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Os adjuntos na gramática tradicional 1

Nota geral

2. Os adjuntos na gramática tradicional 1

Tradicionalmente os adjuntos são defi nidos, a partir da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), como “termos acessórios” da oração, em opo-sição aos “termos essenciais” (sujeito e predicado) e “termos integrantes” (os

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complementos). Várias gramáticas defi nem como acessórios os termos que se juntam a um nome ou a um verbo para modifi car-lhes o sentido. Afi rmam ainda que, embora os adjuntos tragam dados novos à sentença, não são in-dispensáveis ao seu entendimento.

O que está por trás dessa intuição é o fato de os adjuntos não serem sele-cionados pelo núcleo verbal, como são os complementos e os especifi cadores, conforme já se viu em capítulos anteriores.

Vamo-nos deter por ora na defi nição acima, segundo a qual adjuntos se juntam a nomes ou a verbos, examinando os exemplos em (10):

(10) a) A Rose deu os brinquedos para as crianças.

b) A Rose [provavelmente deu] os brinquedos para as crianças. (Mas não os guardou depois).

c) A Rose deu [provavelmente os brinquedos] para as crianças. (Mas não as roupas).

d) A Rose deu os brinquedos [provavelmente para as crianças]. (Mas não para os adolescentes).

e) Provavelmente, a Rose deu os brinquedos para as crianças. (É provável que o tenha feito, mas também pode ter-se esquecido de fazê-lo).

O advérbio provavelmente pode ocorrer em várias posições da sentença em (a), juntando-se a um verbo em (b) e a um sintagma nominal em (c); contudo, ao menos esse tipo de advérbio também se pode juntar a outros elementos, no caso, um sintagma preposicionado, em (d), e a toda a sentença, em (e).

Além disso, o caso de (c) é problemático para a gramática tradicional, pois, embora o advérbio esteja junto de um sintagma nominal, o que constituiria um caso de adjunto adnominal ⎯ distinção que faremos logo abaixo ⎯, gramáticos tradicionais não aceitam que tal advérbio possa ter essa função, mas tão-somente a de adjunto adverbial. Isso torna a defi nição acima incapaz de dar conta de todos os casos de adjunção na língua.

É preciso ter cuidado, também, com aquilo que a gramática tradicional chama de elementos “dispensáveis” ao entendimento da sentença. Da perspec-tiva estritamente sintática, são, de fato, elementos não-selecionados e, assim, não-obrigatórios na estrutura da sentença. Porém, da perspectiva semântica, é preciso considerar que, se o falante os colocou em uma dada sentença, é porque certamente trazem algum tipo de informação que se quer veicular e, dessa forma, não são dispensáveis. Veja-se que a distinção de sentido promovida

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pelo uso do advérbio nas diferentes sentenças em (10), por meio do contraste estabelecido entre os parênteses, mostra a relevância desse elemento para a interpretação semântica da sentença.

Os adjuntos são, ainda da perspectiva tradicional, divididos em verbais (adjuntos adverbiais) e nominais (adjuntos adnominais), respectivamente (11) e (12) — uma consequência da defi nição explorada acima:

(11) João [comprou um carro [a prazo]].

(12) João comprou [uma cadeira [de praia]].

Note-se que em (11) o adjunto [a prazo] diz respeito ao SV [comprou um carro], já em (12) o adjunto [de praia] diz respeito exclusivamente ao SN [uma cadeira], daí a distinção.

Neste capítulo, ocupar-nos-emos apenas daqueles considerados como

“adjuntos adverbiais”, conforme já apontamos na introdução. Como os adjun-tos se podem juntar a outros elemenadjun-tos que não apenas o verbo, refi naremos a classifi cação acima ao longo do capítulo. Por outro lado, incorporaremos à classe dos adjuntos aquilo que a gramática tradicional trata como “predica-tivo do sujeito”, ou seja, como um termo integrante, conforme em (13).

Vamos desconsiderar os casos de predicativo do objeto, porque esses casos foram analisados no capítulo de “Complementação”, como miniorações.

(13) aprendeu a comer né? sozinha.

(DID SSA)

Notem que sozinha é um adjetivo, pois está fl exionado, que se relaciona com o SV que contém o verbo comer, já que descreve o modo como alguém aprendeu a comer. Há em (13) uma minioração que contém o adjetivo e ela se junta ao SV.

Todos os advérbios são tratados pela gramática tradicional como adjuntos, o que inclui a negação, por exemplo. Porém trataremos aqui a negação como uma categoria funcional (ver cap. 1), que faz parte do “esqueleto” sentencial, desempenhando a função de um operador semântico capaz de reverter o valor de verdade de uma proposição. Assim, se (14a) é uma declaração verdadeira acerca de um dado estado do mundo, (14b) necessariamente será falsa, pois a nega:

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(14) a) Rocha Lima é um gramático.

b) Rocha Lima não é um gramático.

A declaração (14b) pode ser parafraseada como “não é verdade que Rocha Lima seja um gramático”. Reservaremos a discussão da negação igualmente à seção de Sistematização formal.

Outro ponto a ser levantado, já discutido no capítulo sobre “Complemen-tação”, envolve a reinterpretação de alguns complementos como adjuntos a partir da adoção da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB). Os elementos em negrito nas sentenças abaixo eram considerados, pré-NGB, complementos circunstanciais por muitos gramáticos:

(15) Vocês gostam de morar numa cidade de um milhão de habitantes?

(D2 REC)

(16) A festa durou uma hora.

(17) A criança pesa 20 quilos.

Após o advento da NGB, esses elementos passaram a ser considerados adjuntos pela gramática tradicional. Conforme a discussão que se encontra sobre o tema no capítulo 2, mantém-se a análise de que sejam de fato com-plementos, portanto não serão aqui discutidos.

Pouco se fala na gramática tradicional sobre a realização categorial dos adjuntos. Basicamente, consideram-se os advérbios e as orações subordinadas adverbiais, mas muitos dos exemplos apresentados envolvem igualmente sin-tagmas preposicionados, com ou sem a realização da preposição. Já vimos que casos como (13), em que há um adjetivo internamente a uma minioração adjungida ao sintagma verbal, não são tratados como adjuntos. De fato, a noção de sintagma, como se viu no capítulo 1, é estranha à gramática tradi-cional. É, contudo, essencial verifi car a forma dos adjuntos, já que adjuntos realizados por diferentes elementos terão comportamentos distintos. Alguns podem ser “empilhados” nas margens da sentença, enquanto outros escolhe-rão elementos muito específi cos da estrutura a que se juntar. Ao tratá-los como “termos acessórios”, podemos ser levados a imaginar que sejam elemen-tos que têm um comportamento absolutamente livre na sentença, já que são, da perspectiva sintática, dispensáveis. Veremos, passo a passo, que os

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tos, embora mais livres do que, por exemplo, os complementos, são ele mentos bastante bem-comportados no que se refere a posições que possam ocupar na sentença, à recursividade, à proibição de movimento de elementos que os constituem. Esse último tópico será discutido na seção de Sistematização formal do capítulo.

Passemos, então, à descrição dos adjuntos. Mas antes cabe uma nota: para efeito da discussão geral do capítulo, vamos ignorar a distinção entre Sv e SV, porque é irrelevante aqui. Deixaremos as representações com Sv para a seção de Sistematização ao fi nal do capítulo.