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1 SOBRE A PREDICAÇÃO COMPLEXA NA ABORDAGEM TRADICIONAL E

2.3 A análise atual da PC: a small clause

Para entendermos como a PC é analisada de acordo com a TPP, precisamos antes salientar alguns pontos sobre a relação de predicação, tal como é entendida nessa abordagem36. A relação de predicação entre dois itens é geralmente entendida como "uma associação entre x e y, de modo que y predica de x" (PEREIRA, 2005, p. 39). Um predicado é um elemento que possui "lacunas a serem preenchidas pelos argumentos que selecionam" (MIOTO et al., 2005, p. 121). Isto é, cada predicado, para que se constitua uma sentença gramatical, precisa coocorrer com determinados elementos. Assim, a relação de predicação é considerada uma instância da atribuição de papel-θ por uma projeção máxima (CARDINALETTI e GUASTI, 1995, p. 4).

Analisemos a estrutura temática do verbo considerar. Trata-se de um predicado que seleciona dois argumentos. O elemento que ocupar a posição de sujeito precisa ter os traços [+animado], [+humano]. Por exemplo, podemos dizer Maria considera João

inteligente, mas não podemos dizer *A pedra considera João inteligente, porque [A pedra],

que é sujeito de considerar nessa sentença, não possui esse traço. Portanto, a esse argumento o verbo e seu complemento atribuirão o papel-θ de Experienciador. Já o elemento que ocupar a posição de objeto do verbo considerar, por sua vez, precisa ter como característica principal o de ser uma proposição, que servirá como argumento interno do verbo e também receberá um papel-θ deste.

A declaração selecionada pelo verbo pode ser expressa através de uma oração finita, como em Maria considera que João é inteligente; ou de uma espécie de oração cujo núcleo não é um verbo (ou uma flexão verbal), como em Maria considera João inteligente. Esse tipo de oração é particularmente interessante, pois contém uma espécie de predicação, mas não há categorias morfológicas que a identifiquem como uma oração plena. Desse modo, podemos dizer que a relação predicativa pode ser encontrada mesmo em construções que não são consideradas orações plenas propriamente ditas. Um exemplo de construção em que se encontra uma predicação, mas sem outras características de oração, é a small clause (SC), ou

minioração, ou ainda oração pequena. De acordo com os estudos desenvolvidos

principalmente por Stowell (1983, 1995), denominados como Teoria da SC, a SC é um constituinte oracional, que expressa o mesmo tipo de relação de predicação semântica entre

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A análise a ser empreendida nesta seção tem, como principal fonte teórica da abordagem gerativista, a Teoria

um predicado e seu sujeito encontrada nas orações plenas, mas difere destas, por não conter verbos auxiliares ou material morfológico que expresse tempo ou aspecto e por ser a projeção máxima da categoria de seu predicado. A representação atribuída a uma SC como [o João lindo], de A Joana acha o João lindo, é mostrada a seguir.

(76) AP

DP AP [o João] [lindo]

Uma evidência de que se trata de uma predicação independente está no alcance dos advérbios. Considerando que o escopo dos advérbios limita-se ao constituinte em que ocorre, Gomes (2006, p. 81) afirma que, se os advérbios “não tiverem alcance sob a sentença matriz, estão numa estrutura que forma um único constituinte, ou seja, numa small clause”. Como podemos ver no exemplo (77b) (adaptado de Gomes, 2006, p. 81), um advérbio como

muito tem escopo apenas sobre a SC complemento, e não sobre a sentença matriz. Essa

hipótese é confirmada na sentença (77c), em que a inclusão de dois advérbios não torna as sentenças agramaticais:

(77) (a) Maria considera João inteligente (b) Maria considera João muito inteligente

(c) Raramente Maria considera João absurdamente inteligente

Façamos uma comparação entre a análise tradicional e a análise gerativa. A diferença entre uma abordagem e outra parece residir na maneira como cada uma realiza a segmentação dos constituintes. A oração A Joana acha o João lindo seria analisada pela GT como contendo um predicado verbo-nominal, [acha o João lindo], em que [o João] constitui o

objeto direto do verbo transitivo direto achar, e [lindo], o predicativo do objeto direto. Na

abordagem tradicional, uma oração com a estrutura verbo nocional + (objeto) + predicativo

do sujeito/do objeto é considerada uma só oração constituída de um predicado composto, isto

é, um predicado verbal (predicação entre o verbo e o NP sujeito) e um predicado nominal (predicação entre o predicativo e o NP sujeito ou objeto). Parece haver, portanto, uma separação entre o que seria argumento interno do verbo (o João) e a predicação sobre esse argumento (lindo). Já na abordagem gerativa, observamos a relação de predicação existente

entre o constituinte [o João] e o constituinte [lindo]: o adjetivo [lindo] predica sobre o sintagma [o João]. Como essa predicação não possui como núcleo uma flexão verbal, esses constituintes não formam uma oração plena, mas sim uma SC: [o João lindo], em que [o João] é o sujeito, e [lindo], o predicado. Parte dessa estrutura (a predicação entre o predicativo e o NP sujeito ou objeto) constitui uma estrutura oracional própria. Assim, não temos uma oração e uma PC, mas sim duas orações diferentes, cada uma com a sua própria predicação.

Essa diferença na segmentação dos constituintes permite que construções consideradas sintaticamente semelhantes na GT recebam tratamento diferenciado pela abordagem gerativa. E, além disso, a noção de predicado complexo (como por vezes o predicado de estruturas com PC é referido), na abordagem gerativa, é atribuída a uma estrutura semelhante à encontrada na GT, isto é, a estrutura formada por um verbo, o argumento desse verbo e um predicado para esse argumento, sendo que esse predicado também seria selecionado pelo verbo. Trata-se de uma análise um tanto oposta à análise de SCs. Veremos essa diferença na subseção em que discutimos os predicados resultativos e na seção em que discutimos a presença de categorias flexionais nas SCs.

Desse modo, a representação em LF da sentença (77) não poderia ser a que aparece em (78), já que seria bloqueada pelo Princípio de Projeção:

(78) Maria [considera]VP [João]NP [inteligente]AP

O verbo considerar exige como complemento uma estrutura oracional e, para não violar o Princípio de Projeção, a natureza desse complemento deve ser mantida em outros níveis sintáticos. Por isso, no nível de representação em LF, a estrutura em (78) não seria aceita, pois apresenta um NP objeto (CHOMSKY, 1981, p. 33).

Como podemos perceber, as construções identificadas tradicionalmente como predicados verbo-nominais correspondem às construções denominadas na abordagem gerativa como SCs nominais, isto é, SCs cujo predicado é constituído por um nome. Quando analisamos o lugar da SC nominal em relação à estrutura argumental da sentença, dois tipos de SCs são atestadas: as que são adjuntas ao VP e as que são complementos de VP. Começamos a análise com as SCs adjuntas, já que apresentam uma estrutura mais complexa em relação às SCs complementos.