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1 SOBRE A PREDICAÇÃO COMPLEXA NA ABORDAGEM TRADICIONAL E

2.9 SCs preposicionais

São considerados exemplos de SCs preposicionais55 construções cujo predicado é composto por uma preposição e um nome, que parecem atribuir, juntos, papel- ao seu sujeito, seja ele um DP ou NP, como nas SCs complementos, ou um ec, como nas SCs adjuntas:56

(167) O professor classificou [[o atraso]DP [como injustificável]PP] SC compl

(168) Todos consideravam [[João]DP [como um aventureiro]PP]SC compl

(169) João chamou [[Joana]DP [de santa]PP]SCcompl

(170) Eu fiz dois barcosi [[PROi] [de papel]PP]SC adjunta

(171) Mariai saiu [[PROi] [de saiai]PP]SC adjunta

Seguindo a análise de Contreras (1995, p. 136), os predicados preposicionais e nominais não formam SCs, mas sim predicados complexos, pois não apresentam domínios opacos ou sujeitos. Por esse motivo, a inserção de anáforas ligadas a NPs externos a supostos domínios de vinculação, como SCs, não causaria a agramaticalidade dessas sentenças. Vejamos o que podemos atestar com os exemplos abaixo:

(167’) (a) O professori classificou o atraso como injustificável para si mesmoi

(b) ? O professor classificou o atrasoi como injustificável por si mesmoi

(c) ? O professori classificou o atraso como injustificável para elei

(d) * O professor classificou o atrasoi como injustificável para/por elei

(168’) (a) Matheusi considerava João como um aventureiro para si mesmoi

(b) Matheus considerava Joãoi como um aventureiro para si mesmoi

(c) Matheusi considerava João como um aventureiro para elei

55

Lembramos que é o predicado da SC preposicional que possui uma preposição, e não o sujeito – desse modo, a estrutura da SC preposicional não pode ser confundida com a estrutura com predicativo do objeto indireto, tal como foi discutida no primeiro capítulo. Não encontramos na literatura sobre a teoria gerativa dados com predicativo do objeto indireto e, em princípio, não haveria restrições a esse predicativo, de acordo com essa perspectiva.

56

Notemos que exemplos como o de (171), em que a predicação recai sobre o sujeito da oração do verbo matriz, podem ser analisados, de acordo com uma perspectiva tradicional, como adjuntos adverbiais, já que parece difícil considerar como um elemento predicador do sujeito [de moto] em Maria saiu de moto. A diferença entre uma construção e outra parece merecer uma análise mais extensiva, que não encontra espaço neste trabalho. Por isso, aqui entenderemos que estamos diante de SCs preposicionais.

(d) ? Matheus considerava Joãoi como um aventureiro para elei

(169’) (a) Joãoi chamou Joana de santa para si mesmoi

(b) João chamou Joanai de santa para si mesmai

(c) Joãoi chamou Joana de santa para elei

(d) João chamou Joanai de santa para elai

Como podemos ver nas sentenças acima, não parece haver uma uniformidade quanto à aceitabilidade de sentenças com uma anáfora ou um pronome ligado a um NP sujeito de uma possível SC. Para a sentença (167), quando a anáfora está ligada a um possível NP sujeito de uma SC (sentença (b)), a aceitabilidade é discutível. Por outro lado, quando o pronome está livre em um possível domínio de vinculação (sentença (c)), a aceitabilidade também parece ser discutível, embora a ligação de um pronome nesse domínio (sentença (d)) ateste a agramaticalidade da sentença – o que parece favorecer a análise de SCs preposicionais. É o que vemos na sentença (168), cuja aceitabilidade somente é discutível quando o pronome parece estar ligado a um NP no mesmo domínio – ou seja, uma SC. Já para a sentença (169), as sentenças correspondentes tanto com anáforas como com pronomes ligados parecem ser aceitáveis. Desse modo, nem sempre os NPs com predicados preposicionais podem constituir barreiras impedindo que a anáfora esteja ligada ao NP inicial sujeito da oração matriz - ou seja, nem sempre esses NPs constituem sujeitos.

Passemos a outro teste. De acordo com a análise de Contreras (1995, p. 137), sentenças com predicados preposicionais podem sofrer reconstrução. Segundo Sportiche (1990), não poderia haver reconstrução no caso das SCs devido à presença de um traço de sujeito no constituinte que foi topicalizado. Como não há sujeito com predicados preposicionais, é possível fazer a reconstrução. Isto é, quando aparecem fronteados, esses predicados não carregam traços de seus sujeitos, tornando possível que apareçam ligados a anáforas. Essa hipótese colocaria os predicados preposicionais em oposição a SCs adjetivais e verbais, em que a reconstrução não parece ser possível. Analisemos os seguintes exemplos:

(167’’) [O quão injustificável]i o professor classificou o atraso ti?

(168’’) [O quão aventureiro]i todos consideravam Matheus ti?

(169’’) [De quão santa]i João chamou Joana ti?

Para Contreras (1995, p. 137), a gramaticalidade das sentenças (167’’), (168’’) e (169’’) acima pode ser explicada postulando-se que, de acordo com Sportiche, os predicados

fronteados não contêm o traço de um possível NP sujeito, ou seja, o atraso, João e Joana, nas sentenças acima. Desse modo, parece mais correto postular um predicado complexo para os casos de PC envolvendo predicados preposicionais. Vejamos o seguinte exemplo adaptado de Contreras:

(170) Maria quer João no comitê

(171) [Eles]i querem os partidos no comitê [de cada um]i

(172) Eles querem [os partidos]i no comitê [de cada um]i

Assim, se o pronome [eles] pode estar ligado ao DP mais abaixo, [um], então não há domínio opaco. Além disso, pode haver reconstrução no caso desses predicados complexos. Contreras propõe, então, que verbos como considerar selecionam dois DPs distintos independentes (e não uma SC, formada por dois DPs). O autor mostra que, se, por um lado, alguns constituintes podem ser analisados como SCs, por outro lado, existem restrições internas nesses constituintes para serem analisados como SCs. Isto é, embora a análise das SCs seja possível, ela não é uniforme. Mas como explicar que o mesmo verbo pode subcategorizar dois DPs independentes e uma SC ao mesmo tempo? A não ser que a hipótese seja de que verbos não selecionam SCs devido a uma informação lexical – a relação é sintática, assim como a relação constatada nos predicados resultativos.

Como vimos no primeiro capítulo, para a GT, o predicativo pode ser precedido pelas preposições (ou locuções prepositivas) de, por, em e como. Logo, a diferença entre sentenças com preposição e sem preposição não alteraria a função sintática dos predicativos. Sendo assim, se postularmos que predicados preposicionais compõem predicados complexos, então, teríamos que admitir que é a presença da preposição que garante a formação dessa estrutura e não permite que ali haja uma SC. Por outro lado, como podemos explicar o seguinte paralelismo?57

(173) (a)Todos consideravam [[João]DP [como um aventureiro]PP]SC compl

(b) Todos consideravam [[João]DP [um aventureiro]DP]SC compl

(174) (a) João chamou [[Joana]DP [de santa]PP]SCcompl

(b) João chamou [[Joana]DP [santa]NP]SCcompl

57

Além disso, esse paralelismo sintático poderá ser de grande valia para a representação de categorias flexionais em SCs nas seções seguintes, conforme a análise de Starke (1995).

Assim sendo, o paralelismo sintático, em que a retirada ou inserção da preposição não causam efeitos na gramaticalidade das sentenças, é apenas superficial, já que as estruturas em DS seriam diferentes.

Nas seções anteriores, analisamos as SCs sob dois pontos de vista: primeiramente, em relação à estrutura argumental do verbo da oração matriz (se SCs complementos ou adjuntas); após, em relação à categoria morfossintática do predicado. Entretanto, a análise de estruturas com PC pode ainda ser conduzida de outra forma dentro da abordagem gerativa. Na próxima seção, apresentamos duas perspectivas: a Teoria da SC, em que as estruturas acima podem ser analisadas como constituintes oracionais, e a Teoria da Predicação, em que as estruturas acima podem ser analisadas como predicados complexos.