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A necessidade de proteção do patrimônio material e imaterial do trabalhador

O Princípio da Proteção determina que as regras, institutos, princípios e presunções específicas do Direito do Trabalho devem proporcionar a criação de uma teia de proteção ao trabalhador, considerado a parte hipossuficiente na relação empregatícia, para tentar retificar

ou atenuar, no campo jurídico, o desequilíbrio inerente ao contrato de trabalho.110

108 DELGADO, Gabriela Neves. O trabalho enquanto suporte de valor. In: Revista da Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Minas. n. 49, 2006, p. 94-95. Disponível em: <https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/7/6> Acesso em: 05/05/2018.

109 Idem.

A matriz constitucional de 1988 imprimiu novo vigor ao Princípio da Proteção, também denominado de Princípio Tuitivo ou Tutelar, considerado a razão de ser do Direito do Trabalho desde a edição da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, ampliando o alcance de sua teia de proteção para além das relações de emprego.

Para Gabriela Neves Delgado e Lara Parreira de Faria Borges, a Constituição de 1988 ―promove um giro hermenêutico‖ ao incluir trabalhadores até então afastados da proteção do Direito do Trabalho, possibilitando que todas as relações de trabalho, em sentido lato, fossem alcançadas pelo Princípio da Proteção, o que reforçou o ―sentido inclusivo de Democracia‖,

considerado ―vetor do Estado Democrático de Direito‖.111 As autoras destacam que, a

proteção conferida ao trabalhador abrangeu a garantia de direitos fundamentais de ordem material e imaterial, o que reforça o caráter inclusivo da matriz constitucional de 1988 em todos os seus aspectos:

No que se refere ao objeto de trabalho e ao seu grau de proteção, a contribuição do constitucionalismo de 1988 reside em garantir um projeto inclusivo de proteção ao trabalho, ampliando o alcance do Princípio da Proteção de modo a inserir, nas relações de emprego, uma perspectiva de debate em torno não apenas dos direitos contratuais patrimoniais, mas também dos direitos contratuais extrapatrimoniais vinculados a bens imateriais de titularidade dos trabalhadores como, por exemplo, os direitos da personalidade.112

Desta forma, a Constituição Federal de 1988 revigorou o Princípio da Proteção, coadunando seu espírito aos ditames do Estado Democrático de Direito - inclusivo e garantidor de direitos fundamentais –, o que desafia o Direito do Trabalho a assegurar a concretização desses direitos constitucionalizados para a afirmação da dignidade humana como fundamento da República.

A denominada ―arquitetura democrática constitucional‖ da nova matriz brasileira, assegurou muitos avanços no campo do Direito do Trabalho. No âmbito do Direito Coletivo do Trabalho, reconheceu a liberdade e autonomia sindical, sem interferência do Estado (art. 8.º, I, II), e estabeleceu incentivos à negociação coletiva, preservando o papel das entidades

sindicais dos trabalhadores (art. 7.º VI, XIII e XXVI, art. 8.º, III e VI). 113

A Justiça do Trabalho também foi fortalecida pela nova Constituição, expandindo-se para todo o interior do país, tanto na primeira instância, quanto por intermédio de Tribunal

111

DELGADO, Gabriela Neves; BORGES, Lara Parreira de Faria. A revisitação do Princípio da Proteção pelo discurso Constitucional Trabalhista no Tribunal Superior do Trabalho. In: DELGADO, Gabriela Neves; PIMENTA, José Roberto Freire; MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; Lopes, Othon de Azevedo (coord.). Direito Constitucional do Trabalho: Princípios e Jurisdição Constitucional do TST. São Paulo: LTr, 2015, p. 39.

112 Idem.

Regionais (art. 112), assim como o Ministério Público do Trabalho tornou-se um órgão

agente, judicial e extrajudicial (art. 129, II, III e IX), ampliando suas atribuições clássicas. 114

A Constituição ampliou a possibilidade de manejo das ações coletivas para a defesa dos direitos dos trabalhadores, seja por intermédio da substituição processual pelos sindicatos (art. 8.º, III), seja pela atuação do Ministério Público do Trabalho (art. 127, caput, e art. 129, II, III e IX).

No Capítulo II, do Título II (art. 6.ª até 11), a Constituição de 1988 inseriu os principais preceitos relacionados especificamente ao direito do trabalho, que conferem ao Direito do Trabalho o papel de instrumento de inclusão social e distribuição de renda, além de ressaltar o caráter democrático da representação sindical e da participação dos trabalhadores nas empresas e nos sindicatos.

Para Maurício Godinho Delgado, a matriz constitucional, aprimorada pelas Emendas Constitucionais 24/99 e 45/04, atribuiu ―um novo status ao Direito do Trabalho – inclusive o Direito Individual do Trabalho – mediante princípio, regras e institutos jurídicos que

acentuaram a força e a projeção desse campo normativo na sociedade e na economia.‖115

Para resguardar o trabalhador de violações de direitos resultantes de condutas abusivas empresariais, a Constituição previu uma série de dispositivos que asseguram a tutela judicial contra lesões e ameaças aos direitos, resguardam o direito de defesa e ao contraditório, entre outros de caráter processual, como os previstos no art. 5.º, I, XXXV, LV, LVI, LX, XXXVII, LIII e no art. 93, IX, entre outros.

Desta forma, a constitucionalização de um amplo leque de direitos individuais e coletivos constitui uma conquista dos trabalhadores e reflete uma aquisição evolutiva de direitos, fruto de lutas históricas travadas por melhores condições de vida e por dignidade no trabalho. A garantia de direitos fundamentais trabalhistas de ordem material e de mecanismos de defesa desses direitos – de ordem processual, se completa com o reconhecimento de direitos imateriais dos trabalhadores – da esfera dos direitos da personalidade – formando um plexo de proteção constitucional de alto nível.

No que se refere aos direitos da personalidade, ao consagrar a dignidade humana como fundamento da República, em seu art. 1.º, III, e lançar o ser humano ao centro do ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal erigiu as bases de um sistema que não admite a existência de norma, interpretação, significado ou eficácia, que não se coadune com essa perspectiva. A coerência do sistema se completa com os dizeres do art. 5.º, que preceitua

114 Idem. 115 Idem..

expressamente: ―todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à

vida, á liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade‖.116

Tal preceito reverbera os dizeres do art. 1.º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que afirma: ―todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos‖, o que demonstra a importância da dignidade como atributo essencial à condição humana e, consequentemente, indica um compromisso do Estado Democrático de Direito com o respeito à ―inviolabilidade de todos os

direitos inerentes à personalidade‖. 117

Para Augusto Cesar Leite de Carvalho, de acordo com a teoria monista, os direitos da personalidade, como a vida, a liberdade, a honra, a privacidade, entre outros, previstos no art. 5.º, X e X, da Constituição de 1988, devem ser compreendidos não de maneira autônoma, exauriente ou hierarquizada, mas sim como ―um só direito geral de personalidade‖, dos quais decorrem ―desdobramentos relacionados à integridade física, moral, ou intelectual, que protegem o homem em sua dimensão existencial – não puramente patrimonial – assegurando

pretensão reparatória sempre que vulnerada essas titularidades‖.118

Para o autor, a Constituição consagrou uma cláusula geral de tutela da personalidade ao elevar a dignidade humana a fundamento da República e a prevalência dos direitos humanos a princípio constitucional (art. 1º, III e 4.º, II), relacionando-os aos objetivos de erradicação da pobreza e da marginalização e de diminuição das desigualdades sociais e regionais (art. 3.º, III). Essa opção do constituinte levou à formação de sistema, que o autor denominou de ―um plexo de axiomas jurídicos‖, no qual a personalidade deixa de ser fonte do direito geral para constituir verdadeira ―categoria de valor máximo do ordenamento, a reclamar não somente a titularidade do direito a eventual ressarcimento quanto a promoção de

medidas com viés emancipatório, ou de promoção do ser humano‖.119 Por fim, Augusto Cesar

Leite de Carvalho considera que

[...] a violação de direitos da personalidade - que se revelam invioláveis na máxima proporção em que todos os seres humanos são iguais em dignidade - não se coaduna com alguma tentativa, no plano inferior das leis, de enclausurá-los em normas de textura fechada ou hermética, ou de restringir-lhes a titularidade, menos ainda de atribuir-lhes projeção meramente econômica e limitada a quantias preordenadas. 120

116

CARVALHO, Augusto Cesar Leite de. Princípios de Direito do Trabalho sob a perspectiva dos Direitos Humanos. São Paulo: LTr, 2018, p. 18

117 Idem. 118 Idem, p. 19. 119

CARVALHO, Augusto Cesar Leite de. Princípios de Direito do Trabalho sob a perspectiva dos Direitos Humanos. São Paulo: LTr, 2018, p. 19.

O reconhecimento do ordenamento jurídico infraconstitucional como parte integrante de um sistema, vinculado a uma matriz constitucional progressista e democrática e delineado a partir de fundamentos estabelecidos no paradigma do Estado Democrático de Direito - que tem como centro a pessoa humana com sua dignidade – coloca em xeque a Reforma Trabalhista implementada pela Lei 13.467/2017, uma vez que as inovações propostas pela referida lei – como o contrato de trabalho intermitente, por exemplo, esvaziam o conceito de trabalho digno e atentam contra direitos fundamentais constitucionalizados.

A proteção jurídica dos diretos fundamentais materiais e imateriais dos trabalhadores, estabelecidos pela Constituição brasileira, importa na possibilidade de reparação ou indenização dos danos causados aos trabalhadores decorrentes de práticas empresariais abusivas. O reconhecimento do dano existencial decorrente das violações de direitos que causem danos ao projeto de vida e à vida de relações dos trabalhadores pode contribuir para a densificação do conceito de trabalho digno e para assegurar a proteção integral ao patrimônio imaterial dos trabalhadores.

O desenvolvimento dessa pesquisa não prescinde da compreensão da matriz constitucional e do sistema de proteção social delineado pela Constituição de 1988, que tem na dignidade humana - fundamento constitutivo do Estado Democrático de Direito - o suporte de valor essencial para a construção de uma sociedade mais igualitária, democrática e inclusiva.

CAPÍTULO II – A CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO