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A NECESSIDADE DA MUDANÇA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO

A Educação Médica no Brasil

2.2 A NECESSIDADE DA MUDANÇA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO

A Constituição Federal de 1988, influenciada pelo movimento da Reforma Sanitária e pela VIII Conferência Nacional de Saúde realizada em 1986, reconheceu a saúde como direito de todos e dever do Estado. Com a estruturação do Sistema Único de Saúde - SUS, e a necessidade de reorientar os serviços e o atendimento à população, criou-se um cenário favorável para a reorientação da formação profissional que, considerando seu alto custo para o estado e sua fragmentação com perda de qualidade, não mais podia estar direcionada exclusivamente à utilização intensiva de tecnologia, à superespecialização generalizada e ao hospital.

Somado a isso, o movimento internacional, especialmente na América Latina, impulsionava as reformas à medida que cada vez mais buscava a interação entre academia e serviços e a formação de profissionais preparados para enfrentar os problemas relacionados às necessidades sociais da população, exigindo mais do que capacidade técnico-científica.

Segundo Almeida (1999), alguns acontecimentos da década de 90 exerceram forte influência na Educação Médica Latino-americana nesse período: (a) em 1991, o convite feito às escolas que possuíam cursos de graduação na área de saúde e, em especial medicina e enfermagem, pela coordenação do Programa para a América Latina e o Caribe da Fundação Kellogg, para participar de “Uma Nova Iniciativa na Educação dos Profissionais de Saúde: União com a comunidade”, mais conhecida pela sigla UNI; (b) em 1992, a divulgação pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPS) por meio das Associações Nacionais de Educação Médica do documento intitulado “As mudanças na Profissão Médica e sua Influência sobre a Educação Médica”, especialmente elaborado para as discussões preparatórias da 2ª Conferência Mundial de Educação Médica; (c) em 1993, a realização da 2ª Conferência Mundial de Educação Médica em Edimburgo, a 8ª Reunião Bianual da Network of Community-oriented Educational Institucions

for Health Sciences, em Sherbrook (Canadá) e a Conferência Andina sobre

Educação Médica realizada em Cartagena (Colômbia); e (d) em 1996, a criação do Steering Committe on Medical Educationin the Americas Region, por

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ocasião da interrupção da publicação da revista Educación Médica y Salud (1966-1996).

A América Latina teve uma grande participação na 2ª Conferência Mundial de Educação Médica, estimulada pela OPS, que por sua vez teve grande influência na própria Conferência, já que seu tema central “A mudança na profissão médica: implicações para a Educação Médica”, foi sugerido pela OPS. Essa sugestão foi resultado do movimento interno originado pela encomenda da OPS a educadores médicos, cientistas sociais e economistas, de textos que pudessem subsidiar a discussão e que resultaram na produção de um documento intitulado “As transformações da profissão médica e sua influência sobre a Educação Médica”. (ALMEIDA, 1999)

Esse documento abordava as questões centrais da Conferência, tais como a crise econômica; o desenvolvimento tecnológico; e a necessidade da equidade; e reforçava a influência das estruturas sociais na prática profissional e desta na formação médica. Após a contribuição de escolas e associações nacionais, que foram consolidadas pela FEPAFEM e pela OPS, o documento apontou alguns caminhos para a Educação Médica:

(a) há necessidade de gerar um novo modelo científico, biomédico e social, que projete e fundamente um novo paradigma educativo, em função do indivíduo e da sociedade;

(b) há necessidade de um novo sistema de valores que transcenda a influência da mudança da prática, reconstrua a ética do exercício profissional e garanta a função social do atendimento às necessidades de saúde da população;

(c) há vantagens no desenvolvimento de trabalho interdisciplinar e de metodologias problematizadoras;

(d) é fundamental que o desenvolvimento da integração docência- assistência-pesquisa torne a estratégia Atenção Primária em Saúde como objeto de pesquisa e aprendizagem e verifique o compromisso da universidade com a sociedade, afastando-se da utilização dos espaços comunitários como campos de prática unicamente; e

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(e) a superação da contradição entre a formação de especialistas e médicos gerais exige que a educação médica enfrente criticamente a determinação tecnológica do critério médico de qualidade, que envolve tanto a ética profissional como a equidade. É nesse sentido que se dão as possibilidades de resolver este velho dilema da educação médica. É necessário começar a formar melhores especialistas, e ao mesmo tempo é necessário resgatar e fortalecer a formação geral na graduação, colocando-os adequadamente nas equipes de saúde, promovendo igualmente suas funções e reconhecimento sociais.

Essas questões, que indicavam as oportunidades para a construção das propostas de mudanças para a Educação Médica na América Latina, vinham ao encontro das necessidades de adequação da formação médica no Brasil, acompanhando a estruturação do Sistema Único de Saúde.

Era preciso, portanto, formar médicos com perfil totalmente diferenciado do profissional formado até então pelo modelo hegemônico, era preciso formar médicos generalistas que compreendessem as necessidades de saúde da população, e considerassem a sua realidade para apresentar soluções, ou seja, médicos preparados para atuar no Sistema Único de Saúde.

Para isso, seria necessário enfrentar problemas tais como a fragmentação do ato médico, a perda de qualidade da relação médico-paciente, a exclusão de boa parte da população do acesso aos serviços em função da elevação assustadora dos custos, e a introdução precoce da especialização levando à fragmentação de conteúdos e à perda da terminalidade da formação médica. (FEUERWERKER, 2002)

Esse movimento acompanhava as discussões que ocorriam na área da educação, na defesa de uma proposta pedagógica interativa, que desenvolvesse a capacidade de aprender a aprender, que preparasse os estudantes para lidar com as novas tecnologias da informação, os tornasse capaz de trabalhar em equipe e de exercer liderança, enfim, que formasse profissionais capazes de lidar com a evolução do conhecimento, e mais do que isso, com competências e habilidades para tomar decisões e

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enfrentar os problemas do seu tempo. No contexto da globalização, onde as transformações econômicas, políticas, sociais e culturais transformam o mundo do trabalho, o conhecimento da época e as práticas hegemônicas já não eram capazes de responder às novas demandas.

Segundo Feuerwerker e Lima (2002), na educação, a crise paradigmática se revelava na contraposição hegemônica tradicional e a concepção crítica reflexiva. A primeira utiliza a pedagogia da transmissão, a prática pedagógica centrada no professor e a aquisição de conhecimentos de maneira desvinculada da realidade. A segunda se fundamenta na construção do conhecimento a partir da problematização da realidade, na articulação teoria e prática e na participação ativa do estudante no processo de ensino- aprendizagem. Na saúde, o primeiro vê a saúde do ponto de vista biologicista, centrado na doença, na hegemonia médica, na atenção individual e na utilização intensiva da tecnologia. O segundo baseia-se na construção social da saúde, apoiada no fortalecimento do cuidado e da promoção à saúde, na ação intersetorial e na crescente autonomia das pessoas e populações em relação à saúde.

Foi tentando superar os modelos hegemônicos, tanto na saúde quanto na educação, que a Educação Médica começou a construir sua mudança.

(...) As escolas médicas são instituições complexas, que articulam uma multiplicidade de sujeitos, de identidades e de interesses. Transformar o processo de formação implica mudanças na concepção de saúde, na construção do saber, nas práticas clínicas, na relação entre médicos e população, entre médicos e demais profissionais de saúde, na concepção de educação e de produção do conhecimento, nas práticas docentes, nas relações entre professores e estudantes, nas relações de poder entre os departamentos e disciplinas. São, portanto, mudanças profundas, que implicam a transformação não somente de concepções e práticas, mas também de relação de poder dentro das universidades, dos serviços de saúde, do território local, e também no espaço social, no campo das políticas. (FEUERWERKER, 2002: 288)

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2.3 NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA OS