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A noção de sujeito nas gramáticas tradicionais 1

g 4 preocupou a Maria

1.1. A noção de sujeito nas gramáticas tradicionais 1

As gramáticas tradicionais (GTs) conceituam a sentença como uma es-trutura linguística constituída de sujeito e predicado, sendo o primeiro “o ser sobre o qual se faz uma declaração” e o segundo “tudo aquilo que se diz do sujeito” (Cunha e Cintra 2007, p. 122). Tal conceituação obedece a um critério de cunho informacional, isto é, está relacionada à organização do discurso, mas nem sempre esse “sujeito” coincide com “o ser sobre o qual se faz uma declaração”. Veja as sentenças em (1) a seguir. Nelas, os constituintes em negrito correspondem exatamente ao conceito de sujeito que acabamos de transcrever. Utilizaremos um traço para representar uma posição vazia vinculada a um tópico e outros constituintes possivelmente movidos de sua posição de origem para a periferia da sentença (cf. cap. 1). O índice subscrito (i) indica a correferência entre a posição vazia e o constituinte grifado.

(1) a) [Cada elemento, cada nódulo]i ... elei possui o seu conjunto.

(EF SSA) b) E [carne]i, aqui em casa nós fazemos __ i de várias formas.

(DID RJ) c) [Olinda]i ninguém mora __ i. Ninguém diz é lá que eu moro não diz é lá que

eu pernoito.

(D2 REC) d) Drama, já basta a vida.

(DID SP) e) Filme, eu gosto mais de comédia.

(DID SP)

Observe que os elementos sublinhados correspondem ao “ser sobre o qual se faz uma declaração”, e os elementos em negrito, ao sujeito “sintático”,

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mo que é selecionado por um predicador e entra em relação de concordância com o verbo. Mesmo que o falante não use marcas explícitas de concordân-cia verbal, considera-se que a desinênconcordân-cia zero, ou a ausênconcordân-cia de marcas, não signifi ca falta de concordância. É justamente esse elemento em negrito que o estudante reconhece como sujeito da oração, apesar de a defi nição de su-jeito, tal qual aparece nas gramáticas tradicionais, se aplicar, no conjunto de sentenças, acima de outro elemento, a que vamos referir-nos como “tópico”.

Um exame atento de cada sentença nos revelará que existe conectividade

“referencial” ou “semântica” entre esse tópico e a sentença-comentário, que o segue, mas a conectividade “sintática” pode ser “mais” ou “menos” estreita, ou até mesmo não existir.

Em (1a), por exemplo, há conectividade referencial sintática entre o tópico cada elemento, cada nódulo com um elemento interno da sentença-comentário, o sujeito ele. Em (1b), o tópico carne tem um vínculo com uma posição vazia no interior da sentença-comentário, o complemento (argumento interno) de fazer (aqui em casa nós fazemos [carne]), representada pelo traço [ __ ]. A partir de (1c), essa conectividade se torna menos transparente. Pode-se dizer que Olinda mantém a conectividade referencial com a sentença-comentário, pois identifi ca o argumento interno (complemento circunstancial) de morar (ninguém mora [em Olinda]), mas veja que a preposição em não precede o tópico. Nos dois últimos exemplos, (1d) e (1e), não há conectividade de função sintática entre o tópico e qualquer elemento do comentário, apesar da conservação de uma conectividade referencial/semântica. Drama e fi l-me cabem perfeital-mente na defi nição de sujeito encontrada nas gramáticas tradicionais: “o ser sobre o qual se faz uma declaração”, enquanto já basta a vida e eu gosto mais de comédia se ajustam perfeitamente à defi nição de pre-dicado: “tudo aquilo que se diz do sujeito”. [Acho que deveria ser salientado que a conectividade referencial entre tópico e comentário existe em todas as sentenças. O que as distingue é a conectividade de função entre o tópico e um elemento comentário, presente em a/b/c e ausente em d/e. Basta mudar as duas primeiras linhas.]

Vemos, então, que a conceituação de cunho informacional é mui-to ampla, pois em mui-todas as sentenças elemenmui-tos externos a ela entram em conexão referencial com um constituinte da sentença-comentário, mantendo com essa sentença-comentário uma relação semântica. Vamos referir-nos a essas construções neste capítulo como construções de tópico

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marcado (cf. Brito, Duarte e Matos, 2003) e dedicaremos a elas atenção especial na seção 6.

Tanto o tópico marcado como o sujeito sintático podem veicular uma informação nova ou dada (já mencionada no discurso). Só o exame cuidadoso do texto pode-nos informar sobre o estatuto informacional (novo/dado) do tópico marcado e do sujeito sintático. Ressaltamos que “tópico marcado” e

“sujeito sintático”, as categorias que serão objeto de análise neste capítulo, não se confundem com o conceito de tópico discursivo2.

No trecho transcrito de um diálogo, apresentado em (2) a seguir, não há construções de tópico marcado. Mas é possível notar que os sujeitos sintáticos Olinda e ela correspondem a uma informação dada no contexto discursivo:

(2) – [...] e o patrimônio histórico tá restaurando as igrejas de Olinda... [...].

– Mas nós não sabemos por quanto tempo Olindai vai viver porque elai está escorregando para o mar.

(D2 REC)

Entretanto, é preciso assinalar que nosso sujeito sintático pode ainda aparecer em posição pós-verbal e, em tais casos, servirá, predominantemen-te, para veicular uma informação nova, como mostra o último constituinte destacado em (3):

(3) O “Fantástico”i eu acho que ___ i é um programa muito... Muita coisa boa aparece no “Fantástico”. Agora começam os programas de política.

(DID SP)

O trecho acima é bastante ilustrativo a respeito da discussão que começamos aqui e que prosseguirá na seção seguinte e na 2. O constituinte o Fantástico é uma informação nova codifi cada pela estrutura de tópico marcado, já ilustrada em (1); muita coisa boa é igualmente uma informação nova, que aparece na posição de sujeito sintático; os programas de política é um sujeito sintático que traz uma informação nova, que aparece após o verbo.

Observamos, então, que o sujeito da sentença pode ser uma entidade que codifi ca informação velha (2) ou uma entidade que codifi ca informação nova (3). Isso mostra que não podemos basear a conceituação de sujeito exclusiva-mente em uma análise do status informacional da entidade.

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