadro, poesia ou peça de música são bonitos» (idem, 1996: 126).

Sendo assim, então, o que deverá (ou poderá) ser uma teoria bela? É o mesmo laureado que, mais adiante nos esclarece o significado de beleza que é suposto ser atribuível a uma tal teoria:

«Uma demonstração ou um cálculo elegante [e belo] são aqueles que alcançam um resultado poderoso com o mínimo105 de complicações irrelevantes» (ibidem, 127).

O que aqui ressalta também é a noção de simplicidade subsumida na ideia de beleza. Uma teoria mais simples106 é também, mais bela. Pensemos na fórmula

E=mC², por exemplo.

Esta fórmula é extraordinariamente simples mas contém um grande número de evidências e consequências107 que, desde que foram estabelecidas, nenhuma teoria posterior as pôs (ainda)108 em causa.Significa tudo isso que a

105

Cursiva nossa. A elegância também se traduz por simplicidade:

«É pelo facto de as partículas elementares serem tão simples que elas são interessantes: a sua simplicidade sugere que o estudo das partículas elementares nos levará mais perto da compreensão completa da Natureza» ( Weinberg, 1996:61).

106

Existe uma fundamentação filosófica consensual para preferir a simplicidade: o Princípio da Navalha de Ockham. Este princípio estabelece que «Entre duas explicações igualmente válidas se deve escolher a

mais simples» (Dias, 2007: 732).

107

Desde logo, a equação indica-nos que, por mais pequena que seja uma massa m, a energia E contida nessa massa é extraordinariamente grande quando a aceleramos à velocidade da luz , que é de,

teoria é produtiva ou que é fecunda109, ou seja, que produz resultados fiáveis enquanto não for substituída por teoria melhor, como diria Popper.

Uma outra condição ou característica que torna uma teoria bela é a intuição que temos da inevitabilidade do sucesso se o caminho for este em vez daquele, como já

anteriormente notámos.

«Ao ouvirmos uma peça de música ou um soneto sentimos um intenso prazer estético […]. Nada na obra poderia ser alterado […]. Não existe uma única nota ou uma única palavra que quiséssemos que fossem diferentes» (Weinberg, 1996:128).

O próprio autor da Teoria da Relatividade, Albert Einstein tinha o sentimento de beleza da sua teoria e exprimia-o assim:

«A principal atracção da teoria reside na sua completude lógica. Mesmo que apenas uma das suas conclusões esteja errada, temos de desistir da teoria. Modificá-la sem destruir toda a sua estrutura parece impossível» (Weinberg, 1996:128, apud Einstein, 1950).

Nas páginas anteriores falámos em simetria, explicamos o que significava e o seu papel numa eventual GUT. Acontece que uma das condições de elegância de uma teoria é a sua simetria. Não, evidentemente, a simetria das formas mas a simetria das leis. De resto, já abordámos este assunto nas páginas anteriores. O que ali adiantamos é que as simetrias são um elemento de beleza e de elegância nas teorias científicas.

aproximadamente, 300000 Km/seg. (por esta razão, alguns gramas de Plutónio ou Urânio podem servir para o fabrico de uma bomba atómica)

108 Este «ainda» reporta-nos a Popper e ao seu Falsificacionismo. 109

Como escreve Peter Galison ( 2011),

« La notion de fécondité est plus immédiate. Prenons l’exemple de la théorie de Newton, remplacée par les équations d’Einstein. Au sens strict, elle et fausse, mais reste productive. On l’aplique toujours dans beaucoup de domaines. Il serait ridicule de la jeter à la pobelle» (Galison, 2011: 58).

Estas parecem ser, de momento, as ideias e fundamentos principais que podem vir a suportar uma eventual Teoria Geral Unificada (GUT). Porém, nenhum físico actual acredita, sem reservas, que se esteja muito perto de alcançar esse desiderato.

Alguns deles acreditam mesmo que existem muitas confusões nos modelos teóricos de análise uma vez que, pelo menos, parte deles resulta da nossa imaginação. Por outro lado, nenhuma teoria física, por definição, é absolutamente exacta no momento. O que a Física tem procurado e uma série de aproximações sucessivas que nos permitam mais previsões sobre o comportamento da Natureza e, particularmente a unificação teórica desse comportamento aos níveis «macro» e «micro».

Alguns físicos não acreditam que alguma vez possamos vir a conhecer a natureza mais íntima da Natureza tomada como «realidade». O próprio Albert Einstein que, além de eminente físico, era capaz de pensar a Filosofia da ciência nunca acreditou numa espécie de «resposta final» ou uma «equação final» nas palavras de Lederman &Teresi (2009).

Os próprios físicos envolvidos nesta empresa gigantesca reconhecem-lhe enormes dificuldades. Faremos de seguida, no capítulo seguinte deste trabalho, a enumeração e breve caracterização das principais dificuldades que se opõem à concepção e formulação físico-matemática de uma Teoria Geral Unificada.