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1 SOBRE A PREDICAÇÃO COMPLEXA NA ABORDAGEM TRADICIONAL E

1.3 A noção de PC após a NGB: as orações reduzidas

Além do predicado verbo-nominal, existem construções descritas pela GT também com PC, em que um mesmo NP parece receber predicações de mais de um verbo nas sentenças. Comecemos analisando as sentenças em que uma das predicações parece ser atribuída por um verbo no infinitivo (exemplos adaptados de BARBOSA, 1962, p. 120-123):

(31) O guarda viu o prisioneiro sair (32) Delfim sentiu o coração bater (33) A mãe ouviu o filho chorar (34) O professor deixou o aluno falar (35) O susto fez a formanda cair (36) Mandei o fã sumir

Nas orações acima, o verbo principal pertence à classe semântica dos verbos perceptivos (ver, sentir, ouvir) ou causativos (deixar, fazer, mandar). O objeto direto desses verbos (o prisioneiro, o coração, o filho, o aluno, a formanda, o fã) é, segundo Bechara (2004, p. 530), ao mesmo tempo sujeito do verbo no infinitivo que aparece após o objeto. Por isso, dizemos que esse objeto parece receber predicações de itens diferentes: do verbo da oração matriz e do verbo no infinitivo. A possibilidade de se tratar de um objeto é confirmada caso o NP possa ser substituído por um pronome átono objeto direto (sentenças (a) abaixo). Já a possibilidade de esse NP ser sujeito do verbo no infinitivo torna-se mais clara, quando a concordância de número e pessoa é expressa no infinitivo nos casos em que se trata de um nome no plural (sentenças (b)). Lembramos aqui que caso o nome esteja no plural, o morfema

–em de número e pessoa pode estar expresso no verbo ou não (sentenças (c)). Mas se é o

pronome que está no plural, a única possibilidade é de que esse morfema não seja expresso (sentenças (d)). Podemos contrastar essas possibilidades com as orações completas em (e)23 (exemplos adaptados de MIOTO et al., 2005):

(31’) (a) O guarda viu-o sair

(b) O guarda viu os prisioneiros saírem (c) O guarda viu-os/ os prisioneiros sair (d) * O guarda viu-os saírem

(e) O guarda viu que os prisioneiros saíram (32’) (a) Delfim sentiu-o bater

(b) Delfim sentiu os corações baterem (c) Delfim sentiu-os/ os corações bater (d) *Delfim sentiu-os baterem

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Chamamos aqui a atenção para o fato de que o aspecto expresso pelo verbo da oração encaixada, nos exemplos acima, não é livre, isto é, depende do aspecto expresso pelo verbo da oração dependente. Por exemplo, em O

(e) Delfim sentiu que os corações batiam (33’) (a) A mãe ouviu-o chorar

(b) A mãe ouviu os filhos chorarem (c) A mãe ouviu-os/ os filhos chorar (d) *A mãe ouviu-os chorarem

(e) A mãe ouviu que os filhos choravam (34’) (a) O professor deixa-o falar

(b) O professor deixa os alunos falarem (c) O professor deixa-os/ os alunos falar (d) *O professor deixa-os falarem

(e) O professor deixa que os alunos falem (35’) (a) O susto fê-la cair

(b) O susto fez as formandas caírem (c) O susto fê-las cair

(d) *O susto fê-las caírem

(e) O susto fez com que as formandas caíssem (36’) (a) Mandei-o sumir

(b) Mandei os fãs sumirem (c) Mandei-os/ os fãs sumir (d) *Mandei-os sumirem

(e) Mandei que os fãs sumissem

Segundo a GT, os verbos acima em itálico constituem orações classificadas como

orações reduzidas de infinitivo substantivas objetivas diretas. São orações reduzidas, porque

não são iniciadas por conjunções subordinativas, e tem o verbo em uma das formas nominais, o infinitivo. E são objetivas diretas, porque exercem a função de objeto direto do verbo da oração principal. Porém, de acordo com Bechara (2004, p. 530), os verbos em itálico exercem a função de predicativo do objeto direto, o que confirmaria a hipótese de que esse verbo predica sobre aquele elemento. Também podemos encontrar esse tipo de PC em orações

reduzidas de infinitivo substantivas objetivas indiretas, desde que prediquem sobre o objeto

de um verbo causativo. Em (37), na sentença (a), o objeto do verbo obrigar, o preso, receberia predicação do verbo saltar da oração objetiva indireta encabeçada pela preposição a, assim

guarda viu que os prisioneiros saíram, o verbo da oração principal expressa o aspecto de perfeito; logo, o verbo

como a sua forma pronominalizada em (b). Já (c) mostra que o objeto na sua forma no plural pode ocorrer com o verbo saltar concordando com essa forma no plural ou com a forma no singular. A sentença em (d) é agramatical, pois a forma pronominalizada no plural do objeto é seguida do verbo concordando com essa forma, mas a em (e) é gramatical, pois a forma pronominalizada no plural do objeto está contida em uma oração encaixada com verbo finito:

(37) Obrigaram o preso a saltar o fosso. (a) Obrigaram-no a saltar o fosso

(b) Obrigaram os presos a saltarem o fosso (c) Obrigaram-nos/ os presos a saltar o fosso (d) *Obrigaram-nos a saltarem o fosso

(e) Obrigaram que os presos saltassem o fosso

Podemos encontrar o mesmo tipo de PC em orações reduzidas com outras formas nominais do verbo. Comecemos analisando as orações reduzidas de particípio:

(38) O professor, formado em Direito, trabalha aqui (39) Lido com atenção, este livro interessa a muitos (40) Ocupada com a dissertação, Júlia não foi à festa (41) Comprada pela biblioteca, João restaurou a obra (42) Doei as roupas ao orfanato destruído pelo incêndio

Em (38), o verbo no particípio formado parece atribuir uma predicação ao sujeito da oração principal o professor, que, por sua vez, também parece receber uma predicação do verbo trabalhar; em (39), ocorre a mesma situação: o constituinte este livro, sujeito da oração principal, parece receber predicações do verbo ler no particípio e do verbo interessar; em (40), o sujeito Júlia parece receber predicação do verbo principal ir e do verbo no particípio,

ocupar; em (41), o objeto a obra parece receber predicação do verbo restaurar e do verbo no

particípio comprar; e em (42), o objeto indireto parece receber predicação do verbo doar e do verbo no particípio destruir, apesar de a aceitabilidade dessa sentença ser discutível. Ao contrário das orações reduzidas de infinitivo, em que a PC estava somente relacionada ao objeto da oração principal, podemos ver que a PC nas orações participiais podem se referir a outros constituintes da oração principal: em (38), (39) e (40), a PC se refere ao sujeito; em (41), a PC se refere ao objeto direto a obra, e em (42), a PC se refere ao objeto indireto.

Podemos perceber que essas orações, caso não estivessem intercaladas e caso o verbo na forma nominal fosse entendido como um adjetivo, poderiam ser analisadas como predicativos. Porém, as orações reduzidas participiais que podem apresentar PC, segundo a análise tradicional, são classificadas da seguinte maneira: (38), como uma oração adjetiva

explicativa; (39), como uma oração adverbial condicional; (40), uma oração adverbial causal; e em (41) e em (42), como orações adjetivas restritivas.

Podemos encontrar o mesmo tipo de PC em orações reduzidas gerundiais, como nas seguintes sentenças (exemplos adaptados de Cunha e Cintra, 1981):

(43) Vejo crianças brincando na rua

(44) O rapaz, mascando chiclete, não respondia nada (45) João saiu pulando de alegria

(46) Estudando, ela aprenderá

(47) Chegando à estação, comprou duas passagens (48) Estando doente, dispensaram o empregado (49) Tendo muito dinheiro, não dava esmolas

Como podemos ver acima, as orações gerundiais não parecem ter restrições quanto ao tipo de verbo com que ocorrem (já que não fazem parte da estrutura argumental do verbo da oração principal) ou quanto ao constituinte a que se referem. Em (43) e (44), temos orações adjetivas, sendo a primeira restritiva e a segunda, explicativa. De (45) a (49), temos orações adverbiais, sendo (45), uma oração adverbial modal (não listada pela NGB); (46), uma condicional; (47), uma temporal; (48), uma causal; e (49), concessiva.

Em gramáticas pré-NGB, a classificação atribuída a essas orações não é muito diferente da classificação apresentada acima. A gramática de Góis (1943), por exemplo, apresenta a mesma classificação atual. Said Ali (1966, p. 132), chama essas orações de

orações implícitas, que podem ser das mesmas três espécies apontadas pela NGB: infinitiva,

gerundial e participial. Não encontramos em Carneiro Ribeiro (1955) e em Almeida (1900), uma análise que correspondesse à apresentada acima. Já Perini (1996) propõe que há dois tipos de orações reduzidas. Na próxima seção, verificamos a análise de construções nominais com PC, de acordo com autores que, como Perini, não seguem a GT.