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A EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA E A REFORMA UNIVERSITÁRIA NA PERSPECTIVA DA AVALIAÇÃO

Educação Superior e Avaliação

1.1 A EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA E A REFORMA UNIVERSITÁRIA NA PERSPECTIVA DA AVALIAÇÃO

Analisando o contexto dos países da América Latina, Dias Sobrinho (2005) aponta as enormes dificuldades que a educação superior brasileira enfrenta: precariedades físicas e institucionais, problemas de regulação dos sistemas educacionais com rigor e qualidade, graves deficiências na profissionalização do corpo docente, especialmente no tocante aos salários e à capacitação, baixa qualidade de formação dos estudantes nos níveis anteriores, os estruturais déficits econômicos e sociais, os gravames políticos derivados dos anos de chumbo das ditaduras, as crises econômicas, e as dificuldades acarretadas pela implacável competitividade internacional.

As mudanças (revisões e construções), dado o sentido público e social da educação, devem contar com a efetiva participação dos envolvidos, iniciando pela comunidade de professores, pesquisadores, estudantes e gestores da educação. Para o autor, a participação coletiva, o respeito à diversidade, e a compreensão dos contextos sociopolíticos gerais são

algumas das condições imprescindíveis às transformações, mudanças e reformas da educação superior.

O desafio posto à instituição universidade do século XXI, tem sido a preocupação da reforma da Educação Superior brasileira que está em curso. Revisitando a história da República no Brasil, a educação superior foi regida por duas leis gerais que tiveram longa vigência: O Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, e a Lei 5.540, de 1968, revogada apenas no final da década de noventa pela Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Embora desde então muitas discussões tenham avançado e inúmeras alterações tenham sido feitas, o sistema superior brasileiro ainda é regido por uma lei herdada do regime autoritário. Em 2004, a discussão da Reforma Universitária foi reinserida nas prioridades do governo para a educação. Com a tarefa de desencadear um processo de reforma com cronograma definido, prevendo um calendário de debates com entidades representativas de todos os segmentos acadêmicos e sociais, foi instituído em 2004 o Grupo Executivo da Reforma Universitária.

Considerando como o principal impasse histórico para a educação, o não enfrentamento da trinômia avaliação/autonomia/financiamento, o governo estabeleceu um leque de questões a serem debatidas, entre as quais mereceram destaque: a missão pública da educação superior, a autonomia das universidades, a supervisão do poder público, os resultados da avaliação da qualidade e seus posteriores efeitos regulatórios, a diferença entre os tipos de instituições e suas especificidades, o financiamento, a organização das carreiras docente e administrativa, a organização interna e a escolha dos dirigentes, entre outras. (BRASIL, 2005a)

Segundo o Ministério da Educação, o sistema da educação superior brasileiro encontrava-se fragmentado, e era preciso rever sua missão pública, ainda que mantendo sua autonomia e respeitando sua diversidade, exigir mais qualidade e compromisso com a relevância social.

Para Dias Sobrinho (2005), “um sistema de educação que realmente queira a melhoria da vida de todos os cidadãos precisa ser, por princípio, democrático em seu funcionamento e público em sua função.” (DIAS SOBRINHO, 2005: 239)

Nesse contexto, a proposta de reforma da Educação Superior brasileira, apresentada ao Congresso Nacional, em julho de 2005, pelo Ministério da Educação, apontava como desafio a construção de um sistema de educação superior capaz de equilibrar qualidade acadêmica e compromisso social.

O projeto da reforma foi amplamente discutido com a comunidade acadêmica e a sociedade durante mais de um ano. A partir dos debates foram construídas coletivamente suas diretrizes baseadas nos pressupostos da reforma que foram pautados nas tendências da Educação Superior no contexto internacional à época. (BRASIL, 2005a: 22-9)

O primeiro deles referia-se aos desafios da universidade contemporânea, que se encontrava ameaçada de perder seu papel central de produção de cultura e conhecimento científico na sociedade, ou seja, a crise da legitimidade. A proposta da reforma tinha como desafio a recuperação da centralidade acadêmica, levando a universidade a enfrentar as tensões entre cultura universitária e cultura popular, educação profissional e mundo do trabalho, pesquisa fundamental e pesquisa aplicada.

O segundo pressuposto tratava da massificação e da privatização da educação superior. A massificação, que reduziu o caráter elitista do acesso à universidade, traduzida pelo rápido crescimento das matrículas no ensino superior na década de 1960, e mais significativamente na década de 1990, que se deu particularmente no Brasil e ainda de forma mais intensa na América Latina. E a privatização, causada pela explosão das instituições privadas a partir da década de 1980, coincidindo com a crise da dívida externa. No Brasil, a privatização da Educação Superior teve sua explosão mais especificamente a partir de 1998. Acompanhando sua evolução, a matrícula global nas instituições privadas passou de 40% (1960) para 70% (2005). Embora privadas, coube a essas instituições honrar o compromisso social atribuído como missão ao conjunto das instituições de ensino superior.

E o terceiro e último pressuposto, tratava da missão pública da educação superior. A descaracterização das instituições públicas de educação superior como tal, vinha interferido na forma de produção do conhecimento e sua aplicação em benefício da sociedade. Essa questão estava no centro das discussões sobre autonomia universitária e reforçava a crise de identidade

da universidade pública. O desafio se referia à capacidade da reforma em fortalecer o sistema público por uma rede de instituições de referência e articular as demandas da sociedade com os anseios da comunidade acadêmica, de forma a valorizar a importância da universidade pública na formação de quadros qualificados e na produção de conhecimento e tecnologia. (BRASIL, 2005a)

Portanto, os temas centrais apresentados no projeto eram as relações entre Estado e a tensão permanente a respeito da autonomia universitária, o financiamento das instituições públicas federais, e as complexas relações entre o poder público e o setor privado, requerendo regulação estatal.

As diretrizes da Reforma traduziam no seu conjunto a perspectiva da necessária expansão de educação superior, garantindo e consolidando a qualidade acadêmica e promovendo a inclusão social por intermédio da educação. Para Pacheco e Ristoff (2005), a reforma proposta garantia que as universidades federais teriam, enfim, a autonomia de gestão financeira prevista na constituição, mas nunca posta em prática; teriam asseguradas a tão sonhada dotação global de recursos, a irredutibilidade nos repasses e a expandibilidade continuada.

Para o Ministério da Educação, a universidade tinha um papel estratégico na construção de um novo projeto de desenvolvimento, que compatibilizasse crescimento sustentável com justiça social e por isso defendesse como princípios a valorização da universidade pública e a defesa da educação como um direito de todos os brasileiros. O projeto da reforma proposto pelo governo se apresentava como um projeto que percebia a educação superior como um direito público a ser ofertado pelo Estado gratuitamente, com qualidade, com democracia e comprometido com a dignidade do povo brasileiro, com as expressões multiculturais que emergem do interior da sociedade, com a sustentabilidade ambiental e com o desenvolvimento tecnológico de sua estrutura produtiva. (BRASIL, 2005a: 09)

A visão que norteava o processo de reforma da educação superior no Brasil era orientada por uma concepção republicana do Estado brasileiro, na qual as instituições públicas tinham papel indutor e regulador no processo

de crescimento, gerando distribuição de riquezas e de conhecimento. As bandeiras da reforma eram: fortalecer a Universidade Pública, impedir a mercantilização do ensino superior, garantir a qualidade, democratizar o acesso e construir uma gestão democrática, tendo como objetivo central criar condições para a expansão com qualidade e equidade.

Para Dias Sobrinho, não seria possível estudar ou entender as tendências da educação superior, sem compreender as perspectivas e práticas da avaliação. “Há uma relação de mútua implicação entre avaliação e concepções de educação. De modo específico, há uma relação muito estreita entre avaliação e reformas da educação superior”. (DIAS SOBRINHO, 2002a: 21)

Ciente disso, e tendo como meta a expansão da educação superior de forma ordenada e com qualidade, o Governo Federal criou o Sistema Nacional de Avaliação de Educação Superior (SINAES) que integrava todas as avaliações realizadas no âmbito do Ministério da Educação, sob a orientação das diretrizes estabelecidas pela Comissão Nacional de Educação Superior - CONAES, por meio das quais poderia exercer suas funções de natureza regulatória.

Mais do que integrar os processos da avaliação, o SINAES pretendia lidar com a identidade das instituições dando um caráter formativo à avaliação, permitindo não só ao governo a definição de políticas públicas para o setor, mas principalmente orientar as instituições em suas políticas acadêmicas e a sociedade em suas escolhas.

Para tanto propôs o uso articulado de diversos instrumentos de avaliação, possibilitando a combinação de diferentes olhares para a instituição, para os cursos e para os estudantes. O desafio era superar as demandas do processo regulatório e desenvolver a cultura da autoavaliação, “construindo uma avaliação mais participativa e democrática e uma universidade mais comprometida e cidadã”. (PACHECO e RISTOFF, 2005:48)

De concreto, nessa perspectiva, além da implantação do SINAES, o Ministério da Educação publicou em 2004 algumas portarias, com o objetivo de regular a expansão da educação superior privada. Em relação aos demais

pontos da reforma universitária apresentava apenas propostas, tais como: aumento do orçamento, contratação de professores, expansão do plano de carreira para servidores, reajuste para os professores, e mais recursos para os hospitais universitários.

Enquanto o Projeto da Reforma não era aprovado, e os demais temas não avançavam, a sistemática de avaliação e regulação foi sendo priorizada. A aprovação do Decreto nº 5.773, publicado em 10 de maio de 2006 no Diário Oficial da União, regulamentou pontos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº 9.394/1996) e da Lei nº 10.861/2004, que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), na tentativa de fazer a conexão entre os dois, o que o levou a receber a denominação de Decreto-ponte.

Para o Ministro da Educação à época, o decreto redimensionava o arcabouço jurídico de regulação, supervisão e avaliação do ensino, racionalizando o trâmite rotineiro dos processos administrativos, sem nenhuma intenção de antecipar temas da reforma universitária, como chegaram a afirmar alguns críticos do decreto. Na visão do MEC, o decreto tratava de processos formais, enquanto a reforma trataria de tipologia e conceitos”. (ASCOM/MEC, 2006)

Com todas as resistências da comunidade acadêmica e da sociedade para com a reforma proposta, uma coisa não se podia negar: mesmo com as alterações que vinha sofrendo, o sistema de avaliação proposto aproximava- se do ideal de especialistas e estudiosos da área, o que se pôde constatar na evolução da avaliação da educação superior brasileira.

Já a reforma universitária, embora significasse um passo importante na reorganização da educação superior brasileira, estava longe da resolver os problemas e as demandas da universidade.

(...) Não se trata de aderir simplesmente às ondas mudancistas, porém de tornar as transformações do mundo mais justas e eficazes para os processos de melhoria da vida humana em geral. Isto requer adensamento dos processos de construção do conhecimento e maior aprofundamento da capacidade crítica e reflexiva dos cidadãos a respeito das dimensões

objetivas e subjetivas das sociedades humanas. Isto significa aprofundar o ethos universitário. (DIAS SOBRINHO, 2005: 233)